sexta-feira, 31 de maio de 2013

Legenda Perusiana 106-110.

[106]

Outra vez, quando o bem-aventurado Francisco estava no mesmo palácio, disse-lhe um dia um dos que eram seus companheiros aí: “Pai, perdoa-me, porque o que quero te dizer já foi considerado por diversas pessoas”. E disse: “Tu sabes como outrora, pela graça de Deus, toda a religião vigorou na pureza da perfeição, isto é, como todos os frades observavam com fervor e solicitude a santa pobreza em tudo, em edifícios pequenos e pobrezinhos, em utensílios pequenos e pobrezinhos, em livros pequenos e pobrezinhos, e em roupas pobrezinhas, e como nessas coisas, também nas outras coisas exteriores tinham uma única vontade, solícitos por observar tudo que diz respeito a nossa profissão e vocação, e ao bom exemplo; e assim eram unânimes no amor a deus e ao próximo.

Agora, porém, faz pouco tempo, essa pureza e perfeição começou a variar de diversas formas, ainda que os frades digam muitas coisas e d6eem muitas desculpas, dizendo que por causa da multidão essas coisas não podem ser observadas pelos frades. Muitos frades até acham que o povo fica mais edificado com essas coisas, e lhes parece mais honesto viver e comportar-se de acordo com essas coisas; por isso têm como se fosse nada o caminho da simplicidade e daquela pobreza, que foram o início e o fundamento da nossa religião. Por isso, considerando essas coisas, achamos que elas te desagradam; mas ficamos muito admirados, se te desagradam, porque suportas e não corriges”.

O bem-aventurado Francisco disse-lhe: “O Senhor te perdoa, irmão, porque queres me contradizer, ser meu adversário e me implicar nessas coisas que não são do meu ofício”. E disse: “Enquanto eu tive o ofício de cuidar dos frades, eles permaneceram em sua vocação e profissão, embora eu tenha sido adoentado desde o começo de minha conversão a Cristo, e com pouca solicitude da minha parte conseguia satisfaze-los com o exemplo e a pregação.

Mas depois que eu vi que o Senhor multiplicava todos os dias o número dos frades, e que eles, por causa da tibieza e do vazio de espírito começaram a desviar-se do caminho reto e seguro pelo qual costumavam andar, e passaram a ir por um caminho mais largo, como disseste, não cuidando de sua profissão, vocação e bom exemplo, e não abandonaram o caminho que tinham começado, apesar da minha pregação e exemplo, recomendei a Religião ao Senhor e aos ministros dos frades. Porque, embora no tempo em que renunciei e deixei o ofício dos frades, eu tenha me desculpado diante dos frades no capítulo geral, pois por causa de minha doença não podia mais ter o cuidado e a solicitude por eles, agora, se os frades andassem e tivessem andado de acordo com a minha vontade, por sua consolação eu não quisera que tivessem outro ministro senão eu, até o dia de minha morte. Porque desde que um fiel e bom súdito conhece a vontade de seu prelado e a observa, o prelado precisa ter pouca solicitude por ele. Eu até teria tanta alegria pela bondade dos frades e me consolaria por causa do meu proveito e do proveito deles que, se jazesse doente na cama, não seria pesado para mim satisfaze-los”. E disse: “Meu ofício é espiritual, isto é, uma prelatura sobre os frades, porque dominar e corrigir os vícios.

Por isso, se não posso dominar e corrigir os vícios pela pregação e o exemplo, não quero ser um carrasco para bater e chicotear, como o poder deste século”. Porque confio no Senhor que os inimigos invisíveis, que são os esbirros do Senhor ainda vão vingar-se deles para punir neste século e no futuro os que transgridem os mandamentos do Senhor, fazendo-os serem corrigidos pelas pessoas deste século com impropério e vergonha para eles; e voltarão a sua profissão e vocação. Entretanto, até o dia de minha morte não vou parar de ensinar os frades a andarem pelo caminho que o Senhor me mostrou, pelo meu exemplo e ação. E eu lhes mostrei e informei, de modo que não têm desculpas diante do Senhor, e eu, diante de Deus não vou mais ter que prestar contas deles”.

Por isso, fez então escrever em seu Testamento que todas as casas dos frades deviam ser de barro e paus, como um sinal da santa pobreza e humildade, e que as igrejas que fossem construídas para os frades fossem pequenas. Quis até que essa reforma começasse, principalmente no que diz respeito às casas construídas de barro e paus, e a todos os bons exemplos, no lugar de Santa Maria da Porciúncula, que foi o primeiro lugar onde, depois que os frades ali moraram, pó senhor começou a multiplicar os frades para que fosse um exemplo para sempre para os outros frades que estão e virão para a Religião. Mas alguns disseram que não lhes parecia bom que as casas dos frades devessem ser construídas de paus e barro, porque em muitos lugares e províncias a madeira é mais cara do que as pedras.

E o bem-aventurado Francisco não queria disputar com eles, porque estava muito doente e próximo da morte, pois pouco viveu depois disso. Por isso escreveu depois no seu Testamento: “Cuidem os frades de não receber absolutamente as igrejas e moradias que forem construídas para eles se não forem como convém à santa pobreza que na Regra prometemos, sempre nelas se hospedando como peregrinos e forasteiros. Mas nós que estivemos com ele quando escreveu a Regra e quase todos os seus outros escritos, damos testemunho de que fez escrever muitas coisas na Regra e em seus outros escritos das quais alguns frades, principalmente prelados, foram contrários. Por isso aconteceu que essas coisas em que os frades foram contrários ao bem-aventurado Francisco durante sua vida, agora, depois de sua morte, são muito úteis a toda a Religião.

Mas como ele temia muito o escândalo, condescendia, mesmo sem querer, com a vontade dos frades. Mas muitas vezes dizia estas palavras: “Ai dos frades que são contrários a mim nisso, porque eu sei que é a vontade de Deus para a maior utilidade da Religião, ainda que, contra o meu querer, condescenda com a vontade deles”. Por isso, dizia muitas vezes a seus companheiros: “Nisso está minha dor e minha aflição, porque obtenho essas coisas de Deus por sua misericórdia com muito trabalho de oração e meditação, para a utilidade presente e futura de toda a religião, e Ele me dá a certeza de que são segundo a sua vontade. E alguns frades, pela autoridade e providência da sua ciência, esvaziam e são contrários a mim, dizendo: “Estas coisas devem ser tidas e observadas, e estas não!”. Mas porque, como foi dito, tinha tanto medo de escândalo, permitia fazer muitas coisas que não estavam de acordo com a sua vontade e condescendia com a vontade deles.



[107]

Como nosso santíssimo pai Francisco morasse, em certa época, junto da igreja de Santa Maria da Porciúncula, e costumasse, costumava, todos os dias, depois da refeição, trabalhar com seus frades em algum serviço, contra o vício da ociosidade, considerando, que o bem para si e para seus frades, que com a cooperação de Deus conseguiam no tempo da oração, não devia ser perdido depois da oração por palavras ociosas ou inúteis, para evitar o mal das palavras ociosas ou inúteis, ordenou estas coisas e mandou que fossem observadas pelos frades: “Se algum frade, estando à-toa ou fazendo algum trabalho entre os frades, proferir alguma palavra ociosa ou inútil, tenha que dizer uma vez o Pai-nosso, louvando a deus no começo e no fim de sua oração, mas de tal modo que, se tiver consciência e se acusar primeiro de sua falta, dirá o Pai-nosso e os Louvores a Deus, como foi dito, pelo bem de sua alma.

Mas se for primeiro advertido por algum dos irmãos, tenha que dizer o Pai-nosso, do modo predito, pela alma de quem o corrigiu. Mas se, por acaso, advertido por causa disso, desculpar-se e não quiser rezar o pai-nosso, tenha que rezar do mesmo modo dois Pai-nossos pela alma do frade que o corrigiu, se constar, pelo testemunho desse frade ou de um outro, que na verdade ele disse essa palavra ociosa ou inútil. Esses Louvores de Deus, como foi dito, no princípio e no fim de sua oração, devem ser ditos tão alto e manifestamente que os frades que lá estão possam entender e ouvir.

Esses frades, enquanto ele rezar, calem-se e escutem. Mas se algum deles, contrariando a isto, não ficar calado, terá que dizer um Pai-nosso do mesmo jeito, com os Louvores de Deus, pela alma do frade que estiver rezando. “E qualquer fradem quando entrar numa cela, numa casa ou em outro lugar qualquer e lá encontrar um ou mais frades, sempre deverá louvar diligentemente e bendizer a Deus”. Era costume do pai santíssimo dizer sempre esses Louvores, e com vontade e desejos ardentíssimos queria que também os outros frades fossem semelhantemente solícitos e devotos para rezá-los.



[108]

No tempo daquele capítulo celebrado no mesmo lugar, em que os frades foram enviados pela primeira vez a algumas províncias ultramarinas, quando acabou o capítulo, o bem-aventurado Francisco, permanecendo nesse lugar com alguns frades, disse-lhes: “Caríssimos irmãos, eu tenho que ser forma e exemplo de todos os frades. Portanto, se mandei meus frades para lugares longínquos onde vão trabalhar, passar vergonha, fome, e ter que agüentar numerosas necessidades, parece-me justo e bom que também eu vá semelhantemente para alguma província longínqua, principalmente para que os frades possam suportar mais pacientemente suas necessidades e tribulações, quando ouvirem dizer que eu também as suporto”. E lhes disse: “Ide, portanto, e orai ao Senhor para que me dê de escolher a província que for para maior louvor de deus e proveito e salvação das almas, e para bom exemplo de nossa religião”.

Pois era costume do pai santíssimo, não só quando ia pregar em alguma província longínqua mas também quando ia para as províncias próximas, orar ao senhor e mandar os frades orarem para que o Senhor dirigisse seu coração para ir onde quer que fosse melhor segundo Deus. Por isso os frades foram para a oração e, quando acabaram, voltaram para ele. Ele lhes disse: “Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, de sua gloriosa Virgem Mãe e de todos os santos, escolho a província da França, onde há um povo católico, principalmente porque entre os outros católicos da santa Igreja demonstram a maior reverência ao Corpo de Cristo; o que para mim é muito grato. Por isso vou ter a maior boa vontade de viver com eles”.

Pois o bem-aventurado Francisco tinha tanta reverência e devoção ao Corpo de Cristo, que quis que fosse escrito na Regra que os frades tivessem cuidado e solicitude para com ele nas províncias em que morassem, e admoestassem e pregassem sobre isso aos clérigos e sacerdotes, para que colocassem o Corpo de Cristo em um lugar bom e conveniente. E, se não agissem assim, queria que os frades o fizessem. Houve um tempo em que até quis enviar frades com âmbulas por todas as províncias, e onde encontrassem o Corpo de Cristo ilicitamente colocado, que eles mesmos lhe dessem um lugar honroso. Pois, por reverência ao santíssimo Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, também quis pôr na Regra que os frades, onde quer que encontrem as palavras e nomes escritos do Senhor, pelos quais faz-se o Santíssimo Sacramento, mal guardadas ou desrespeitosamente espalhadas em algum lugar, as recolhessem e repusessem, honrando o Senhor nas palavras que disse.

Pois muitas coisas são santificadas pelas palavras de deus, e em virtude das palavras de Cristo confecciona-se o sacramento do altar. E embora não tenha escrito isso na Regra, principalmente porque aos frades ministros não parecia bom que os frades tivessem isso como um mandamento, no seu testamento e em outros escritos seus o santo pai quis deixar sua vontade sobre essas coisas. Também quis mandar alguns outros frades por todas as províncias com boas e bonitas ferramentas para fazer hóstias. Quando o bem-aventurado Francisco escolheu entre os frades os que queria levar consigo, disse-lhes: “Em nome do Senhor, ide dois a dois comportadamente pelo caminho, e principalmente em silêncio, de manhã até depois de tércia, orando ao Senhor em vossos corações. E as palavras ociosas e inúteis não sejam ditas entre vós. Pois mesmo que estejais caminhando, vossa conversação seja tão conveniente como se estivésseis no eremitério ou na cela, porque onde quer que estejamos ou caminhemos, temos a nossa cela conosco: pois o irmão corpo é nossa cela e a alma é o eremita que mora dentro da cela para orar a Deus e meditar.

Por isso, se a alma não permanecer no sossego e na solidão em sua cela, de pouco adianta para o religioso a cela construída com a mão. Mas quando chegaram a Arezzo, havia o maior escândalo e uma guerra quase na cidade inteira, de dia e de noite, por causa de duas facções que havia muito tempo se odiavam. Quando o bem-aventurado Francisco viu isso e ouviu tamanho rumor e clamor de dia e de noite, estando hospedado em certo hospital num burgo fora da cidade, pareceu-lhes que os demônios estavam exultantes com isso [e incitavam] todas as pessoas a destruir a cidade com fogo e outros perigos. Então, movido pela piedade para com aquela cidade, disse ao sacerdote Frei Silvestre, homem de Deus, de grande fé, de admirável simplicidade e pureza, que o santo pai venerava como um santo: ”Vá à frente da porta da cidade e mande em alta voz que todos os demônios saiam desta cidade. Frei Silvestre levantou-se e foi para diante da porta da cidade, gritando em alta voz: “Louvado e bendito seja o Senhor Jesus Cristo. Da parte de Deus onipotente e em virtude da santa obediência do nosso santíssimo pai Francisco, eu mando aos demônios que saiam todos desta cidade”.

E aconteceu que, pela misericórdia divina e pela oração do bem-aventurado Francisco, mesmo sem nenhuma pregação, pouco depois voltaram todos à paz e à unidade. E como não lhes pôde pregar nessa ocasião, o bem-aventurado Francisco, mais tarde, quando estava pregando a eles certa vez, disse-lhes no primeiro sermão da pregação: “Eu vos falo como a presos dos demônios, porque vós mesmos vos amarrastes e vendestes, como animais no mercado, por causa da vossa miséria, e vos entregastes nas mãos dos demônios; isso aconteceu quando vos expusestes à vontade daqueles que destruíram e destroem a si mesmos e a vós, e querem destruir a cidade inteira. Mas vós sois pessoas miseráveis e ignorantes pois sois ingratos aos benefícios de deus, que, mesmo que alguns de vós não saibam, em certa hora libertou esta cidade pelos méritos de um santíssimo Frei Silvestre”.

Quando o bem-aventurado Francisco chegou a Florença, aí encontrou o senhor Hugolino, bispo de Óstia, mais tarde papa, que tinha sido enviado pelo papa Honório como legado ao Ducado e à Toscana, à Lombardia, à Marca de treviso até Veneza. O senhor bispo ficou muito alegre com a chegada dele. Mas quando ouviu o bem-aventurado Francisco dizer que queria ir para a França, proibiu que fosse, dizendo-lhe: “Irmão, não quero que vás para lá dos montes, porque há muitos prelados e outros que vão querer impedir os bens de tua religião na cúria romana.

Mas eu e outros cardeais, que amamos tua religião, com maior boa vontade a protegeremos e ajudaremos, se permanecerdes nos arredores desta província”. mas o bem-aventurado Francisco disse-lhe: “Senhor, é uma grande vergonha para mim, que mandei meus frades para províncias remotas e longínquas, se eu ficar nas províncias daqui”. Mas o senhor bispo disse, contestando-o: “Por que mandaste teus frades tão longe para morrerem de fome e terem tantas outras tribulações?”. O bem-aventurado Francisco respondeu com grande fervor de espírito e espírito de profecia: “Senhor, julgais e credes que o Senhor enviou frades só para estas províncias? Mas eu vos digo em verdade que o Senhor escolheu e enviou os frades para o proveito e salvação das almas das pessoas de todo o mundo, e não vão ser recebidos só nas terras dos fiéis mas também dos infiéis. E enquanto observarem o que prometeram a Deus, assim o Senhor lhes dará o que for necessário tanto na terra dos infiéis quanto na dos fiéis”.

E o senhor bispo ficou admirado com suas palavras, afirmando que dizia a verdade. E assim o senhor bispo não permitiu que ele fosse para a França; mas o bem-aventurado Francisco mandou para lá Frei Pacífico com outros frades, voltando ele para o vale de Espoleto.



[109]

Certa ocasião, como se aproximasse o capítulo dos frades, que devia ser feito junto da igreja de Santa Maria da Porciúncula, disse o bem-aventurado Francisco a seu companheiro: “Não me parece que eu seja um frade menor a não ser que esteja no estado que vou te dizer”. E disse: “Eis que os frades, com grande devoção e veneração v6em e me convidam para o capítulo, e eu, movido por sua devoção, vou ao capítulo com eles. E, todos reunidos, pedem que anuncie a palavra de Deus entre eles; levantando-me, prego-lhes como me ensinar o Espírito Santo.

Acabada a pregação, digamos que pensem e digam contra mim: Não queremos que reines sobre nós (cfr. Lc 19,14); pois não és eloqüente e és simples demais, e ficamos com muita vergonha de ter um prelado tão simples e desprezível acima de nós; por isso não tenhas daqui em diante a pretensão de te chamar de nosso prelado. E sim me expulsam envergonhando-me. “Por isso não me parece que eu seria um frade menor se não me alegrar do mesmo modo, quando me desprezam e me expulsam com vergonha, não querendo que eu seja o seu prelado, como quando me honra e veneram, sendo, de qualquer forma, igual o proveito para eles.

Pois, se me alegro de seu proveito e devoção, quando me exaltam e honram, onde pode haver perigo da alma, é mais conveniente que eu deva me alegrar e ficar satisfeito com o meu proveito e a salvação de minha alma, quando me expulsam com vergonha, onde há lucro da alma”.



[110]

Certa ocasião, no verão, quando o bem-aventurado Francisco estava no mesmo lugar e ficava na última cela perto da cerca da horta, atrás da casa, onde depois de sua morte ficou Frei Rainério, hortelão, aconteceu que certo dia, quando descia daquela cela, havia uma cigarra no ramo de uma figueira, que estava junto da cela, de modo que podia tocá-la. Por isso, estendendo-lhe a mão, disse-lhe: “Vem comigo, irmã cigarra”. Na mesma hora ela subiu nos dedos de sua mão, e ele começou a tocá-la com um dedo da outra mão, dizendo-lhe; “Canta, minha irmã cigarra”.

Ela obedeceu imediatamente e começou a cantar, e o bem-aventurado Francisco ficava muito consolado por isso e louvava a Deus. E assim por uma boa hora segurou-a em sua mão; depois recolocou-a no ramo da figueira, de onde a tirara. e assim por oito dias contínuos, quando descia da cela encontrava-a no mesmo lugar e todos os dias tomava-a na mão e, assim que dia para ela cantar, tocando-a, ela cantava. Depois de oito dias, disse a seus companheiros: “Vamos dar licença a nossa irmã cigarra que vá para onde quiser; pois já nos consolou bastante; e a carne poderia sentir vanglória por causa disso”.

E quando lhe deu licença, ela foi logo embora e não apareceu mais. E os companheiros ficaram admirados com isso, porque ela assim lhe obedeceu e foi mansa com ele. Pois o bem-aventurado Francisco se alegrava tanto com as criaturas por amor do Criador, que o Senhor, para consolação de seu exterior e de seu interior fez-se com que fossem mansas para eles as criaturas que são selvagens para os homens.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

São Fernando


Santo do Dia, 29 de maio de 1968

Hoje temos a festa de São Fernando de Castela. A biografia está tirada de “La Vie des Saints”, por Edouard Daras:

“Ele foi filho de Afonso, rei de Leão e de Berengária de Castela. Nascido em fins do século XII. Subiu ao trono aos 18 anos, tornando-se um dos grandes soberanos cristãos.

"Aos 27 anos pegou em armas contra os mouros, que mantinham parte da Espanha sob seu jugo e só as depôs quando de sua morte. Foi notável batalhador. No dia de São Pedro do ano de 1236 entrou em Córdoba, que os infiéis dominavam há cinco séculos. Consagrou a grande mesquita da cidade à Santíssima Virgem e fez transportar nos ombros dos maometanos os sinos de Compostela”.

É, inegavelmente, uma beleza!...

“Marchou sobre Sevilha e tomou-a com forças tão inferiores às do inimigo, que o general que entregou a cidade, olhando-a com lágrimas nos olhos (comentou): `Somente um santo poderia, com tais tropas, apoderar-se de uma praça tão forte e populosa’.

“Sua espada só a usou a serviço de Cristo. ‘Senhor, dizia, vós que sondais os corações, sabeis que busco vossa glória e não a minha. Não me proponho conquistar reinos perecíveis, mas difundir o conhecimento de Vosso Nome’.

Que linda oração contra o defeito da pretensão! Poder dizer que em todas as ações de apostolado, se procura exclusivamente a glória de Deus e não a própria! Não propomos conquistar para nós um prestígio perecível, mas queremos difundir o conhecimento da verdade de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja a doutrina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

“Seu exército era um exército cristão. A Santissima Virgem era sua padroeira e sua imagem era transportada como símbolo de proteção e vitória. O rei era o exemplo. Jejuava, usava um cilício em forma de cruz e passava em oração as noites que antecediam as batalhas. Essas guerras contínuas nunca o induziram a carregar seu povo de impostos. Confiava no auxílio da Providência e afirmava temer mais as maldições de uma pobre mulher do que todo um exército de mouros”.

Agora venham falar que na Idade Média não havia sentido de pena dos pobres, não havia compreensão do direito dos pequeninos...! Os senhores estão vendo um homem aqui que tem mais medo de cometer um pecado lançando contra uma pobre mulher um imposto injusto, do que de enfrentar um exército de mouros.

“Este grande príncipe morreu quando se preparava para uma expedição em África, contra os últimos inimigos de seu país. Ao lhe trazerem o Santíssimo Sacramento, lançou-se de joelhos rodeando seu pescoço de uma corda em sinal de sujeição ao Rei dos reis”.

É a doutrina da sagrada escravidão a Nosso Senhor Jesus Cristo ou a Nossa Senhora.

“São Fernando também amou e protegeu a cultura, tendo fundado a célebre Universidade de Salamanca”.

Um tão grande santo não podia amar a cultura em abstrato como esse trecho induz a pensar. Ele amava a cultura como um reflexo da glória de Deus e um instrumento para a difusão do Reino de Deus.

“Após mais de quatro séculos, seu corpo foi encontrado incorrupto, quando Clemente XI o canonizou em 1671”.

Valia a pena ter lido, ainda que não comentando, tão grande vida de tão grande santo.



Urna com o corpo de São Fernando, na catedral de Sevilha

Reinado Social de Cristo: a sociedade perfeita.


Leão XIII: a Civilização Cristã realizou o ideal de perfeição social

Operada a Redenção e fundada a Igreja, “como que despertando de antiga, longa e mortal letargia, o homem percebeu a luz da verdade, que tinha procurado e desejado em vão durante tantos séculos; reconheceu sobretudo que tinha nascido para bens muito mais altos e muito mais magníficos do que os bens frágeis e perecíveis que são atingidos pelos sentidos, e em torno dos quais tinha até então circunscrito seus pensamentos e suas preocupações.

“Compreendeu ele que toda a constituição da vida humana, a lei suprema, o fim a que tudo se deve sujeitar, é que, vindos de Deus, um dia devamos retornar a Ele.

“Desta fonte, sobre este fundamento, viu-se renascer a consciência da dignidade humana; o sentimento de que a fraternidade social é necessária fez então pulsar os corações; em conseqüência, os direitos e deveres atingiram sua perfeição, ou se fixaram integralmente, e, ao mesmo tempo, em diversos pontos, se expandiram virtudes tais, como a filosofia dos antigos sequer pôde jamais imaginar.

“Por isto, os desígnios dos homens, a conduta da vida, os costumes tomaram outro rumo. E, quando o conhecimento do Redentor se espalhou ao longe, quando sua virtude penetrou até os veios íntimos da sociedade, dissipando as trevas e os vícios da antigüidade, então se operou aquela transformação que, na era da Civilização Cristã, mudou inteiramente a face da terra”.

Leão XIII Encíclica “Tametsi futura prospiscientibus”, I-XI-1900. 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Aforismos sobre a democracia.

Aforismos sobre a democracia.

- La democracia es una religión antropoteísta. Su principio es una opción de carácter religioso, un acto por el cual asume al hombre como Dios. Su doctrina es una teología del Hombre-Dios, su práctica es la realización del principio en comportamientos, en instituciones y en obras.

- La popularidad de un gobernante, en una democracia, es proporcional a su vulgaridad.

- La democracia ignora la diferencia entre verdades y errores; solo distingue entre opiniones populares y opiniones impopulares.

-Hay que repetirlo y repetirlo: la esencia de la democracia es la creencia en la soberanía de la voluntad humana.

- El capitalismo es deformación monstruosa de la propiedad privada por la democracia liberal.

- Mientras no lo tomen en serio, el que dice la verdad puede vivir un tiempo en democracia. Después, la cicuta.

- Errar es humano, mentir democrático.

- La democracia sería una inocentada si no fuese el disfraz de una blasfemia.

- Mientras más graves sean los problemas, mayor es el número de ineptos que la democracia llama a resolverlos.

- La democracia, en tiempo de paz, no tiene partidario más ferviente que el estúpido, ni en tiempo de revolución colaborador más activo que el demente.

- La democracia sólo tolera dos partidos: el vocero de las ideas estúpidas, el protector de las codicias sórdidas.

- El mesías anunciado por los profetas de la democracia decomonónica resultó meramente el aborto del anticristo.

- “Patriota”, en las democracias, es aquel que vive del Estado; “egoísta” aquel de quien el Estado vive.

- Un hervidero de gusanos en el cadáver de una sociedad es síntoma de salud, según el demócrata.

- Si el comunismo denuncia la estafa burguesa, y el capitalismo al engaño comunista, ambos son mutantes históricos del principio democrático, ambos ansían una sociedad donde el hombre se halle, en fin, señor de su destino.

- Para la democracia individualista y liberal, la volición del hombre es libre de obligaciones internas, pero sin derecho de apelar a instancias superiores contra las normas populares, contra la ley formalmente promulgada, o contra el precio impersonalmente establecido. El demócrata individualista no puede declarar que una norma es falsa, sino que anhela otra; ni que una ley no es justa, sino que quiere otra; ni que un precio es absurdo, sino que otro le conviene.

- La veneración de la riqueza es fenómeno democrático. El dinero es el único valor universal que el demócrata puro acata.

- Los mandatarios burgueses del sufragio prohíjan el estado laico, para que ninguna intromisión axiológica perturbe sus combinaciones. Quien tolera que un reparo religioso inquiere la prosperidad de un negocio, que un argumento ético suprima un adelanto técnico, que un motivo estético modifique un proyecto político, hiere la sensibilidad burguesa y traiciona la empresa democrática.

Nicolás Gómez Dávila, in “Sentencias Doctas de un Pensador Antimoderno o de un Auténtico Reaccionario”, Santa Fe de Bogotá, 2001, compiladas pelo Dr. Alejandro Ordóñez Maldonado, páginas 17 a 20.

Fonte: blog Casa de Sarto.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Legenda Perusiana 101-105.

[101]

Frei Ricério da Marca de Ancona, nobre de parentela mas ainda mais nobre de santidade, a quem o bem-aventurado Francisco amava com grande afeto, visitou certo dia no mesmo palácio ao bem-aventurado Francisco. Entre outras palavras, em que comentou com o bem-aventurado Francisco sobre a situação da Religião a observância da Regra, também o interrogou sobre isto, dizendo: “Conta-me, pai, que intenção tiveste desde o princípio quando começaste a ter irmãos, e a intenção que tens agora, e achas que vais ter até tua morte, para que eu possa me certificar de tua intenção e vontade primeira e última, e saber se nós, irmãos clérigos, que temos tantos livros, podemos tê-los, embora digamos que são da Religião”.

Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: Irmãos, eu te digo que está foi e é minha primeira e última intenção e vontade, se os frades acreditassem em mim, que nenhum frade deveria ter senão a roupa, como a Regra nos concede, com o cíngulo e os calções”. Por isso, houve uma vez em que disse: “A religião e a vida dos frades menores é um pequeno rebanho, que o Filho de Deus pediu a seu Pai celeste nesta última hora, dizendo: Pai, gostaria que constituísses e me desses um povo novo e humilde neste última hora, que seja diferente na humildade e na pobreza de todos os outros que precederam e que ficasse contente de possuir só a mim.

E o Pai disse a seu dileto Filho: Filho, foi feito o que pediste”. Por isso o bem-aventurado Francisco dizia que “por isso quis o Senhor que se chamassem frades menores, porque este é o povo que o Filho de deus pediu a seu Pai. O próprio Filho de deus disse sobre eles no Evangelho: Não tenha medo, pequeno rebanho, porque aprouve a vosso Pai dar-vos o reino (Luc 12,32), e continuando: O que fizestes a um dos menores destes meus irmãos, foi a mim que fizestes (cfr. Mat 25,40). Porque ainda que se entenda que o Senhor disse isso a respeito de todos os pobres espirituais, na verdade predisse principalmente que a Religião dos frades menores viria a existir em sua Igreja”.

Por isso, como foi revelado ao bem-aventurado Francisco que a religião deveria chamar-se dos frades menores, assim fez escrever na primeira Regra, quando a levou para apresentar ao senhor papa Inocêncio III, e ele aprovou e concedeu a ele e depois anunciou a todos em um concílio. Semelhantemente, também a saudação que o senhor lhe revelou que os frades deviam dizer, como mandou escrever em seu testamento dizendo: “O Senhor me revelou que eu deveria dizer como saudação: O Senhor te dê a paz (cfr. Nm 6,26; 2Ts 3,16)“.

Por isso, no começo da religião, quando o bem-aventurado Francisco foi com um frade que foi um dos doze primeiros frades, esse frade saudava os homens e as mulheres pelos caminhos e os que estavam nos campos dizendo: O senhor vos d6e a paz”. E como as pessoas ainda não tinham ouvido tal saudação feita por nenhum religioso, ficavam muito admirados com isso. Houve até algumas pessoas que lhes disseram, como se estivessem indignadas: “O que quer essa saudação?”. De modo que aquele frade começou a ficar muito envergonhado por causa disso.

Daí disse ao bem-aventurado Francisco: “Irmão, deixa dizer outra saudação”. O bem-aventurado Francisco respondeu-lhe: “Deixa que eles falem, porque não entendem o que é de Deus. Mas não fiques com vergonha, porque eu te digo, irmão, que nobres e príncipes deste século ainda vão demonstrar reverência a ti e aos outros frades por essa saudação”. E disse o bem-aventurado Francisco: “Não é uma grande coisa que o Senhor tenha querido um pequeno povo entre todos os outros que precederam, que ficasse contente de possuir só a Ele, altíssimo e glorioso?”.

Mas se algum frade quiser dizer: por que o bem-aventurado Francisco, no seu tempo, não fez os frades observarem uma pobreza tão estrita como a que disse a Frei Ricério, e não mandou observá-la, nós que estivemos com ele responderemos a isso, como ouvimos de sua boca, porque ele mesmo disse isso e muitas outras coisas aos frades e também mandou escrever na Regra muitas coisas que pedia ao Senhor com assídua oração e meditação, pelo bem da religião, afirmando que essa era certamente a vontade do Senhor. Mas, depois que as mostrava a eles, pareciam-lhes graves e insuportáveis, ignorando então o que aconteceria na ordem depois da morte dele.

E como temia muito um escândalo em si e nos frades, não queria discutir com eles; mas condescendia, ainda que sem querer, à vontade deles, e se escusava diante de Deus. Mas, para que não voltasse vazia para deus a palavra que punha em sua boca para a utilidade dos frades, queria cumpri-la em si, para conseguir por isso a mercê de Deus, e no fim aquietava-se nisso e consolava seu espírito.



[102]

Por isso, em certa ocasião, quando voltou do ultramar, um ministro conversava com ele sobre o capítulo da pobreza, querendo saber qual era sua vontade e compreensão sobre isso, principalmente porque então estava escrito na Regra um capítulo de proibições do santo Evangelho, isto é: Nada levareis no caminho (Lc 9,3) etc. O bem-aventurado Francisco respondeu: “Eu assim quero entender, que os frades não devam ter nada além da roupa, com a corda e os calções, como está na Regra, e os que tiverem necessidade, os calçados”. Disse-lhe o ministro: “Que é que eu vou fazer, que tenho tantos livros, que valem mais do que cinqüenta libras? Mas perguntou isso porque queria tê-los com a consciência sossegada, principalmente porque tinha remorsos por possuir tantos livros, sabendo que o bem-aventurado Francisco entendia tão estritamente o capítulo da pobreza.

Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: “Irmão, não posso nem devo ir contra minha consciência e a profissão do Santo Evangelho, que professamos”. Ouvindo isso, o ministro ficou triste. Mas o bem-aventurado Francisco, vendo-o tão perturbado, disse-lhe com fervor de espírito, como se falasse a todos os frades: “Vós, frades menores, quereis ser vistos pelos homens e chamados de observadores do santo Evangelho, mas nas obras quereis ter bolsas (cfr. Jo 12,6)”. Na verdade os ministros sabiam que, segundo a Regra dos frades, deveriam observar o santo Evangelho, mas fizeram remover da Regra aquele capítulo que dizia: Nada levareis no caminho (Lc 9,3) etc.; julgando, portanto, que não estavam obrigados à perfeição do santo Evangelho.

Por isso o bem-aventurado Francisco, sabendo disso pelo Espírito Santo, disse diante de alguns frades: “Os irmãos ministros acham que podem enganar a Deus e a mim”. E disse: “Até para que saibam e conheçam todos os frades que são obrigados a observar a perfeição do santo Evangelho, quero que seja escrito no começo e no fim da Regra que os frades sejam obrigados a observar o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. E para que os frades nunca tenham desculpas diante de Deus, quero mostrar-lhes com obras, e observar sempre, com a ajuda do Senhor, aquilo que o Senhor pôs em minha boca, que lhes anunciei e anuncio, para salvação e utilidade minha e dos frades”. Por isso, desde o começo ele observou o santo Evangelho à letra, desde quando começou a ter frades até o dia de sua morte.



[103]

De maneira semelhante, numa ocasião ouve um irmão noviço que sabia ler o saltério, mas não bem; e como gostava de ler, pediu ao ministro geral licença para ter um saltério, e o ministro lhe concedeu. Mas ele não o queria ter se não recebesse licença para isso do bem-aventurado Francisco, principalmente porque tinha ouvido dizer que o bem-aventurado Francisco não queria que seus frades fossem desejosos de ciência e de livros; mas queria, e pregava aos frades, que se esforçassem por ter e imitar a pura e santa simplicidade, uma santa oração e a senhora pobreza, sobre as quais construíram os santos e os primeiros frades, e achava que esse era o caminho mais seguro para a salvação da alma.

Não que desprezasse ou olhasse com desagrado a santa ciência; até venerava com o maior afeto os que eram sábios na Religião e todos os sábios, como ele mesmo testemunhou em seu Testamento, dizendo: “A todos os teólogos e aos que nos administram as palavras divinas devemos honrar e venerar como a quem nos administra o espírito e a vida”. Mas, olhando para o futuro, conhecia pelo Espírito Santo e disse muitas vezes aos frades que muitos frades, com a desculpa de edificar os outros, abandonarão sua vocação, isto é a pura e santa simplicidade, a santa oração e nossa senhora pobreza. E acontecerá com eles que, de onde acharam que depois se imbuiriam de devoção e acenderiam para o amor de Deus por causa da compreensão das Escrituras, justamente por isso ficarão interiormente frios e como que vazios.

E assim não poderão voltar à antiga vocação, principalmente porque perderam o tempo de viver segundo a sua vocação. E temo que não lhes seja tirado o que parecia que possuíam, porque abandonaram sua vocação. E dizia: “Há muitos que põem na ciência todo o seu esforço e toda a sua solicitude, dia e noite, deixando sua santa vocação e a devota oração. E quando pregarem a alguns ou ao povo e virem ou ficarem sabendo que alguns ficaram edificados ou se converteram à penitência por causa disso, vão se inchar e orgulhar-se pelas obras e o lucro alheio. Porque é o Senhor que edifica e converte aqueles que eles crêem que eles acham que se edificam com suas palavras e se convertem à penitência, com as orações dos frades santos, mesmo que eles não saibam disso, pois assim é a vontade de Deus, que não percebam disso para não se orgulharem. Estes são os meus frades da távola redonda, que se escondem nos desertos e nos lugares afastados, para se dedicarem mais diligentemente à oração e à meditação, chorando os seus pecados e os dos outros, cuja santidade é conhecida por Deus, algumas vezes pelos frades, mas é ignorada pelos outros.

E quando suas almas forem apresentadas a Deus pelos anjos, então o Senhor vai mostrar-lhes o fruto e o resultado de seus trabalhos, isto é, muitas almas que forma salvas por suas orações, dizendo-lhes: Filhos, olhem estas almas salvas por suas orações, e porque fostes fiéis no pouco, eu vos constituirei sobre muitas coisas (cfr. Mt 25,21)”. Por isso, o bem-aventurado Francisco dizia sobre aquela passagem: Enquanto a estéril teve muitos filhos e a quem tinha muitos filhos ficou doente (cfr. 1Re 2,5), que a estéril era o bom religioso, que edifica a si mesmo e aos outros pelas santas orações e e virtudes. Dizia muitas vezes essas palavras diante dos frades em suas conversas com eles, e principalmente no capítulo dos frades junto à igreja de Santa Maria da Porciúncula, diante dos ministros e dos outros frades.

Por isso formava para as obras todos os frades, tanto ministros como pregadores, dizendo-lhes que por causa da prelatura e do ofício e solicitude de pregar não deviam absolutamente deixar a santa e devota oração, ir pedir esmolas e trabalhar com suas mãos, como os outros frades, por causa do bom exemplo e do lucro de suas almas e das dos outros. E dizia: “Os frades súditos ficam muito edificados quando seus ministros e pregadores se entregam de boa vontade à oração, e se prostram e se humilham”. Por isso ele, como um fiel zelador de Cristo, enquanto foi sadio de corpo, fazia em si o que ensinava a seus frades. Como aquele frade noviço, de que falamos acima, morava num eremitério, aconteceu que certo dia esteve lá o bem-aventurado Francisco.

Então aquele frade falou com ele, dizendo: “Pai, para mim seria uma grande consolação ter um saltério, mas, embora o ministro geral queira conceder-me isso, quero tê-lo de acordo com a tua consciência”. Esta foi a resposta que o bem-aventurado Francisco lhe deu: “Carlos imperador, Rolando e Olivério, e todos os paladinos e robustos varões, que foram poderosos no combate, perseguindo os infiéis com muito suor e trabalho até a morte, conseguiram uma gloriosa e memorável vitória sobre eles, e no fim os próprios santos mártires morreram no combate pela fé em Cristo; e sãos muitos os que só pela narração deles, do que eles fizeram, querem receber honra e louvor humano”. E por isso escreveu qual o significado dessas palavras em suas Admoestações, dizendo: “Os santos fizeram as obras e nós, recitando-as e pregando-as, queremos receber por isso honra e glória”. Como se dissesse: a ciência incha, mas a caridade edifica (cfr. 1Cor 8,1).



[104]

Outra vez, quando o bem-aventurado Francisco estava sentado junto ao fogo, esquentando-se, ele (o noviço) tornou a falar-lhe sobre o saltério. E o bem-aventurado Francisco lhe disse; “Depois que tiveres o saltério, vais ficar com vontade e querer um breviário. Depois que tiveres o breviário, te sentarás na poltrona como um grande prelado, dizendo ma teu irmão: Traz-me o breviário”. E dizendo isso, com grande fervor de espírito pegou cinza com a mão e colocou-a em cima da cabeça, levando a mão em volta da cabeça, como alguém que se lava, dizendo para si mesmo: “Quero um breviário! Quero um breviário!”. E falando assim muitas vezes, repetiu-o passando a mão pela cabeça. Aquele frade ficou estupefato e envergonhado.

Depois, o bem-aventurado Francisco lhe disse: “Irmão, eu também fui tentado a ter livros, de modo semelhante; mas para conhecer a vontade de Deus a respeito disso, peguei um livro em que estavam escritos os Evangelhos do Senhor e orei ao Senhor para que se dignasse mostrar sua vontade a para mim a respeito dessas coisss na primeira vez que abrisse o livro. Terminada a oração, na primeira vez que abri o livro encontrei aquela palavra do santo Evangelho: A vós foi dado conhecer os mistérios do reino de Deus; aos outros, porém, em parábolas (Lc 8,10; cfr. Mc 4,11)”. E disse: “São tantos os que sobem à ci6encia que feliz será quem e fizer estéril por amor do Senhor Deus”.



[105]

Depois, passados vários meses, quando o bem-aventurado Francisco estava perto da igreja de Santa Maria da Porciúncula, perto de sua cela no caminho atrás da casa, e aquele frade falou-lhe de novo sobre o saltério. O bem-aventurado Francisco disse-lhe: “Vá fazer como te disser o teu ministro”. Ouvindo isso, o frade começou a voltar pelo caminho por onde tinha vindo. Mas o bem-aventurado Francisco, permanecendo no caminho, começou a pensar no que tinha dito àquele frade, e logo gritou para ele, dizendo: “Espera-me, irmão, espera!”. e assim foi até junto dele, dizendo: “Volta comigo, irmão, e mostra-me o lugar em que te disse que fizesses do saltério o que te dissesse o teu ministro”.

Quando chegaram ao lugar onde tinha dito aquela palavra, o bem-aventurado Francisco inclinou-se diante do frade e, ficando de joelhos, disse: “Minha culpa, irmão, minha culpa, porque quem quiser ser frade menor não deve ter senão as túnicas, como a regra lhe concede, o cordão e os calções e, os que forem obrigados por manifesta necessidade ou doença, os calçados”. Por isso, a todos os frades que iam a ele para ter seu conselho a respeito disso, dava-lhes essa resposta”. Por isso dizia: “Uma pessoa tem tanto conhecimento de ciência quanto põe em prática; e um religioso é tão bom orador quanto ele mesmo pratica”. Como se dissesse: uma árvore boa não é conhecida senão pelo seu fruto (cfr. Mt 12,33; Lc 6,44)”.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Os rumos da política: o povo escolhe Barrabás e não entende por que é o corpo social é crucificado.

A violência é produto do seguinte: desde o fim do último governo militar, por pressão da agenda internacional pelos "direitos dos manos" (1984), as leis penais e processuais penais estão sendo constantemente relaxadas e abrandadas - ouvi dizer que também a próxima iniciativa de Código Penal é afrouxar ainda mais a coisa, penalizando crimes ambientais e tributários com maior rigor e abrandando a penalização de crimes contra pessoas e patrimônio. Matar bichinho não pode, mas matar pessoas pode.

E os "manos" sabem disso. Quando eles pesam o risco e as consequências, eles concluem que o crime compensa.

Pobreza não cria bandido, porque, se criasse, nenhum deputado roubaria e nenhum policial ou juiz seria subornado, e todo pobre seria ladrão.

A instabilidade dá dividendos políticos: o governo propõe qualquer coisa como solução e chantageia a população, que acredita nessa mentira. Basta ver como funcionam as relações entre favelados e políticos para entender isso. Favelado só elege político corrupto e oportunista porque é incapaz de gerir a própria vida, jogando a responsabilidade em cima do Estado, que alimenta essa dependência. Mas, para isso, é preciso degenerar a sociedade com os meios de comunicação e as escolas.

A "educação" é um meio de pregação ideológica defendida desde a era iluminista para domar o povo. Eles não querem educar o povo ou ensinar-lhes um ofício; eles querem doutrinar o povo para que ele seja dócil aos absurdos dos governos.

Os meios de comunicação destroem os valores com programação cheia de baixarias. Por isso, a censura é tão combatida e os políticos adoram adquirir jornais, revistas, estações de rádio e de TV.

A estabilidade social, política e econômica torna o Estado menos necessário, menor, e isso não dá lucro para bancos, que emprestam dinheiro para os governos terem tempo de cumprir seus projetos e "políticas públicas" antes das eleições (os tributos pagam os juros dos empréstimos, e , às vezes, conseguem pagar alguns dos empréstimos).

Quanto mais instável um país, mais lucrativo ele é. E as mudanças para pior, no caso do Brasil, já que nada melhora aqui, fazem esse papel.

Fazemos papel de bobo crendo em reformas e mudanças. Os políticos vivem defendendo isso e a vida das pessoas de bem só piora.

Por isso, penso que, quanto mais se mexe, pior fica. Porque essa é a intenção deles.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Missa: sacrifício ou ceia entre amigos?

Palmas, dança e euforia na Santa Missa - O Sacrifício e o louvor

Recebemos do leitor "Felipe" o seguinte comentário à postagem "Sobre a questão das palmas na Santa Missa":

“Sou católico fervoroso, mas não consigo entender: se Jesus me fez livre dos pecados no dia da salvação e livre para adorá-lo, porque nao posso adorá-lo com minhas palmas? Qualquer forma de adoração é aceita por Deus, desde que parta do profundo do coração. Isso é ridículo! Davi louvava a Deus das maneiras mais liberais que já se viram! Se Deus criou minhas mãos e me deu capacidade de bate-las porque não posso usar isso como adoração. Eu não posso nem dizer que isso é um atraso, isso é antibíblico! Os salmos falam sobre o louvor com os instrumentos, entre eles de repercussão e com as danças. Portanto Deus gosta do louvor como é o melhor da pessoa.

'Aleluia. Louvai o Senhor em seu santuário, louvai-o em seu majestoso firmamento.
Louvai-o por suas obras maravilhosas, louvai-o por sua majestade infinita.
Louvai-o ao som da trombeta, louvai-o com a lira e a cítara.
Louvai-o com tímpanos e danças, louvai-o com a harpa e a flauta.
Louvai-o com címbalos sonoros, louvai-o com címbalos retumbantes.
Tudo o que respira louve o Senhor!'
Salmos 150:1-6

Se o melhor que a pessoa pode dar é o rap, Ele aceita o rap, se o melhor que a pessoa pode dar é o rock, Ele aceita o rock, se o melhor que a pessoa pode dar é a palma, Ele aceita as palmas,se o melhor da pessoa é a dança, Ele aceita a dança . Ele dá liberdade de adoração, não consigo me conformar com essa ideia de que barulho atrapalha, se Ele criou o barulho ele também gosta do barulho!"

- NOSSA RESPOSTA:

Olá, Felipe, a Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Seu comentário é muito oportuno, porque você conseguiu reunir praticamente todos os argumentos dos que são favoráveis às palmas, danças, batucadas e todo tipo de "inovações" e "modernismos" na Celebração Eucarística. Como é comum à maioria daqueles que compartilham das suas convicções, a paixão e a emoção tomam conta da razão, tanto que, logo no começo do seu comentário, você já chama todos os que não compartilham do seu pensamento de “ridículos”.

Então, antes de tudo, peço um pouco mais de calma da sua parte. Peço que respire fundo, suplique pela orientação do Espírito Santo e leia esta nossa resposta inteira. Tenho certeza de que, se fizer isso, você vai compreender a questão. Num primeiro momento você pode se decepcionar, pode optar em permanecer irracionalmente firme nas suas convicções... Mas você vai entender. Bem, como você elencou uma série de argumentos, para organizar o raciocínio e facilitar a compreensão, teremos que responder um por um, em partes. Vamos lá:

1) Católicos com o pensamento "protestantizado"

Em primeiro lugar, perceba que o seu pensamento está totalmente “protestantizado”. Infelizmente, o crescimento das seitas pentecostais no Brasil anda levando muitos católicos a assumir determinados princípios 100% protestantes e, muitas vezes, anticatólicos. Muita gente anda, sem querer, caindo nessa sutil armadilha. Você ouve uma afirmação num programa de TV aqui, o seu amigo repete uma outra afirmação ali... E, quando dá pela situação, você também está defendendo aqueles mesmos pontos de vista. Aquele jeito de entender as coisas entrou e instalou-se no seu subconsciente, sem você perceber.

É o caso de elevar a Bíblia Sagrada à categoria de "única regra de fé e prática" para o cristão: se algo está escrito na Bíblia vale; se não está escrito na Bíblia, literalmente, não vale. Este é um princípio totalmente protestante e totalmente contrário à Igreja Católica. Poderíamos dizer que é este o único "dogma" das igrejas ditas "evangélicas", e é um dogma completamente contraditório, pois é contrário à própria Bíblia, e que leva incontáveis almas à perdição. Por quê? Porque eu posso pinçar determinadas passagens da Bíblia para legitimar praticamente qualquer coisa, até mesmo os crimes mais hediondos!

Veja por exemplo o caso do falso profet, digo, empresário e autoproclamado "bispo" Edir Macedo, líder e fundador da "igreja universal do reino de deus": ele usa trechos bíblicos para defender o aborto! Para aqueles "evangélicos" de outras denominações que não aceitam tal absurdo, Macedo diz que há "embasamento bíblico" para tal: ele cita o dizer do Senhor Jesus quando sentou-se à mesa com seus discípulos para celebrar a última ceia: “O Filho do Homem vai, como dEle está escrito. Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor para esse homem que jamais tivesse nascido!” (Mateus 26,24)

Sim. De tão absurdo, o argumento torna-se ridículo, e chega a parecer uma piada, mas infelizmente não é. A interpretação do "bispo" (sic) Macedo é de que seria “melhor que Judas tivesse sido abortado”: logo, devemos liberar a lei, para que as mulheres abortem à vontade. Claro que ele não considera o fato de que a Virgem Maria, que por estar grávida sendo solteira, prometida a José, correu risco de vida; naquela cultura, ela poderia ter sido apedrejada! Agora imaginemos se ela tivesse resolvido também usar o seu "direito de mulher", apelar para essa "responsabilidade social" e abortar Jesus Cristo, o Salvador do mundo!..

Evidentemente, para destruir de uma vez a ideia de que o aborto possa ser defendido por um cristão, usar a Bíblia é ainda mais simples. Basta citar, por exemplo, Êxodo 20,13: "Não matarás". Melhor ainda seria lembrar o que diz o Salmo 139,13-14: "Fostes vós que formastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe. Sede bendito por me haverdes feito de modo tão maravilhoso!". Tenho eu o direito de arrancar do ventre da mãe aquela vida humana que, como diz a Bíblia, Deus mesmo formou? E para arrematar a conversa, que tal citar Jeremias 1,5? "Antes que no seio de tua mãe fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações".

É um fato indiscutível que a Bíblia pode ser usada por pessoas mal intencionadas ou simplesmente ignorantes.

"Gostaria que alguém me 'provasse biblicamente' que um homem não pode ter mais de uma mulher", diz o "pastor". Pois é... Para essas pessoas, tudo precisa ser "provado biblicamente", tudo precisa ter "base bíblica". Mas como é que se prova alguma coisa biblicamente, se todo texto, mesmo que seja um texto sagrado, divinamente inspirado, está sujeito à interpretação humana? Edir Macedo acha que "provou biblicamente" que o aborto é da Vontade de Deus. O "pastor" do vídeo acima acha que deveria fazer sexo com a esposa de outro homem porque a Bíblia diz que ele deveria fazê-lo. E se diz prontinho para fazer esse grande sacrifício...

Eu poderia encher muitas e muitas páginas com exemplos como esses. Usando a Bíblia, milhares de denominações ditas "evangélicas" espalhadas pelo mundo se contradizem, e cada uma prega uma doutrina completamente diferente da outra. Umas ensinam que o divórcio é lícito, outras dizem que não, umas ensinam que sem o batismo ninguém se salva, outras dizem o contrário, umas pregam a famigerada teologia da prosperidade, outras a condenam com veemência; umas aceitam relações homossexuais, e tem até igreja de "pastores gays", com cerimônia de casamento própria (veja aqui). Por tudo isso é que a Bíblia também afirma claramente: "Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal" (2Pd 1,20).

Estas palavras tão explícitas, diretas, categóricas, deveriam ser pintadas em letras garrafais nas fachadas de todas as "igrejas evangélicas" do mundo: "ANTES DE TUDO, SABEI QUE NENHUMA PROFECIA DA ESCRITURA É DE INTERPRETAÇÃO PESSOAL!" Alguém deveria entrar no meio dos cultos com um megafone na mão, gritando a plenos pulmões: "ANTES DE TUDO, SABEI QUE NENHUMA PROFECIA DA ESCRITURA É DE INTERPRETAÇÃO PESSOAL!"...

Não falo como desrespeito, nem por algum sentimento ruim, mas porque não me conformo com o grau de alienação das pessoas que colocam o Livro (Bíblia) acima do próprio Autor do Livro (a Igreja, que é o Corpo de Cristo, inspirada pelo Espírito Santo).

Mas por que estou me demorando tanto nesta questão, demonstrando a facilidade com que se usa a Bíblia para justificar os maiores absurdos teológicos? Porque, sem saber, Felipe, você está seguindo o mesmo caminho. Seguindo a mesma linha de raciocínio, você argumenta que algo que Davi fazia, nós também podemos, e até devemos fazer. Afinal, está na Bíblia... Dizer o contrário é "antibíblico"... Bem, se você é realmente um “católico fervoroso”, como se declara, deveria saber que essa não é e nem nunca foi a postura católica. Nós não nos orientamos exclusivamente naquilo que está literalmente escrito na Bíblia, para saber o que convém e o que não convém, o que é certo e o que é errado. Isso é heresia! Quem começou com essa história foi Lutero, com a sua tese do "livre exame das Escrituras", segundo a qual qualquer pessoa pode ler e interpretar a Bíblia por conta própria, sem a orientação do Magistério da Igreja. O resultado aí está: os falsos profetas fizeram a festa! Sim, reduzir o cristianismo a "religião do livro" gera o caos, e este é um fato que todo católico deve saber de cor.

2) Os atos do Rei Davi servem de exemplo para os cristãos?

Além de tudo, se nós fôssemos hoje fazer o que fazia o Rei Davi, como você propõe... Puxa vida! O que seria de nós? Você por acaso já leu o Antigo Testamento? A grande verdade é que a vida de Davi não serve de exemplo para cristão algum, muito pelo contrário. A Bíblia mostra claramente como era a conduta do rei Davi. Entre muitas outras “peripécias”, ele mandou matar Recabe e Baaná, mandou cortar suas mãos e seus pés e pendurar seus corpos sobre um tanque (2Sm 4,12). Ele também matou mais de 40.000 sírios (2Sm 10,18), 22.000 arameus (2Sm 8,5) e 18.000 edomitas no vale do sal (2Sm II 8,13), fazendo dos sobreviventes escravos. Davi mutilava até os cavalos dos seus inimigos, cortando-lhes os tendões (2Sm II 8,4). Davi cobiçou a esposa de Urias, que era seu servo fiel, e adulterou com ela. Depois armou um plano maquiavélico para matar Urias de forma que pudesse ficar com a sua esposa.

Tudo isso fez Davi. Será que devemos fazer tudo o que ele fez?

Evidente que tudo o que expus acima se enquadra num contexto muito específico, numa cultura e num tempo histórico completamente diferente do nosso, e que Davi, mesmo errando, pecando, caindo, nunca abandonou Deus, nunca deixou de pedir a Deus, de cantar o Amor divino e confiar nEle. O Antigo Testamento não é como um romance, um livro de histórias para qualquer pessoa ler, sem orientação, sem a correta compreensão dos seus sentidos e significados. Acima de tudo, todos os atos de Davi pertencem a um tempo passado, o tempo da Antiga Aliança. Na história da sua vida podemos ver claramente o desenrolar da aventura humana, com as fraquezas e forças que permeiam a nossa vida, com seus momentos de alegria, de dor, de fidelidade e de queda.

O nome de Davi é citado em vários livros da Bíblia, mas é importante ressaltar que o ponto mais importante da sua história é a profecia de Natã, de que o Trono de Jerusalém sempre seria ocupado por um messias (rei ungido) da família de Davi. Esta profecia teve seu pleno cumprimento em Jesus, o Cristo, Messias Rei dos reis. Os Evangelhos, ao apresentarem Jesus como descendente de Davi, mostram que ele é o Messias esperado, que veio ao mundo para resgatar todos os homens.

Mas nada disso muda o fato de que Davi acertou e errou. Insisto, então, na pergunta: Devemos fazer tudo o que ele fez? O fato de a Bíblia citar algum gesto seu serve como atestado de que todo o povo cristão deve fazer o mesmo? A resposta é não.


3) A Igreja Católica

O mais importante, para todo católico, é compreender a importância fundamental da Igreja, que segundo a própria Bíblia, “é a Casa do Deus Vivo, a coluna e o sustentáculo da Verdade” (1Tm 3,15). No sentido bíblico do NT, a Igreja é a Morada e também a Família de Deus (cf. Nm12,7; Hb 3,6; 10,21; 1Pd 4,17), e a fortaleza em que foi depositada e em que se conserva solidamente o Evangelho que salva. Entende isto?

É esta mesma Igreja que você acusa de ser "atrasada" e "antibíblica"! Você diz: “não posso nem dizer que isso é um atraso, isso é antibíblico!”. Então você cita o Salmo 150 para confrontar o Magistério e a Tradição da Igreja. Fica nítido que você se declara católico, mas age como protestante. Daí para dizer que a Bíblia não fala em Papa, não fala na intercessão dos Santos, não fala que Maria é Nossa Senhora... é só mais um passo. De fato, a Bíblia não fala nada disso, pelo menos não literalmente. Mas todos esses fatos estão implícitos na Escritura, para todo aquele que é realmente cristão, e não um mero seguidor da “religião do livro”.

Se o Salmo, segundo o seu ponto de vista, atesta que na Missa vale bater palmas, dançar e tocar todo tipo de instrumentos, eu apresento para você o capítulo 14 da Carta aos Coríntios, que São Paulo Apóstolo encerra dizendo que tudo, no culto a Deus, deve ser feito com decoro e decência (1Cor 14,40).

Não preciso dizer que a passagem que eu citei é infinitamente mais adequada para o assunto que estamos discutindo do que o Salmo, pois os salmos foram produzidos muitos séculos antes de Cristo (alguns deles são provavelmente anteriores a 1700 aC), num determinado contexto histórico, por uma cultura específica e para um povo de características muito próprias. Já a carta de São Paulo ambienta-se na realidade do cristianismo nascente, trata especificamente das reuniões da Igreja, das práticas, do culto a Deus e dos carismas de uma comunidade cristã.

Como mostrei antes, se você apresenta um passagem da Bíblia para me provar uma coisa, eu sempre posso apresentar uma outra para provar o contrário. Portanto, não é baseado exclusivamente num trecho da Bíblia que nos posicionamos contra as palmas, danças, batucadas e "invencionices" na Santa Missa. É porque a Igreja, Corpo de Cristo, Esposa do Espírito Santo, Coluna e Sustentáculo da Verdade, autora e doadora da Bíblia Sagrada Cristã e fiel depositária das Verdades do Evangelho, assim nos orienta.




4) A Santa Missa: Renovação do Sacrifício do Calvário

Da mesma maneira a Bíblia não diz, ipsis literis, isto é, não diz literalmente, que a Missa deve ser celebrada com respeito, embora o faça implicitamente. Mas a Igreja diz literalmente o que é óbvio, já que a Celebração Eucarística é a Renovação do Sacrifício de Nosso Senhor, e isso não é a nossa opinião, mas está na própria Escritura em todos os documentos oficiais da Igreja a esse respeito: "Todas as vezes que comerdes deste Pão e beberdes deste Cálice, anunciareis a Morte do Senhor, até que Ele venha" (I Cor 11, 26).

O novo Missal Romano de João Paulo II declara: "A doutrina sacrifical da Missa, solenemente afirmada pelo Concílio de Trento, de acordo com toda a Tradição da Igreja, foi professada de novo pelo Concílio Vaticano II, que emitiu, a respeito da Missa, estas palavras significativas: 'Nosso Salvador, na última Ceia (...) instituiu o Sacrifício Eucarístico de seu Corpo e de seu Sangue para perpetuar o Sacrifício da Cruz ao longo dos séculos, até que ele venha e, além disso, para confiar à Igreja, sua esposa bem amada, o memorial de sua Morte e Ressurreição."

"A regra de oração (Lex Orandi) da Igreja corresponde à sua constante regra de Fé (Lex Credendi); esta nos adverte que há identidade entre o Sacrifício da Cruz e sua Renovação Sacramental na Missa que Cristo Senhor instituiu na última ceia, e que ele ordenou a seus Apóstolos de fazer em sua memória; e que, por consequência, a Missa é sempre conjuntamente um Sacrifício de louvor, de ação de graças, de propiciação e de satisfação." (Apresentação Geral do Missal Romano de João Paulo II nº 2).

A Missa é o Sacrifício de Jesus na Cruz! Eis a questão. Você está vendo a Missa como uma "festinha", um encontro de irmãos para louvar o Senhor, e nada mais. Esta sua compreensão está completamente equivocada, e você precisa rever isso com urgência!

A Missa é a renovação incruenta da morte horrenda que Nosso Senhor enfrentou por amor a todos nós! Agora me responda: como é que eu posso me portar respeitosamente diante da Celebração deste tão grande Sacrifício batendo palmas, dançando, berrando, batucando, seguindo coreografias ao som de instrumentos como guitarras e baterias tocadas no volume máximo?

Você sabe o que é um diálogo? É uma troca de mensagens entre duas pessoas. Por isso é que se chama diálogo: eu falo e escuto. Quando o meu interlocutor sabe mais do que eu, quando ele é maior do que eu intelectualmente ou espiritualmente, o ideal é que eu fale menos e escute mais, porque é ele quem tem mais a me dizer. Se eu falo o tempo todo, se só eu me expresso e não faço uma pausa, não faço silêncio para ouvir o que meu interlocutor tem a me dizer, eu apenas desabafo, "jogo para fora" meus pensamentos, fantasias e ansiedades, mas não aprendo nada, não cresço nada, não ganho nada.

Na Missa, o diálogo é com Deus. Imagine estar diante de Deus e não fazer silêncio para ouvir a Mensagem divina, mas ficar o tempo todo pulando e cantando, só eu sendo o centro de mim mesmo, não dando espaço nem tempo para o Criador. Que desperdício... Que tolice!




5) Há espaço e tempo para tudo na relação com Deus

Até agora eu banquei o "chato". Fui crítico e pareci "azedo": você deve estar me imaginando como um velho amargo, eu sei. Você deve ser um jovem cheio de sonhos, cheio de energia e vontade de gritar bem alto o seu amor a Deus, a sua vontade de encontrá-lo, de estar perto dEle, de receber a sua Graça... Você quer a vida eterna e quer ser feliz agora, já! Você acha cansativa a celebração da Santa Missa à maneira tradicional, você vê aquela seriedade toda como uma coisa antiga, ultrapassada... Como você disse, "um atraso". Por quê não se expressar com alegria, com júbilo, livremente?

A última parte da sua mensagem é especialmente interessante: "Se o melhor que a pessoa pode dar é o rap, Ele (Deus) aceita o rap, se o melhor que a pessoa pode dar é o rock, Ele aceita o rock, se o melhor que a pessoa pode dar é palmas, Ele aceita as palmas, se o melhor da pessoa é a dança, Ele aceita a dança. Não consigo me conformar com essa ideia de que barulho atrapalha. Deus criou o barulho, Ele também gosta do barulho"...

Bem, Deus criou todas coisas boas, mas para tudo há um momento certo. Deus criou o sexo, que por certo é uma coisa boa; tão boa que é por meio dele que realizamos a continuação da humanidade. Mas Deus também determinou que nós não devemos fazer sexo com qualquer pessoa, não é? Existem certas condições para usufruirmos desta grande benção divina. Mesmo o sexo sendo criação de Deus, nós não vamos fazer sexo na igreja. Ou será que você acha que Deus aceitaria isso, também?

Deus criou a música, mas é fácil perceber que nem todas as músicas são adequadas no culto a Deus. Nem todo tipo de música se enquadra naquilo que a Bíblia e a Igreja recomendam: que o culto a Deus seja prestado, como disse o Apóstolo São Paulo, com decoro e decência.

Vejamos o ritmo que a juventude do Brasil (lamentavelmente) elegeu como favorito nos dias atuais: o famigerado funk carioca. Já para começar a discutir, precisamos reconhecer que é no mínimo controverso chamar aquilo de música. Bach, Mozart e Beethoven devem tremer no túmulo cada vez que se fala que o funk é música...

Brincadeiras à parte, não estou questionando esse... hã... ritmo enquanto expressão cultural. Mas aqueles que gostam, nem que seja por puro bom senso, precisam reconhecer que esse tipo de barulho não se presta ao louvor a Deus.

Para louvar a Deus precisamos de um tipo de música que facilite a contemplação, a elevação da alma, a oração, o amor puro e santo. Aí você poderá me responder: "mas eu consigo elevar o pensamento a Deus ouvindo funk, rap ou forró". E aí eu lhe respondo: se você consegue fazer isso, ótimo, mas você tem a obrigação cristã de compreender que nem todos tem essa mesma capacidade. Posso lhe garantir que a maioria dos seres humanos se relaciona melhor com Deus com um tipo de música mais calma, introspectiva. A igreja do Mosteiro de São Bento de São Paulo, todos os domingos, fica lotada de pessoas que vem de muito longe, que se dispõem, em pleno domingo, a ir até o centro para ver a Missa celebrada na forma tradicional, com o canto gregoriano, que é sagrado, que tem uma longa história, que foi apreciado por praticamente todos os santos e santas que conhecemos.

A ciência diz que, biologicamente, nenhum ser humano saudável é capaz de permanecer indiferente a qualquer tipo de música, sabia disso? Por causa disso, quem gosta de "barulho", como você diz, deve no mínimo ter consideração e respeitar os que não gostam, os que se incomodam. A Missa não é momento para ninguém impor seus gostos pessoais sobre as outras pessoas, mas sim de comunhão, de fraternidade, de compartilharem todos de um mesmo sentimento. E esse sentimento é de adoração, de respeito profundo. Determinados tipos de música, por si mesmos, são inadequados para a Celebração Eucarística, porque levam o espírito humano a um estado que não é compatível com o seu significado e o seu sentido. O forró pode ser muito bom para quem gosta, seja numa festa junina, num baile, numa situação específica. O mesmo vale para o sertanejo, o samba, o rock, o rap... Não afirmo que só serve o canto gregoriano, mas sim que a música na Missa precisa ser litúrgica, e na música litúrgica não vale tudo; ela tem características próprias.

Então, não é que você não possa se expressar ou se alegrar na Missa. Mas você precisa se adaptar ao que ela é, ao que ela sempre foi. Se a Igreja é santa, e ela sempre celebrou assim, então é preciso saber respeitar isso. A Igreja não segue os modismos do mundo; ela está acima do mundo. Quando você entra na Igreja, deve deixar o mundo para trás, esquecer de si mesmo e buscar o Céu. O Santo Sacrifício não é um show, uma reunião social, uma festa de confraternização. Seja humilde, deixe seus gostos e preferências pessoais de fora e adapte-se à santidade e a reverência deste momento, e aí você compreenderá.

[...]

Os problemas começam quando tentam-se impor os usos e costumes dos grupos de oração carismáticos na celebração da Santa Missa. [...]

6) Resumo de tudo o que foi dito

a) A Sola Scriptura, doutrina segundo a qual a Bíblia é a única regra de fé e prática para o cristão, é totalmente antibíblica e anticatólica. Nenhum católico pode justificar pontos de vista contrários à doutrina da Igreja usando de passagens bíblicas isoladas, interpretadas de modo particular.

b) Logo, não é porque algum personagem bíblico fez ou disse alguma coisa, que isso sirva de regra para quem quer que seja.

c) A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, do qual o Senhor mesmo é a Cabeça. A Igreja é a Esposa do Espírito Santo, é a Coluna e o Sustentáculo da Verdade, e a própria Escritura atesta todas estas verdades. A Igreja é a autora e a doadora da Bíblia Sagrada Cristã e fiel depositária das Verdades do Evangelho; assim nos conduz e orienta no Caminho, que é Cristo. É pela Igreja que recebemos a salvação e o Espírito Santo, por meio dos Sacramentos que ela nos ministra. Todo católico tem a Santa Igreja por mãe e mestra, pois a sua orientação é sempre segura, independentemente dos erros de padres, bispos ou mesmo de papas, sujeitos ao erro (o papa só é infalível quando se pronuncia nas condições Ex-cathedra.- veja aqui - abaixo).

d) A Santa Missa não é somente um encontro de irmãos para louvar a Deus. É infinitamente mais do que isso; a Celebração Eucarística é a Renovação do Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz do Calvário. Por isso é que nesse momento não cabem palmas, danças, músicas excessivamente alegres, dançantes, nem gestos de euforia.

e) Se eu me sinto bem pulando, berrando e dançando no louvor a Deus, em primeiro lugar preciso ter consciência de que a Missa não é lugar para isso, nem que seja por respeito aos meus irmãos que não compartilham das mesmas preferências.

Fonte: http://vozdaigreja.blogspot.com.br/2003/05/palmas-danca-e-euforia-na-santa-missa-o.html

A infalibilidade papal: o Papa é infalível? Quando? Como?

A doutrina da infalibilidade do Papa foi definida no 4º capítulo da 4ª sessão do Concílio Vaticano I (1869 - 1870), durante o pontificado de Pio IX. Ouvimos, porém, muitos questionamentos a esse respeito, de pessoas que pensam que os católicos acreditam que o Papa seja isento de qualquer erro ou pecado, sendo ele um homem falho e imperfeito. Alguns polemizam a respeito dessa questão por puro desconhecimento da doutrina (talvez alguma preguiça de aprender?), mas me parece que a maioria o faz por má fé. Por ser uma tema muito importante, é necessário que os católicos entendam definitivamente este assunto, para que possam também elucidar a outros quando tiverem oportunidade.

Em primeiro lugar, a doutrina da infalibilidade não, NÃO diz que o Sumo Pontífice é um homem perfeito, que nunca erra e não peca, por ser Papa. O que a doutrina da infalibilidade do Papa afirma é que o Papa é infalível quando fala nas condições "Ex Cathedra".

O que significa isto? Ex Cathedra (do latim) quer dizer, literalmente, "da Cadeira" ou "do Trono". Quer dizer que o Papa é infalível quando se pronuncia a partir do Trono de Pedro, como Sumo Pontífice, isto é, como líder e condutor de toda a Igreja, nas seguintes condições:

1) Quando se pronuncia como sucessor de Pedro, usando o poder das Chaves concedidas ao Apóstolo pelo próprio Cristo (Mt 16, 19);

2) Quando o objeto do seu ensinamento é a moral, fé ou os costumes;

3) Quando ensina à Igreja inteira;

4) Quando é manifesta a intenção de dar decisão dogmática e não simples advertência, declarando anátema que se ensine tese oposta.

Em resumo, o Papa é infalível quando se dirige, como Papa e sucessor do Apóstolo Pedro, que ele é, a toda a Igreja; quando o objeto de seu pronunciamento é a moral, a fé e/ou os costumes; e quando define que dará uma decisão dogmática.

Em outras palavras, o Papa é passível de falhas fora das condições descritas acima. Fica esclarecido, portanto, que nós, católicos, não cremos que o Papa é um ser humano perfeito, que nunca erra nem peca. Mesmo assim, alguns continuam achando absurdo pensar que o Papa é infalível quando instrui a Igreja a respeito de doutrina. O que você acha disso?

Se somos cristãos, não, isso não é nenhum absurdo, pelo contrário. Para quem tem fé, absurdo seria pensar que o Papa, sucessor de Pedro e pastor maior da Igreja, aquele que comanda toda uma imensa nação de fiéis que constituem o Corpo Místico de Cristo no mundo, fosse falho enquanto líder, pois nesse caso seria totalmente incapaz de assumir a missão de orientar e conduzir a Igreja!

Se o líder máximo da cristandade não fosse infalível enquanto condutor da Igreja, não poderíamos crer em Igreja, nem nos Evangelhos, nem mesmo em Jesus Cristo, que prometeu que estaria com a sua Igreja até o fim do mundo. - A infalibilidade é lógica, óbvia e consta explicitamente nas Sagradas Escrituras:

"Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo." (Jesus Cristo à sua Igreja, no Evangelho segundo S. Mateus, 28, 19-20)

Nosso Senhor afirma aos Apóstolos que estará com a Igreja até o fim do mundo. Isto demonstra que os Apóstolos, e não só os primeiros, mas também os seus sucessores, escolhidos pelos próprios Apóstolos (como vemos no livro de Atos), estão ainda hoje conduzindo a humanidade sob a Assistência do Espírito Santo e de Nosso Senhor Jesus Cristo, que garantiu a infalibilidade da doutrina dos Apóstolos:

"Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai; permanecei até que sejais revestidos da Força do Alto." (Lc 24, 49)

"O Espírito da Verdade o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o conheceis, porque permanecerá convosco e estará em vós." - "O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo que vos tenho dito." (Jo 14, 17.26)

Note a afirmação: "O Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece..." - Isto é, cabe aos Apóstolos ensinar a doutrina verdadeira e autenticamente inspirada por Deus. - Então, não basta cada um ler a Bíblia, é preciso seguir a orientação da Igreja, que por sua vez é guiada pelo Papa, sob a Luz do Santo Espírito.

Jesus Cristo enviou seus Apóstolos a propagar à toda a humanidade o Caminho até o Pai. Portanto, se cremos em Jesus Cristo e nos Evangelhos, temos que crer também que os Apóstolos são infalíveis em seus ensinamentos, pois Cristo mesmo afirmou categoricamente que estaria com eles até o fim do mundo, para que cumprissem a missão de levar o Evangelho "até os confins do mundo": "Descerá sobre vós o Espírito Santo, e vos dará o poder; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia, Samaria e até os confins do mundo" (At 1, 8).

A própria entrega das Chaves do Reino dos Céus a Pedro, com a promessa de que o Inferno não prevaleceria sobre a Igreja, juntamente com o poder dado a ele, Pedro, diretamente por Jesus Cristo: "O que ligares na Terra será ligado nos Céus, e o que desligares na Terra será desligado nos Céus" (Mt 16, 18-19), é a afirmação clara, direta e inquestionável da infalibilidade daquele que comanda a Igreja. Pois, se Nosso Senhor disse aos Apóstolos que deveriam ensinar o Evangelho à humanidade e que estaria com eles até o fim do mundo, então, pela Providência Divina, esta Igreja não poderia ensinar senão a verdadeira Doutrina, o Caminho certo até o Pai. A confirmação definitiva consta em Lucas 22, 31, quando o Senhor Jesus Cristo fala a Simão Pedro:

"Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por sua vez, confirma os teus irmãos."

Não há dúvida quanto a autoridade e infalibilidade da Igreja de Jesus Cristo enquanto "Coluna e Fundamento da Verdade" e "Casa do Deus Vivo" (1Tm 3,15) na Terra. - Sabemos bem que Padres, Bispos e Papas estão sujeitos ao pecado, como qualquer ser humano. Porém, se cremos em Cristo e na Bíblia Sagrada, devemos crer que o Papa, enquanto condutor máximo da Igreja no mundo, é infalível quando guia a Igreja; nessa função, ele faz uso das Chaves que foram entregues por Cristo a S. Pedro: ele não é infalível por si mesmo, mas é assistido pelo Espírito Santo.

Porém, como a criatividade humana não tem limites, os inimigos da Igreja nunca deixam de tentar contestar até mesmo as verdades mais simples da Teologia. Desesperados em sua tentativa de negar o óbvio, apelam para todo tipo de insanidade: já ouvimos dizer até que Pedro teria perdido a sua autoridade ao ter negado Nosso Senhor por três vezes(!). O mais curioso é que as pessoas que inventam esses desvarios são aquelas que se colocam como conhecedoras das Sagradas Escrituras! Incrível que nunca tenham lido aquilo que Jesus Cristo mesmo diz a Pedro no Evangelho segundo João, depois da crucificação e da negação de Pedro:

"Após a ceia, Jesus perguntou a Simão Pedro: 'Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?' Respondeu ele: 'Sim, Senhor, tu sabes que te amo.' Disse-lhe Jesus: 'Apascenta os meus cordeiros.' Perguntou-lhe outra vez: 'Simão, filho de João, amas-me?' Respondeu-lhe Pedro: 'Sim, Senhor, tu sabes que te amo.' Disse-lhe Jesus: 'Apascenta os meus cordeiros.' Perguntou-lhe pela terceira pela vez: 'Simão, filho de João, amas-me?' Pedro entristeceu-se por que o Senhor perguntou pela terceira vez: 'Amas-me?', e respondeu-lhe: 'Senhor, sabes tudo, e sabes que te amo.' Disse-lhe Jesus: 'Apascenta as minhas ovelhas.'" (João 21, 15-17)

Jesus Cristo, Deus, sabe tudo. Por certo sabia das contestações que surgiriam, no correr da história, a respeito da autoridade e da infalibilidade do Papa. Por isso, fez questão de repetir por três vezes que estava entregando a Ele, Pedro, a missão de cuidar do seu rebanho, a Igreja, neste mundo.

Não. O Papa não é infalível enquanto homem. Trata-se de um ser humano que dedicou e consagrou toda a sua vida, - literalmente toda a sua vida, - ao serviço de Deus e da Igreja. Mesmo assim, isso não significa necessariamente ser santo, pois, como foi visto, até mesmo S. Pedro, que conviveu diretamente com o Senhor e foi o primeiro líder da Igreja (embora não fosse chamado 'Papa' naquela época, ele sem dúvida o era), era falho e pecou ao negá-lo. Até mesmo após a Ascensão do Senhor ao Céu, Pedro, que sempre manteve o seu livre arbítrio, parece ter se equivocado em questões teológicas, sendo que foi repreendido por Paulo, outro Pilar da Igreja e grande Apóstolo.

Sim, o Papa é infalível em suas funções como autoridade instituída diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo. A ele foram concedidas as Chaves do Reino de Deus, para instruir o Povo de Deus neste mundo, à frente da santa Igreja. Ele foi canonizado e morreu martirizado pelos romanos.

A única ocasião em que Deus interfere no livre-arbítrio dos Apóstolos é quando estes cumprem a missão de doutrinar as "ovelhas" de Deus, pois os seres humanos não têm condições de comunicar Deus através da sua própria ciência ou por seus próprios méritos. Assim, o fiel comum não é capaz, através de elucubrações, estudos e debates com outras pessoas, de definir um ensinamento isento de erro; mesmo os grandes teólogos não possuem essa capacidade: suas conclusões somente são aceitas quando colocadas sob apreciação do Magistério da santa Igreja, centrada na figura do Papa.

Legenda Perusiana - 96-100.

[96]

Depois da volta de Sena e de Celle de Cortona, o bem-aventurado Francisco foi para junto da igreja de Santa Maria da Porciúncula, e depois foi ficar no lugar de Bagnaria, acima de Nocera. Fazia pouco tempo que tinha construído aí uma casa para os frades, para que ali morassem. E lá ficou por muitos dias. E como seus pés, e também as pernas, já tinham começado a inchar por causa da hidropisia, começou a ficar muito doente nesse lugar. Quando as pessoas de Assis ouviram dizer que ele estava doente lá, vieram rapidamente alguns soldados de Assis àquele lugar para leva-lo para Assis, com medo de que morresse ali e outros ficassem com o seu santíssimo corpo. E aconteceu que quando o estavam levando doente, descansaram num castro do condado de Assis, querendo almoçar aí.

O bem-aventurado Francisco com seus companheiros descansou na casa de um homem que o acolheu com alegria e caridade. Mas os soldados foram pelo castro para comprar o que era necessário para seu corpo, mas não encontraram. Voltaram ao bem-aventurado Francisco dizendo-lhe, em brincadeira: “Irmão, vai ser preciso que nos d6es de tuas esmolas, porque não encontramos nada para comprar”. E o bem-aventurado Francisco disse-lhes com grande fervor de espírito: “Não encontrastes porque confiastes em vossas moscas, isto é, no dinheiro, e não em deus; mas voltai pelas casas às quais já fostes pedindo para comprar e, sem ficar envergonhados, pecai-lhes esmolas por amor de Deus, que o Espírito Santo vai inspira-los e encontrareis com abundância”. Por isso eles foram e pediram esmolas, como lhes dissera o santo pai, e aqueles homens e mulheres lhes deram abundantemente, de tudo que tinham, divertindo-se a valer.

E e voltaram muito alegres ao bem-aventurado Francisco contando-lhe o que tinha acontecido. E tiveram isso por um grande milagre, considerando que na verdade aconteceu à letra o que lhes tinha predito. Pois o bem-aventurado Francisco tinha como a maior nobreza, dignidade e cortesia segundo deus e também segundo este século, pedir esmolas por amor de Deus. Porque tudo que o Pai celeste criou foi para a utilidade do homem, por amor do seu dileto filho, e continua a concede-lo de graça e por esmola depois do pecado, aos dignos e indignos, por amor de seu dileto Filho. Por isso o bem-aventurado Francisco dizia que o servo de Deus deve ir pedir esmolas por amor de deus como mais liberdade do que uma pessoa que, por sua cortesia e liberalidade, querendo comprar alguma coisa, saísse dizendo: “A quem me der tal moeda, darei cem marcos de prata, e até mil vezes mais: porque o servo de Deus oferece o amor de Deus que é merecido pela pessoa que dá esmolas, em cuja comparação tudo que existe neste século e também o que há no céu não é nada”.

Por isso, antes que os frades se tivessem multiplicado [e mesmo depois que se multiplicaram], quando o bem-aventurado Francisco ia pregando pelo mundo, se alguma pessoa nobre e rica com devoção insistisse com ele para comer em sua casa e lá hospedar-se, porque em muitas cidades e castros em que ia pregar ainda não havia lugares dos frades, no seu tempo, ainda que soubesse que a pessoa que o estava convidando tinha preparado abundantemente tudo que é necessário ao corpo por amor do Senhor Deus, ele, para dar bom exemplo aos frades e pela nobreza e dignidade da senhora pobreza, na hora da refeição ia pedir esmolas.

E algumas vezes dizia aos que o tinham convidado: “Eu não quero deixar a minha dignidade real, a herança, a vocação e a minha profissão e dos frades menores. Isso quer dizer ir pedir esmolas, mesmo que não traga mais do que três esmolas, porque quero exercer o meu ofício”. E ia pedir esmolas contra a vontade de quem convidara, que saía com ele, e recebia as esmolas que o bem-aventurado Francisco conseguia e, por devoção a ele, guardava-as como relíquia. Quem escreveu viu isso muitas vezes, e deu testemunho.



[97]

Pois até, certa vez, quando foi visitar o senhor bispo de Hóstia, que depois foi papa, saiu como que furtivamente, por causa do senhor bispo, na hora da refeição, e foi pedir esmolas. Quando voltou, o senhor bispo estava sentado à mesa e comia, principalmente porque tinha alguns cavaleiros seus consangüíneos para o almoço.

O bem-aventurado Francisco pôs as esmolas em cima da mesa do senhor bispo, e foi ficar na mesa junto do senhor bispo, porque o senhor bispo sempre queria que, quando o bem-aventurado Francisco estivesse em sua casa na hora da refeição, senta-se ao seu lado. E o senhor bispo ficou um pouco envergonhado por isso,, porque Francisco tinha isso pedir esmolas, mas não disse nada, principalmente por causa dos convidados. Depois de ter comido um pouco, o bem-aventurado Francisco pegou suas esmolas e deu, da parte do Senhor Deus, um pouco para cada cavaleiro ou capelão do senhor bispo. Todos receberam igualmente com muita devoção: alguns comeram, outros guardaram por devoção para com ele. Até tiravam seus chapéus por devoção a São Francisco quando recebiam as esmolas.

O senhor bispo ficou contente pela devoção deles, principalmente porque aquelas esmolas não eram de pão de trigo. Depois da refeição, o bispo levantou-se e entrou em sua sala, levando consigo o bem-aventurado Francisco, e levantando os braços abraçou o bem-aventurado Francisco por causa da enorme alegria e exultação, dizendo-lhe: “Por que, meu irmão simplório, me fizeste passar essa vergonha de ir pedir esmola na minha casa, que é a casa dos teus frades? Respondeu-lhe o bem-aventurado Francisco: “Ao contrário, senhor, eu vos prestei uma grande honra, porque quando um súdito exerce e cumpre seu ofício e a obediência ao seu senhor, honra ao seu senhor e aos seu prelado”. E disse-lhe: “Eu tenho que ser a forma e o exemplo de vossos pobres, principalmente porque sei que na vida e na Religião dos frades há e haverá frades menores de nome e de fato, que pelo amor do Senhor Deus e pela unção do Espírito Santo, que os ensina e há de ensina-lo ssobre tudo, vão se humilhar m toda humildade, submissão e serviço de seus irmãos.

Também há e haverá daqueles que, ou detidos pela vergonha e por causa do mau exemplo acham e acharão indigno humilhar-se e rebaixar-se para ir pedir esmolas e fazer esse tipo de obras servis. Por isso é preciso que eu ensine por obra os que estão e estarão na Religião, para que não possam desculpar-se nem neste século nem no futuro diante de Deus”. Estando, pois, junto de vós, que sois nosso senhor e apostólico, e junto de magnatas e ricos segundo o século, que por amor do Senhor Deus não só me recebem com tanta devoção em suas casas mas até me obrigam a ficar com eles, não quero ter vergonha de ir pedir esmolas. Até quero ter e manter segundo deus como uma grande nobreza, dignidade real e honra daquele sumo rei que, mesmo sendo o senhor de tudo, por nós quis fazer-se o servo de todos. E sendo rico e glorioso em sua majestade, veio pobre e desprezado em nossa humanidade.

Por isso quero que saibam os meus frades atuais e futuros que acho que é a maior consolação da alma e do corpo quando me assento à mesa pobrezinha dos frades, e vejo na minha frente as esmolas pobrezinhas que ganham de porta em porta por amor do Senhor Deus, mais do que quando me assento à vossa mesa ou dos outros senhores, preparada com abundância de todos os pratos, ainda que me estejam fazendo essa oferta com muita devoção. Porque o pão da esmola é um pão santo, santificado pelo louvor e pelo amor de deus, porque quando um frade vai pedir esmola deve dizer primeiro: Louvado e bendito seja o Senhor Deus, e depois deve dizer: Dai-nos esmolas por amor do Senhor Deus”.

E o senhor bispo ficou muito edificado com essa refeição de palavras do santo pai. E lhe disse: Filho, faz o que é bom aos teus olhos, porque o Senhor está contigo, e tu com Ele”. Pois era vontade do bem-aventurado Francisco, e ele disse isso muitas vezes, que um frade não devia passar muito tempo sem ir pedir esmolas, para que depois não ficassem envergonhado de ir. Até, quanto mais nobre e grande tivesse sido o frade no século, tanto mais ficava edificado e contente quando ia pedir esmolas e fazer esse tipo de obras servis, por causa do bom exemplo. Porque era assim que se fazia no tempo antigo.

Por isso, no começo da Religião, quando os frades moravam em Rivotorto, havia um frade entre eles que orava pouco, não trabalhava e não queria ir pedir esmolas, porque ficava com vergonha; mas comia bem. Por isso, levando em conta essas coisas, o bem-aventurado Francisco soube pelo Espírito Santo que se tratava de um homem carnal. Donde lhe disse; “Vá pelo teu caminho, irmão mosca, porque queres comer o trabalho de teus irmãos, e queres ser ocioso na obra de Deus, como o irmão zangão, que não quer produzir e trabalhar e come o trabalho e o lucro das boas abelhas”. E assim ele foi pelo seu caminho; e como era carnal, não implorou misericórdia.



[98]

Em outra ocasião, junto à igreja de Santa Maria da Porciúncula, um homem espiritual voltava um dia de Assis com esmolas, quando lá estava o bem-aventurado Francisco. Quando vinha chegando pelo caminho perto da igreja, começou a louvar a Deus em voz alta, com muita alegria. Ouvindo-o, o bem-aventurado Francisco saiu para fora imediatamente, foi encontra-lo no caminho e com grande alegria beijou seu ombro, em que carregava a sacola com as esmolas. Tomando a sacola de seu ombro, colocou-a nas próprias costas e carregou-a para a casa dos frades, diante dos quais disse: “Assim quero que um irmão meu vá e volte contente e alegre pela esmola”.



[99]

Quando o bem-aventurado Francisco jazia muito doente no palácio do bispado de Assis, naqueles dias em que tinha voltado de Bagnara, temendo que o santo morresse de noite, sem que eles soubessem, e os frades levassem ocultamente o santo corpo para coloca-lo em outra cidade, os habitantes de Assis estabeleceram que todas as noites ele fosse guardado diligentemente por homens por fora do muro ao redor do palácio. O bem-aventurado Francisco, embora estivesse muito doente, para consolar seu espírito, para que alguma vez não desfalecesse por suas grandes e variadas numerosas enfermidades, fazia com que seus companheiros cantassem muitas vezes, de dia, os Louvores do Senhor, que ele mesmo compusera muito tempo antes em sua enfermidade.

De maneira semelhante também de noite, principalmente para a edificação daqueles guardas que vigiavam durante a noite, fora do palácio, por causa dele. Como Frei Elias estivesse achando que o bem-aventurado Francisco estava se confortando e alegrando tanto no Senhor, no meio de tão grande doença, disse-lhe um dia: “Caríssimo irmão, estou muito consolado e edificado com toda essa alegria que demonstras por ti e por teus companheiros em tão grande aflição e doença; mas, embora as pessoas desta cidade te venerem como santo, na vida e na morte, como acreditam firmemente que vais morrer logo por causa de tua grande e incurável doença, ouvindo cantar esses Louvores podem pensar ou dizer dentro de si: “Como demonstra tanta alegria esse que está perto da morte? Pois deveria pensar na morte”. Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: “Tu te lembras de quando tiveste uma visão em Foligno e me contaste que alguém te disse que eu não deveria viver mais do que dois anos?

Antes que tivesses aquela visão, pela graça do Espírito Santo, que sugere todo bem no coração e o coloca na boca de seus fiéis, muitas vezes, de dia e de noite, eu considerava o meu fim. Mas, desde aquela hora em que tiveste a visão, fui todos os dias mais solícito em considerar o dia da morte”. E disse com grande fervor de espírito: “Irmão, deixa que eu me alegre no Senhor e em seus louvores, no meio de minhas doenças. Porque, com a cooperação da graça do Espírito Santo, estou tão unido e e íntimo com o meu senhor, que por sua misericórdia bem que posso me alegrar no Altíssimo”.



[100]

Outra vez, naqueles dias, um médico chamado Bom João, da cidade de Arezzo, conhecido e amigo do bem-aventurado Francisco, visitou-o no mesmo palácio. O bem-aventurado Francisco interrogou-o sobre sua doença, dizendo: “Que te parece, irmão João, sobre esta minha doença da hidropisia?”.

Pois o bem-aventurado Francisco não queria chamar ninguém de Bom, nem que tivesse esse nome, por reverência ao Senhor, que disse: “Ninguém é bom a não ser Deus (cfr. Lc 18,19). De maneira semelhante não queria chamar ninguém de pai ou mestre, nem o escrevia nas cartas, por reverência ao senhor que disse: E não queirais chamar a ninguém de pai nesta terra, nem vos chameis de mestres (cfr. Mt 23,9.10) etc. Disse-lhe o médico: “Irmão, tu estarás bem, pela graça do Senhor”.

Pois não queria dizer que ele ia morrer logo. O bem-aventurado Francisco disse-lhe outra vez: “Diz-me a verdade: que te parece”. Não tenhas medo, porque pela graça de Deus eu não sou covarde, para ficar com medo da morte, pois, com a ajuda de Deus, pro sua misericórdia e graça, estou tão ligado e unido com o meu Senhor, que estão tão contente com a morte como com a vida, e ao contrário.”. Então o médico disse abertamente: “Pai, de acordo com a nossa física, tua doença é incurável e ou no fim do mês de setembro ou no dia de outubro, vais morrer”.

O bem-aventurado Francisco, que estava deitado na cama, doente, com a maior devoção e reverência pelo Senhor, abrindo os braços e as mãos, disse com grande alegria interior e exterior: “Seja bem-vinda, minha irmã morte!”.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Legenda Perusiana 91-95.

[91]

Outra vez, um pobrezinho veio com roupas muito pobres a um eremitério dos frades, e pediu por amor de Deus aos frades uma peça pobrezinha. O bem-aventurado Francisco disse a um irmão que procurasse pela casa para ver se achava algum pano ou pedaço para lhe dar. Rodando pela casa, o frade disse que não achou. Mas para que o pobre não voltasse sem nada, o bem-aventurado Francisco foi ocultamente, para que seu guardião não lhe proibisse, pegou uma faca e, sentando-se num lugar escondido, começou a cortar um pedaço de sua túnica, que estava costurado pelo lado de dentro, querendo dá-lo secretamente ao pobre.

Mas o guardião logo percebeu o que ele queria fazer, foi ao seu encontro e proibiu que desse, principalmente porque então estava fazendo muito frio e ele estava doente e muito resfriado. mas o bem-aventurado Francisco lhe disse: “Se não queres que lhe dê, é preciso absolutamente que se faz dar algum retalho ao pobre”. Então aqueles frades deram um pano de suas roupas, em nome do bem-aventurado Francisco.

Quando os frades lhe arranjavam uma capa, tanto quando ia pelo mundo pregando [a pé ou montado num burrico] - porque depois que começou a ficar doente não conseguia ir a pé e por isso precisava, às vezes, montar num burrico, porque a cavalo só queria montar quando houvesse uma necessidade estrita e maior, e isso pouco antes de sua morte, quando começou a ficar muito doente - ou estivesse em algum lugar, não queria recebe-la senão daquele jeito, isto é, que se encontrasse com um pobrezinho ou este fosse procura-lo, pudesse dá-la se lhe fosse manifestamente necessária e se o espírito lhe desse testemunho a respeito.



[92]

Certa ocasião, no começo da religião, quando morava em Rivotorto com os dois frades que ram os únicos que tinha naquele tempo, eis que alguém, que foi o terceiro frade, veio do século para assumir sua vida. E aconteceu que, como ficasse vestido por diversos dias com as roupas que trouxera do século, um pobrezinho veio ao lugar pedindo esmola ao bem-aventurado Francisco. O bem-aventurado disse ao que foi o terceiro frade: : Dá ao pobrezinho a tua capa”. Ele tirou na mesma hora de suas costas, com grande alegria, e deu ao pobre. Por isso pareceu-lhe que na mesma hora deus lhe havia colocado uma nova graça em seu coração nessa ocasião, pois dera a capa ao pobre com alegria.



[93]

Em outra ocasião, quando permaneciam junto à igreja de Santa Maria da Porciúncula, uma mulher, velhinha e pobrezinha, que tinha dois filhos na Religião dos frades, foi àquele lugar pedindo alguma esmola ao bem-aventurado Francisco, principalmente porque naquele ano não tinha do que poder viver. O bem-aventurado Francisco disse a Frei Pedro Cattani, que era então ministro geral: “Será que nós temos alguma coisa para dar à nossa mãe?”. Porque dizia que era mãe sua e de todos os frades da religião a que fosse mãe de algum frade. Frei Pedro respondeu-lhe: “Na casa não temos nada que possamos dar-lhe, principalmente porque ela quer uma esmola que possa ser suficiente para o que é necessário ao seu corpo. Na igreja só temos um Novo Testamento, em que lemos as leituras de matinas”.

Pois naquele tempo os frades não tinham breviários nem muitos saltérios. Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: “Dá a nossa mãe o Novo Testamento, para que o venda para a sua necessidade; creio firmemente que vai agradar mais a Deus e à bem-aventurada Virgem que se nele lesses”. E assim o deu a ela. Pois o bem-aventurado Francisco pode dizer-se o que foi dito do bem-aventurado Jô: Minha comiseração saiu e cresceu comigo desde o útero de minha mãe (cfr. Jô 31,18). Por isso, para nós que estivemos com ele, seria muito longo escrever e contar não só o que ouvimos de outros a respeito de sua caridade e piedade para com os pobres, mas também o que vimos com nossos olhos.



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No mesmo tempo, vivendo o bem-aventurado Francisco no eremitério de Sapo Francisco de Monte Colombo, aconteceu que uma certa doença dos bois, chamada vulgarmente “basabove”, da qual nenhum pode escapar, atacou os bois de Santo Elias, que fica perto do eremitério, de modo que todos eles começaram a adoecer e morrer. Mas uma noite foi dito em visão a um homem spiritual daquela vila: ”Vá ao eremitério onde mora o bem-aventurado Francisco e a água usada para lavar seus pés e mãos, jogue-a sobre os bois, e vão ficar imediatamente libertados”.

O homem levantou-se bem cedinho, foi ao eremitério e disse tudo isso aos companheiros do bem-aventurado Francisco. Eles, na hora da refeição, recolheram numa vasilha a água que tinha sido usada para ele lavar as mãos; de tarde também pediram que os deixasse lavar seus pés, sem falar nada daquele assunto. E assim deram depois ao homem a água usada para lavar as mãos e os pés do bem-aventurado Francisco; e levou e aspergiu-a como água benta sobre os bois, que estavam deitados quase mortos, e sobre todos os outros. E na mesma hora, pela graça de Deus e pelos méritos do bem-aventurado Francisco ficaram todos livres. Naquele tempo o bem-aventurado Francisco tinha cicatrizes nas mãos, nos pés e no lado.



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Nesses mesmos tempos, como o bem-aventurado Francisco estava doente da enfermidade dos olhos e por alguns dias permanecesse no palácio do bispo de Rieti, um clérigo da diocese de Rieti, chamado Gedeão, homem muito mundano, jazia doente havia muitos dias por uma enfermidade grande e com a maior dor dos rins. De tal modo que não podia se mexer nem se virar na cama sem ajuda, nem levantar-se ou andar a não ser carregado e, quando ia carregado, ia encurvado e quase dobrado por causa das dores dos rins: pois nem podia levantar-se um pouco.

Um dia fez-se levar até onde estava o bem-aventurado Francisco, lançou-se aos seus pés e pediu com muitas lágrimas que fizesse o sinal da cruz sobre ele. O bem-aventurado Francisco disse-lhe: “Como vou te fazer o sinal se vivestes outrora sempre segundo os desejos da carne, não levando em conta nem temendo os juízos de Deus? Mas vendo-o tão afligido pela grande doença e pelas dores, ficou com pena dele e lhe disse: “Eu te assinalo em nome do Senhor. Mas se aprouver ao Senhor libertar-te, toma cuidado para não voltar ao vômito, porque na verdade eu te digo que, se voltares ao vômito, virão coisas piores que as de antes e vais incorrer num juízo duríssimo, por causa de teus pecados e por ser ingrato e ignorar a bondade do Senhor”.

E quando o bem-aventurado Francisco fez o sinal da cruz sobre ele, ele se ergueu e se levantou, libertado interiormente na mesma hora. Quando se ergueu, os ossos de suas costas soaram como se alguém estivesse quebrando lenha seca. Mas como depois de alguns dias voltou ao vômito e não observou o que o Senhor lhe tinha dito por seu servo Francisco, aconteceu que um dia, quando foi jantar na casa de outro cônego, seu companheiro, e tivesse dormido lá nessa noite, caiu de repente o telhado da casa em cima de todos. Mas os outros escaparam da morte, só o coitado foi atingido e morto.

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