terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Meditações sobre o Rosário.


Meditações sobre o Santo Rosário
Introdução
Côn. Henrique Soares da Costa
Comecemos com um fato teológico surpreendente: o rosário é um dos modos de oração mais queridos pelo Povo de Deus. Está na alma, no instinto dos fiéis. Simples leigos, iletrados ou cultos, monges, religiosos missionários e religiosas de clausuras, sacerdotes, bispos e papas, uma imensa multidão de fiéis encontram no santo rosário conforto e caminho seguro de oração. Isto não pode ser fruto do acaso, mas revela uma direção na qual o Espírito que guia a Igreja e sustenta o instinto de fé do Povo de Deus, vai conduzindo os discípulos de Cristo na sua prática de piedade. Em outras palavras: na difusão da devoção do rosário certamente há uma providencial ação do Espírito de Deus.
Não é possível datar com certeza a origem do rosário nem determinar com precisão o modo como evoluiu. De modo breve e geral, sabemos que os primeiros monges do deserto, lá pelo século IV, tinham o costume de rezar orações vocais usando pedrinhas como marcadores. Em geral, rezava-se o Pai-nosso. A partir do século XII, difundiu-se o costume de rezar cento e cinqüenta Ave-Marias com cordinhas cheias de nós: era o modo que muitos iletrados encontravam para substituir a oração dos cento e cinqüenta salmos que os monges rezam nos coros das grandes abadias medievais. Depois, se uniu às Ave-Marias os Pai-nossos. Finalmente, uniu-se às orações a contemplação dos mistérios. Foram os dominicanos que, no século XIII, muitíssimo contribuíram para a difusão dessa devoção que, assim, se espalhou por toda a cristandade ocidental. A partir de 1480 iniciou-se a esquematização dos quinze mistérios como tínhamos até a pouco, quando o Servo de Deus João Paulo II introduziu os cinco mistérios luminosos.
Várias vezes, em tempos de graves perigos, provocados por guerras e heresias, foi a oração do rosário que sustentou e consolou a fé do povo de Deus. Basta pensar como os dominicanos usaram esta oração no combate à heresia cátara, no século XIII e como o povo cristão a rezou pedindo socorro contra os muçulmanos na batalha naval de Lepanto, no século XVI.O rosário é, pois, patrimônio da devoção da Igreja do Ocidente. Século após século esta foi sobretudo a oração dos pobres, dos simples, dos desvalidos, seu misterioso elo de ligação com a Igreja e com a vida espiritual e um símbolo claríssimo de identidade católica.
É importante recordar que nas várias aparições da Virgem Maria – sobretudo em Lourdes e Fátima – Nossa Senhora insistiu na reza do rosário. Esses apelos tiveram impressionante eco na Igreja: vários documentos do Magistério papal e o próprio exemplo pessoal dos Papas e dos santos apelam vivamente a essa forma de oração.
A devoção do rosário é preciosa por vários motivos:
(1) é bíblica, ajudando a penetrar contemplativamente os mistérios essenciais da história da salvação,
(2) está toda orientada para Cristo, já que para ele se dirigem e dele decorrem todos os acontecimentos da nossa salvação;
(3) apresenta um caráter contemplativo, pois na cantilena das ave-marias o coração vai repousando no afeto despertado pela pacífica e serena contemplação dos mistérios recordados;
(4) e, finalmente, tem relação profunda com a liturgia, pois é nesta última que se faz o memorial de toda a história da salvação, que tem na Páscoa de Cristo o seu cume.
O rosário tem uma dinâmica própria, que é muito importante que seja bem compreendida: aí louva-se o Cristo. A Virgem abre-lhe o caminho, pois a cadência das palavras com a contemplação dos mistérios permitem ao orante unir-se afetivamente ao Senhor, Autor da nossa salvação e último responsável por tudo quanto ali contemplamos.
Assim, quem reza o rosário de maneira correta sente-se chamado pessoalmente, sente-se preso e inserido no destino e no curso da vida do nosso Salvador. Deste modo, o santo Rosário é realmente oração do Senhor e ao Senhor. Bem rezado, ele é uma forma excelente de oração, que nos exercita na meditação contemplativa, reunindo as forças do espírito e da alma em torno do Redentor, fazendo-nos aderir a ele e moldar nosso coração pelo seu Coração, conformando nossos sentimentos aos seus.
A repetição cadenciada, a atenção atenta, mas não forçada, mais presa pelo afeto que pela racionalidade, une profunda e intuitivamente ao mistério de Cristo, dando-nos aquele conhecimento que ultrapassa todo conhecimento. Deste modo, o santo rosário tem sido a oração dos pequenos, dos simples, dos incultos, formando um inumerável exército de santos.
Notas para bem rezá-lo:
(a) Mais importante que a atenção às ave-marias é a contemplação dos mistérios;
(b) As ave-marias servem para cadenciar a contemplação em união com a Mãe do Senhor, dando paz, repouso e serenidade ao coração e à mente;
(c) É importante ter o rosário em mãos enquanto se reza: o passar as contas é parte da oração e dá-lhe o ritmo;
(d) Deve-se ter atenção ao que se reza: não tanto à palavra, mas primeiramente ao afeto, que vai brotando paulatinamente, à medida que as contas são passadas;
(e) No caso de distração, não se deve preocupar; basta voltar a atenção e continuar tranquilamente a oração. É importante também aprender a fazer da distração a própria oração: aquilo que nos distraiu deve ser colocado na própria oração. Em outras palavras: dizem-se as ave-marias pensando-se nas coisas que nos ocupam e preocupam. Assim, numa impressionante compenetração, a oração entra na vida e a vida se faz oração.
(f) É importante a cadência na recitação. Os pai-nossos e ave-marias devem ser quase que cantados numa espécie de “retotom”...
(g) Mais que em qualquer outro modo de oração vocal, no rosário a coisa não está em pensar muito, mas em amar muito, numa atenção disponível e amorosa para com o Senhor e sua Santíssima Mãe;
(h) Deve-se ser dócil ao Espírito, que indicará o sabor, a intensidade, o tema da oração... Às vezes nossa atenção estará mais nas palavras, às vezes, numa frase; às vezes numa idéia do mistério; às vezes, nos acontecimentos e situações que nos estão preocupando...
Quanto aos tempos de rezá-lo, deve ser rezado diariamente, de modo completo ou espaçado, a sós ou comunitariamente.

Os mistérios gozosos
Côn. Henrique Soares da Costa

É importante notar que estes mistérios são cristocêntricos, são mistérios de Cristo; é nele que o plano da salvação se realiza. Eis algumas indicações para bem contemplá-los:
1. A Anunciação do anjo e a Encarnação do Verbo
Leitura: Lc 1,26-38
Este primeiro mistério gozoso é profundamente centrado no evento da Encarnação: não é a Virgem, mas o Messias-Salvador o centro de nossa contemplação. Aqui somos chamados a admirar o misterioso plano salvífico de Deus que, quando chegou a plenitude dos tempos, fez aparecer a plenitude da graça, enviando o seu Filho ao mundo: em Jesus, Deus se humaniza, Deus começa sua aventura humana, numa profunda obediência ao Pai (cf. Hb 10,5-7) e numa profunda humildade, num impressionante esvaziamento: fez-se homem, de Maria, a Virgem (cf. Fl 2,5-7).
Se Cristo é o centro, no entanto, este mistério convida-nos também a contemplar a atitude da Virgem Maria. Ela é imagem vivente do Antigo Povo, a Filha de Sião, que é convidada a alegrar-se com a chegada do Salvador-Messias (cf. Sf 3,14-18; Is 12,6; 54,1-17; Zc 2,14-17). Para ela, a Pobre de Nazaré, o Senhor voltou o seu olhar misericordioso e nela realizou maravilhas! Ela é lugar da manifestação graciosa de Deus: seu nome é Toda-Agraciada!
Unindo o Filho que se encarna e a Mãe que o acolhe, aparece misteriosamente a obediência, o “Sim” de total disponibilidade ao Pai: o sim eterno do Filho, que ecoa no tempo através do sim da Virgem Maria. Assim, aparece o quanto a salvação do mundo e da humanidade manifesta-se na atitude de obediência, o contrário da atitude do pecado original: a humanidade voltará pela obediência Àquele de quem se afastou pela covardia da desobediência. O Criador e a criatura, de modo admirável e incompreensível, comungam nessa obediência ao plano amoroso de salvação...
Somos convidados a contemplar a atitude crente, madura e disponível de Nossa Senhora: crente porque se confia totalmente ao Senhor, como Abraão, que “partiu sem saber para onde ia” (Hb 12,8): casamento, futuro, filhos, tudo isso a Virgem Mãe deixou nas mãos de Deus, sem pedir explicações, sem pedir provas, sem pedir garantias... Atitude madura porque humildemente procurou compreender o quanto possível o plano de Deus a seu respeito para melhor aderir a ele; atitude disponível, pela sua insuperável resposta ao convite do Senhor: “Eis a Serva!” – Não se pertence a si própria, não considera sua vida e seu destino a partir de seus interesses e projetos; ela se confia total e absolutamente ao seu Senhor e Deus.

2. A Visitação da Virgem a Isabel e a Exultação de João Batista
Leitura: Lc 1,39-45 e 1,46-56
Inicialmente, há duas realidades a serem contempladas. Primeiramente, o sinal dado pelo Anjo: Isabel, já idosa e estéril, estava grávida por obra de Deus. Tal gravidez prodigiosa era prenúncio da gravidez ainda mais impressionante da Virgem Maria. Deus é o Deus da vida, Deus do impossível (cf. Lc 1,37): onde não há vida, ele faz a vida nascer, onde somente há a morte da esterilidade, sem futuro nem esperança, ele faz brotar a semente bendita da vida. Por isso, a exultação das mães. A segunda realidade é o espírito de serviço de Nossa Senhora: sua relação com Deus não é fechada em si mesma, alienada das necessidades dos irmãos: ela se dirige a Isabel e permanece com ela até o parto: viajou à casa de Isabel para ver o sinal; lá permaneceu para ajudar caridosamente – é a prova de uma vida espiritual sadia e centrada no Deus de amor.
Contemplemos, agora, os três principais personagens desta perícope:
1 - João Batista: Ele é o Precursor, aquele que existe para “cursar-antes”, caminhar abrindo estrada: o anúncio do seu nascimento (cf. Lc 1,5-25) prenuncia o anúncio do nascimento de Jesus (cf. Lc 1,26-38); o seu nascimento e circuncisão (cf. Lc 2,57-66) prenunciam o nascimento e circuncisão de Jesus (cf. Lc 2,1-21); do mesmo modo, seu ministério e morte prenunciam o ministério e morte de Jesus. Que nos ensina este fato? Que somos todos envolvidos no plano salvífico de Deus. Não devemos nos fixar nos nossos planos, mas nos alegrar por participar de um desígnio muito maior. Nossa vida será verdadeira e terá sentido, será preciosa aos olhos do Senhor, na medida em que for humilde disponibilidade ao serviço da santa vontade de Deus. Mais tarde, João dirá: “Um homem nada pode receber a não ser que lhe tenha sido dado do céu. Não sou eu o Cristo, mas fui enviado adiante dele. É necessário que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,27-30).
2 - A Virgem Maria: Ela é toda exultação, numa explosão de admiração e gratidão ao Deus Salvador do seu povo. Pela sua voz é todo Israel que canta a fidelidade de Deus que invade amorosamente a história humana e faz triunfar o seu plano de amor e salvação. O Magnificat (cf. Lc 1,46-55) deve ser lido com o pensamento no Êxodo (quando a outra Maria, irmã de Moisés, cantou e dançou porque Deus derrubara os soberbos egípcios e elevara o humilde Israel – Ex 15,21), em Ana (que experimentou a ação de Deus, exaltando os humildes e derrubando os soberbos – 1Sm 2,1-10), em Maria (a pobre esquecida de Nazaré, elevada a Mãe do Messias), na Páscoa (onde Deus revela de modo definitivo a força do seu braço, exaltando o Pobre Jesus e julgando o Pecado do mundo) e no Juízo Final (quando já não haverá noite e toda soberba do mundo será destruída). Todas as tardes, quando o sol se põe e a escuridão começa a cobrir a terra, a pobre Igreja, de quem Maria é figura e modelo, canta o hino de louvor e confiança na misericordiosa salvação de Deus.
3 - Deus: Silenciosamente, é ele o autor da salvação, é ele a causa da alegria do Batista, do júbilo de Isabel e da exultação de Maria. Seu modo de agir subversivo da nossa lógica, sua fidelidade desconcertante e seu modo misterioso e sábio de guiar a história – tudo isso é cantado no Magnificat.
Todo este mistério nos faz intuir e contemplar um Deus que é próximo, que age no mundo, que entra na nossa vida, que nunca nos abandona. É um clima de exultação pela presença de Deus na humilde existência de cada um de nós...

3. A Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne
Leitura: Lc 2,1-20
Vamos meditar este mistério tomando três diversos pontos de observação:
Primeiro: o ponto de vista de Jesus. Quem é este que nasce? É o Emanuel, o Deus-conosco. Ele nasce no meio da noite humana como luz, ele nasce na pobreza, na humildade e na privação: precisa do leite da mãe, do cuidado de José. Nasce Deus dependente, Deus pobre, Deus fraco. É um mistério que jamais poderemos compreender completamente! Imaginamos um Deus grande e potente, e Deus nos ensina um outro caminho – o seu caminho – totalmente diverso do nosso. É um caminho que nos envergonha a todos! Não nos iludamos: jamais compreenderemos este mistério! Em Jesus, Deus quis comunicar-se de forma completa a um outro ser, diferente dele: o Criador quis experimentar ser criatura! Dignou-se se dar de presente a nós, veio a nós. Ele não quis ficar unicamente Deus, não se contentou em nos amar de longe, em debruçar-se sobre nós, simplesmente... Sem deixar de ser o Deus que sempre fora, fez-se homem, fez-se criança, fez-se um de nós! Ele quis saber por experiência o que é ser humano! No século XII, São Bernardo já explicava: “Ouviste dizer que o Verbo se fez carne. E por quê? Porque Deus quis saber o que é ser realmente humano. Mas, Deus já não sabe tudo? Não conhece o que é o homem, o que há nele? Sim! Mas, o amor quer experimentar a realidade do amado. Assim, ele quis conhecer por experiência o que significa a nossa humana realidade!” Pois bem, em Jesus Deus, pessoalmente, desceu para nos fazer subir; fez-se humano para encher a humanidade da vida divina! Quão grande aos olhos de Deus deve ser a criatura humana para que ele quisesse fazer-se um de nós! Grande coisa sim, porque fomos criados grandes, à sua imagem! Ele veio para uma humanidade ferida, veio para nos curar, nos erguer nos salvar... Ele teve compaixão de nossa solidão, de nossa pobreza, de nossa incapacidade de caminhar sozinhos... Veio para nos conduzir à comunhão com o Pai! Ele é um Deus que se faz próximo (cf. Lc 10,25-37). Como dizia Santo Elredo de Rieval: “Ouviste o nome do Menino: Emanuel, Deus conosco. Antes parecia ser Deus sem nós, Deus acima de nós e até mesmo Deus contra nós. Mas, agora, não: é Deus conosco: conosco nas alegrias, conosco nas tristezas, conosco nos trabalhos, conosco no descanso. Eis o seu nome: Emanuel! Nunca mais nós sem Deus; nunca mais Deus sem nós!”
Segundo: o ponto de vista de Maria e José. Em Belém, tudo é aperto, pobreza, imprevisibilidade: não há lugar para eles, não há tempo para providenciar, não há condições ideais para o parto. Há somente o silêncio de Deus. Como pode ser, um Deus que não cuida do seu Amado, um Deus que não abre portas, que não providencia? Silêncio... Qual a atitude de Maria e de José? Abandono, confiança... E seu fruto é a paz: a Virgem guardava tudo no coração. José, o Guardador de Jesus, faz o que pode, abandonando-se em Deus...
Terceiro: o ponto de vista dos outros personagens: (a) A simplicidade crente dos pastores, que vêem a Luz e, crendo, enchem-se de alegria, descobrindo a salvação de Deus. (b) A humilde docilidade dos magos que, como Abraão, deixam-se guiar pela luz do Menino, partem sem saber aonde iam e, assim, alcançam o Inalcançável e, cheios de alegria, voltam por outro caminho! (c) A arrogância de Herodes: apegado ao poder, fecha-se para as surpresas de Deus, torna-se medroso e tenta matar a ação de Deus. Somente consegue matar os outros e a si mesmo... (d) A cegueira de Jerusalém, sua descrença, tão pesada e densa, que chega a obscurecer a Estrela do Menino. Na Cidade Amada, não se pode ver a Estrela... Eis um grave risco para nossa alma: tornar-se como Jerusalém!

4. A Apresentação de Jesus no Templo e a Purificação da Virgem Maria
Leitura: Lc 2,22-40
Se pensarmos bem, a Apresentação não é um mistério gozoso, mas doloroso. Doloroso e rico de significados e lições para a nossa vida com Deus.
A primeira lição é a da humilde obediência da Sagrada Família à Lei de Deus: “Quando chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho nascido de mulher, nascido sob a Lei para resgatar os que estavam debaixo da Lei” (Gl 4,4s). É comovente contemplar o Filho eterno do Pai, José e Maria Santíssima submeterem-se à Lei de Moisés (Lc 2,22.23.24.39), que prescrevia a consagração do macho primogênito ao Senhor e a purificação da mãe após o parto – quer o parto fosse normal quer não (cf. Ex 13,2; 13,11). Além da humildade, há duas razões teológicas: Jesus, sendo o primogênito de José, é o descendente de Davi, o herdeiro das promessas feitas a Davi, é o Messias-Rei de Israel; além do mais, assumindo a submissão à Lei, ele nos libertaria da Lei, pois nele toda Lei se cumprirá...
A segunda lição é de pobreza. José e Maria apresentam a oferta dos pobres: um par de rolas ou dois pombinhos (cf. Lv 5,7; 12,8). Não têm gado graúdo nem miúdo... O Filho de Deus nasceu pobre entre os pobres; ele viveu como pobre! Mais uma vez, na contemplação dos mistérios do terço aparece o mistério da santa pobreza, que Deus escolhe para confundir a lógica humana, fundada na força, na própria segurança e na prepotência... Deus ama os pobres, porque eles não confiam em si mesmos, mas coloca sua confiança no Senhor e por ele esperam. E, na sua pobreza, José e Maria ofertam tudo quanto têm ao Senhor: ofertam o Primogênito, o filho único... como a viúva pobre, como nosso pai Abraão no monte Moriá, entregam tudo quanto possuem, sem nada reter...
Terceira lição: O Senhor aceita a oferta: o Menino será sinal de contradição e a oferta seria consumada no Calvário, quando uma espada traspassararia o coração de Maria: coração íntegro, imaculado, todo ferido, todo vazio de si mesmo, todo oferente na oferta do Filho. Os pais de Jesus admiram-se e se abandonam nas mãos de Deus, Senhor do nosso futuro e da nossa vida...
Quarta lição: a fidelidade de Deus, que aparece na exultação de Simeão e Ana. Esses dois anciãos são imagens do Antigo Testamento, do Israel que esperou pacientemente, contra toda esperança. Agora, podem, finalmente, ver a salvação de Deus! Esses dois personagens nos ensinam a esperar na perseverança, esperar, esperando pacientemente oDeus de Deus, porque ele é fidelíssimo.
Há ainda, neste mistério, um sentido litúrgico muito belo. Os orientais chamam esta apresentação de Jesus de “Encontro”. É o primeiro encontro do Messias com a Cidade Santa, Jerusalém (cf. Ml 3,1). Ele vem como “Luz para iluminar as nações e ser glória de Israel, seu povo” (Lc 2,29-32; Is 42,6; 49,6). Por isso, a liturgia faz, na Festa do Encontro, em 2 de fevereiro, uma procissão com velas. Aí, a Igreja-Esposa vai ao encontro do Messias-Esposo com as lâmpadas acesas, prefigurando o Encontro no final dos tempos. Assim a Igreja deve viver e ser: Esposa vigilante e paciente, que aguarda o seu Senhor!

5. Jesus encontrado no Templo por José e Maria
Leitura: Lc 2,41-52
Este último mistério gozoso, misturando cores dolorosas e gozosas, apresenta-nos algumas lições simples, discretas e profundas:
A simplicidade de José e de Maria que, como judeus piedosos, vão a Jerusalém para as festas de Israel.
O Bar-Mitzá de Jesus: aos doze anos, ele se torna “filho do preceito”: sendo considerado adulto em Israel, poderia agora ler na sinagoga e explicar a Lei. Jesus foi verdadeiramente homem, verdadeiramente judeu... Na simplicidade de sua vida, Deus ia enchendo de sentido a simples vida humana e ia cumprindo, isto é, realizando o judaísmo e, assim, superando-o...
Jesus é encontrado “três dias depois” na Casa do Pai – assim ele o será de modo pleno e definitivo após a Ressurreição. Assim nós o poderemos encontrar para sempre, de modo definitivo, ressuscitado, na Casa do Pai, por toda a eternidade!
A angústia de José e Maria, procurando Jesus. A fé e a amizade com Deus não nos livram das tensões, problemas e surpresas da vida. Mas, a Sagrada Família foi vivendo tudo humildemente, na fé, guardando tudo no coração, mesmo sem compreender. Crer não é compreender tudo; crer é abandonar-se, é entregar-se... é caminhar como se visse o invisível... O mesmo vale ante a misteriosa resposta de Jesus, que deixou seus pais desconcertados. José e Maria, muito cedo, começaram a perder Jesus para o Pai; tudo, na vida deles, foi colocado a serviço de Deus e do seu Reino... e isso, na simplicidade de cada dia, sem barulho, sem dramalhões nem holofotes...
Jesus no Templo, entre os doutores, é a própria Sabedoria de Deus, que se faz presente para nos iluminar. É impressionante a consciência desse Manino: só o Pai é importante, só o Pai é sua última opção e compromisso.
Finalmente, o modo doce como Lucas termina a narrativa: a vida simples em Nazaré, a submissão de Jesus a seus pais, o dia-a-dia vivido na alegria, na simplicidade, na humildade, diante de Deus e dos homens. Nada é tão belo como uma vida normal, vivida sem dramas nem falsos conflitos; nada agrada tanto a Deus; nada é tão monástico e cristão. Mas só os simples são capazes disso...

Os mistérios luminosos
Cônego Henrique Soares da Costa

1. O batismo de Jesus
Leitura: Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22; Jo 1,24-34
Este primeiro mistério luminoso é riquíssimo de significado. Vamos contemplá-lo tomando cinco aspectos, quatro facetas desta riquíssima realidade:
1. O batismo do Senhor marca o início de seu ministério público. É verdade que o Senhor Jesus começou sua obra de salvação no momento mesmo de sua Encarnação no seio da Virgem Maria (cf. Hb 10,5-7); ele foi nos salvando nos nove meses de gestação de sua Mãe, na pobreza de seu nascimento, nos anos pobres e apertados de Nazaré, na vida pequena e silenciosa de cerca de trinta anos... Em tudo isso ele foi entrando na nossa vida, no nosso tempo e tudo redimindo, a tudo dando um sabor de eternidade. Mas, se Jesus somente tivesse vivido e morrido entre nós, sem pregar, sem anunciar explicitamente o Reino por palavras e gestos poderosos e cheios de autoridade, se não tivesse escolhido apóstolos e fundado sua Igreja, jamais saberíamos que Deus nos visitou, que fomos salvos e jamais poderíamos responder conscientemente com nossa fé a esse anúncio de salvação. Assim, batizado no Jordão, Jesus é publica e oficialmente apresentado como o Messias esperado por Israel. Nele, se cumpre as esperanças do Antigo Povo e Deus revela sua fidelidade: quando promete, não trai jamais!
2. É impressionante e deve nos inspirar a humildade do Senhor Jesus: ele, que na infância toda submeteu-se humildemente à Lei judaica, agora entra na fila dos pecadores para ser batizado por João. Não somente entra na fila como um qualquer, mas na fila dos que se reconhecem pecadores, necessitados de arrependimento e perdão. Jesus, que não tem pecado, veio assumir nossos pecados para nos libertar dos pecados. Ele é o cordeiro que veio tirar os pecados do mundo. A imagem do cordeiro deve nos recordar o cordeiro sobre o qual o sacerdote impunha as mãos, confessando os pecados do povo. Depois ele era mandado para o deserto. Assim também Jesus: carregando os nossos pecados foi crucificado fora dos muros de Jerusalém, como um rejeitado por Deus e pelo seu povo (cf. Lv 16,5-22; Hb 13,12s); o cordeiro é ainda imagem do cordeiro sacrificado e oferecido a Deus pelos pecados do povo (cf. Lv 16,5-22) e, finalmente, é imagem do cordeiro pascal, sinal da libertação do povo de Deus. Dele, nenhum osso deveria ser quebrado (cf. Ex 12,46; Jo 19,33-36). Pois bem, na fila dos pecadores Jesus se nos apresenta como esse humilde e despojado cordeiro de Deus.
3. O batismo é também o momento da unção messiânica do Senhor. Ele é o Ungido, isto é, o Messias. Já ungido em sua humanidade santíssima, plasmada desde o primeiro momento na potência do Espírito Santo (cf. Lc 1,35), recebe agora uma unção pública (que será unção plena na ressurreição – cf. At 2,32.36) com vistas ao seu ministério público. A partir de agora, Jesus será pleno do Espírito Santo, que o conduzirá na sua missão (cf. Jo 1,33-34; Mc, 1,12; Lc 4,14.17-18; 6,19). Será este mesmo Espírito que o Senhor entregará na cruz ao Pai e receberá de volta de um modo novo na Ressurreição, derramando-o sobre nós (cf. Jo 19,30; At 2,32s).
4. É também para nossa contemplação a palavra de João Batista ao apresentar Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!” (Jo 1,19). A palavra aramaica é talya que significa ao mesmo tempo cordeiro e servo. Jesus será o Messias Servo Sofredor, cordeiro que morrerá pelos pecados do mundo (cf. Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-11; 52,13 – 53,12).
5. Finalmente, há neste mistério, uma clara manifestação da Trindade Santa: o Pai apresenta o Filho, ungido-o com o Espírito; o Filho humildemente se deixa ungir, como enviado do Pai e seu Servo Sofredor; o Espírito Santo, deixa-se enviar pelo Pai sobre o Filho, em quem repousa e permanece para a missão. Ao aparecer em forma de pomba (como a pomba que, após o dilúvio, trouxe no bico um ramo de oliveira, da qual se faz o óleo da unção), o Espírito manifesta Jesus como aquele que, ungido, é o início de uma nova criação e nova humanidade, como o mundo logo após o dilúvio.

2. A transformação da água em vinho em Caná da Galiléia
Leitura: Jo 2,1-12
Vamos contemplar este mistério a partir de cinco idéias.
1. As bodas de Caná, na narrativa de São João, são imagem da consumação da aliança entre Deus e o seu povo, consumação acontecida precisamente em Jesus, o Messias de Deus. Muitíssimas vezes no Antigo Testamento, a aliança entre Deus e Israel fora comparada a um pacto matrimonial: Deus é o esposo fiel, Israel é a esposa, tantas vezes infiel, prostituindo-se na idolatria. Assim, diante do fracasso da antiga aliança, Deus promete que fará uma aliança eterna com um resto. Seria uma aliança espiritual, nova e eterna. O Messias, com a sua vinda, haveria de selar tal aliança. Pois bem, Caná é imagem dessa nova realidade. Chegaram as núpcias da nova aliança. Jesus é o esposo, o próprio Deus que vem desposar o novo Israel, a Igreja, sua esposa. Aí, a Igreja, a Mulher, é representada pela Virgem Maria. Daí Jesus chamá-la “Mulher”! Assim, contempla-se aqui a fidelidade amorosa do Deus de Israel, que cumpre sua promessa de uma aliança nova e eterna e vem desposar Israel, sua esposa.
2. Estas núpcias, prenunciadas em Caná, somente na Páscoa (morte e ressurreição) do Senhor é que iriam consumar-se. O evangelho insinua isso quando afirma: “No terceiro dia houve núpcias... e Jesus manifestou a sua glória... e seus discípulos creram nele” (Jo 2,1.11b). Isto que aqui é prenunciado, na ressurreição será realizado: ao Terceiro Dia, dar-se-ão as núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19,7), quando o Ressuscitado mostrou a sua glória e seus discípulos creram nele! Então, pode-se contemplar neste mistério a união fiel e amorosa entre Cristo e a sua Igreja numa nova e eterna aliança de amor, que começou neste mundo com a morte e ressurreição do Esposo e será plena, um Dia, na glória dos céus. Até lá, a Esposa, ansiosa e amorosamente, caminha exclamando ao Esposo: “Vem!” e ele, fielmente responde: “Sim, venho em breve!” (Ap 22,17.20).
3. Ainda digno de contemplação é a água que enchia as talhas usadas para a purificação ritual segundo a Lei dos judeus transformada no vinho novo e bom, sinal do dom do Espírito, Nova Lei da nova e eterna aliança. É o que Jesus, o Ungido do Pai veio nos trazer: a nova aliança no Espírito Santo, Espírito que embriaga e nos dá a perene alegria de Deus (cf. Ef 5,18).
4. Outro ponto para a meditação é o papel exercido pela Mãe do Senhor: “A Mãe de Jesus estava lá” – em Caná e ao pé da cruz (cf. Jo 19,25); estará também com o fruto da Páscoa, da Hora de Jesus: a Igreja nascente, no Cenáculo de Jerusalém (cf. At 1,12-14). É importante compreender isso: a Virgem Mãe nunca é o centro. Centro da nossa fé, centro da nossa salvação é somente o Senhor Nosso Jesus Cristo. Centro de nossa fé é a sua Páscoa: paixão, morte e ressurreição. E, no entanto, em ser o centro, a Virgem sempre está no centro, isto é, sempre está ali, no momento pascal do Senhor, no momento-chave da nossa salvação! Assim contemplemo-la como ministra (servidora) na obra salvífica de Cristo! Ela é não somente nossa Mãe na ordem da graça como também é modelo de serviço e cooperação na obra salvífica de Cristo.
5. Um último ponto para nossa contemplação é o papel de intercessão de Nossa Senhora. Em Caná ela vê a necessidade dos noivos e intercede; sua intercessão é toda obediente, toda de escuta à palavra de Jesus e de plena conformidade com sua vontade. Assim, ela mesma nos ensina a fazer sempre a vontade do Senhor: “Fazei tudo o que ele vos disser!” E, num dos momentos mais impressionantes do Novo Testamento, que deixa confusos até os estudiosos mais eruditos, a Hora do Senhor, Hora de manifestar sua glória na paixão e ressurreição, é misteriosamente antecipada: “A minha Hora ainda não chegou!” Quem pode mudar a Hora de Deus? Ninguém! E, no entanto, misteriosamente, sem pedir nada, sem exigir nada (ela é a Serva e uma serva não tem direitos, não exige nada!), ela antecipa a Hora! Pela sua atitude de amor, de confiança, de humildade, misteriosamente a Hora do Cristo faz-se misteriosamente em Caná e traz o vinho do Espírito, o bom vinho da alegria, sinal do Reino de Deus. Mas, isso somente é possível porque quando chegar a Hora (cf. Jo 17,1), a Mãe de Jesus estará lá, ao pé da cruz (cf. Jo 19,25). Então, somente é possível a intercessão em Cristo quando se estar disposto a levar a cruz com Cristo, permanecendo com ele na sua Hora, na Hora da cruz. Fora disso nenhuma intercessão é possível, nenhuma é válida, nenhuma é em Cristo! Não poderá nunca participar da manifestação da glória de Cristo não está disposto a participar da hora da paixão do Cristo!

3. O anúncio do Reino de Deus e o convite à conversão por parte de Jesus
Leitura: Mc 1,14-15
Podemos dividir a contemplação deste mistério em quatro partes:
1. Jesus saiu proclamando o Evangelho de Deus, isto é do Pai. Pensemos em Jesus. Ele veio da parte do Pai. No nosso Salvador, podemos descobrir toda a bondade da paternidade do nosso Deus. Em Jesus, Deus nos diz que ainda nos ama, que ainda nos espera, ainda crê em nós; mais ainda: dá-nos o seu Filho bendito, que vem ao nosso encontro com os braços e o coração abertos. Em Jesus, aconteça o que acontecer na nossa vida, sabemos que Deus nos ama, faz conta de nós e deseja nos salvar! No rosto de Cristo contemplemos, portanto, a Face bendita do Pai: que sua Face resplandeça sobre nós!
2. Qual é a proclamação de Jesus? O que ele prega? Primeiro: “Cumpriu-se o tempo!” Com Jesus, tudo quanto o Antigo Testamento havia anunciado iria agora realizar-se. Termina agora o tempo da preparação, termina o tempo da profecia, termina o tempo do anúncio distante: com Jesus as promessas de Deus iriam realizar-se. Eis a grande lição: Deus é fiel, nunca falta à sua promessa, nunca volta atrás na sua Palavra! Tudo quando fora anunciado e prometido agora haverá de cumprir-se. Jesus é o Amém, o Sim de Deu a todas as suas promessas!
3. Mas, em que consiste esse cumprimento? “O Reino de Deus está próximo!” Isto é, o Reinado de Deus chegou, aproximou-se, não mais está distante! Com Jesus, Deus está batendo à porta do coração de Israel e da humanidade, pedindo passagem, desejando entrar! Com Jesus, Deus começa o seu Reinado. E onde Deus reina, o homem é feliz, é livre, começa a viver uma vida plena, que desembocará na eternidade. É isto que Jesus manifesta com seus milagres, exorcismos e palavras: que o Reino chegou e, por isso, os cegos enxergam, os coxos andam, os que choram são consolados e os pobres recebem essa Boa-Nova! Também nós devemos escutar esta Boa-Notícia, este Evangelho: o Reino de Deus chegou para nós! Basta que acolhamos Jesus, presente para nós na Santa Igreja, basta que deixemos que o Senhor reine em nossa vida! Deus está às portas; não lhe fechemos o coração!
4. Mas, para que o anúncio do Reino seja eficaz em nossa vida, é necessário a aceitação de nossa parte. Daí a exortação do Senhor: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” Isto é: Convertei-vos e crede neste Evangelho! Que Evangelho? Que o Reino chegou em Jesus. E ninguém pode acolhê-lo, ninguém pode realmente deixar Deus reinar sem se esvaziar de si próprio, do seu pecado, dos seus apegos, dos seus vícios, de suas más tendências! Converte-vos! Eis a condição para acolher o Reino. Então, se ao mesmo tempo o anúncio do Reino é uma alegria imensa é também um imenso desafio, um imenso trabalho de conversão constante! A verdade é que sem conversão não se acolhe verdadeiramente o Reino de Deus!

4. A Transfiguração do Senhor
Leitura: Mt 17,1-9; Mc 9,2-8; Lc 9,28-36; 2Pd 1,16-18
A Transfiguração do Senhor não é somente um fato histórico ocorrido durante a vida de Jesus neste mundo; é também um mistério, isto é, um acontecimento que tem um significado para a nossa fé, um acontecimento que revela algo da pessoa e da missão de Cristo e algo da nossa salvação. É isto que contemplaremos agora.
Primeiramente, a Transfiguração é uma preparação para a cruz. “Seis dias depois” (Mt 17,1) de anunciar pela primeira vez que morreria em Jerusalém, o Senhor toma três de seus discípulos e se transfigura diante deles. Ou seja, deseja fortalecer a fé de seus discípulos e mostrar que sua paixão caminha para a glória. Não é por acaso que os mesmos que estarão no Jardim do Horto, na agonia, foram os escolhidos para vê-lo em glória no Tabor. Esta idéia aparece ainda muito claro no fato de Moisés e Elias aparecerem com ele falando “de sua partida que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9,31). O sentido é muito bonito: Moisés (que representa a Lei) e Elias (significando os profetas) – Lei e profetas são o Antigo Testamento – anunciam a “partida”, o “êxodo” de Cristo: “Os profetas anunciaram! Não era preciso que o Cristo sofresse tudo isso e entrasse na sua glória? E começando por Moisés e por todos os profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a ele dizia respeito” (Lc 24,25-26). Tudo isto nos ensina a guardar nos momentos de luz o sentido do amor e da misericórdia de Deus, para resistir nas provações dos momentos de sofrimento e de treva!
Um outro belo aspecto: no Tabor manifesta-se a glória da Trindade: na voz está o Pai, naquele que foi transfigurado está o Filho bendito, na Nuvem luminosa está o Espírito Santo, que é o Espírito de Glória e que a tudo glorifica. Toda a nossa salvação é obra da Trindade. Basta recordar que o Pai enviou o Filho no Espírito Santo para nossa salvação e que o Filho se ofereceu por nós ao Pai num Espírito Eterno (cf. Hb 9,14). Eis aqui outro belo ponto para a contemplação: adorar o amor glorioso e cheio de misericórdia do Deus Uno e Trino, que se nos revela sempre como amor para nossa salvação.
Também devemos aprender a contemplar o que o Pai nos diz: “Este é o meu Filho amado; ouvi-o”. Ou seja: toda a nossa felicidade, toda nossa vida e nosso único caminho para a verdadeira glória consiste em ouvir a voz do Filho amado. Esse “ouvir” não significa simplesmente estar atento à palavra de Jesus, mas, estar atento à própria Pessoa de Jesus: ele todo é a Palavra que estava junto do Pai e que se fez carne e habitou entre nós. Assim, amar Jesus, buscar Jesus, seguir Jesus, contemplar Jesus... tudo isto significa “ouvir” a voz do Filho, que é a única, plena e irrepetível Palavra que o Pai nos dirige no Espírito Santo!
Um outro aspecto que diz muito de nós e deve nos levar a um exame de consciência é o seguinte: no Tabor, os três discípulos se alegram e dizem: “É bom estarmos aqui; vamos fazer três tendas”. É agradável e desejável estar com Cristo na glória, no gozo, na alegria... Depois, no Monte das Oliveiras, esses mesmos três não tem coragem de vigiar com Jesus, dormem, não conseguem estar atentos ao Senhor e ficar com ele! Eis as lições para nós: Quem participa da glória do Tabor deve também estar disponível para ficar com Jesus no Horto da Agonia, pois quem não ama a cruz de Cristo não verá a glória de Cristo! Não se pode ser cristão de verdade sem essa disponibilidade para estar com Cristo nos momentos de cruz e escuridão! Nunca compreenderá de verdade o significado da glória de Cristo quem não participou também da agonia de Cristo. Sem participar da sua cruz, a participação na sua glória seria num sentido interesseiro e mundano, glória do mundo, que não passa de busca de si próprio, que escraviza e não leva a Deus. Somente participando da cruz do Senhor é que experimentaremos o verdadeiro significado e a verdadeira doçura da glória do Senhor. É por isso que Cristo proíbe aqueles três de falarem sobre isso até que ele tenha ressuscitado dos mortos. Somente depois que o virem morrer é que compreenderão o significado da glória da sua ressurreição e da esperança que ele nos prepara!

5. A instituição da Eucaristia
Leitura: Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,19-20; Jo 6,51-58; 1Cor 11,23-25
Muitas coisas poderiam ser contempladas neste mistério. Vou tomar cinco pontos, que podem ser de grande utilidade e edificação espiritual para nossa vida.
1. Na instituição da Eucaristia Jesus realiza sacramentalmente a consumação de sua vida que, na Sexta-feira Santa, realizou na cruz. Toda a sua existência, desde a concepção no seio da Virgem, foi uma entrega ao Pai por nós. Ele nunca teve tempo para si mesmo, nunca se buscou, nunca se poupou, nunca procurou sua vontade. Ao final de sua existência, “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o extremo, até o fim” (Jo 13,1s). Então, toda a existência de Nosso Senhor foi uma existência para o Pai em favor dos outros, em favor dos seus discípulos e irmãos. Agora, na hora de consumar essa vida vivida como entrega total de si, o nosso Salvador, deixa sua entrega num modo sacramental, para que fique presente no coração da Igreja e do mundo até que ele venha. Na Eucaristia a entrega de Cristo, vivida uma vez por todas na sua humana existência, torna-se continuamente presente sobre o Altar para que nós a recebamos em verdade. Cada cristão de cada época e de cada lugar pode dizer, participando da Eucaristia e recebendo o Corpo e o Sangue do Senhor: “Ele me amou e se entregou por mim!” (Gl 2,20).
2. Contemplando o Cristo que se entrega totalmente no simples sinal do pão e do vinho, tornando presente sua entrega total até a morte de cruz, nós somos convidados a compreender a lógica do Reino de Deus: ele não vem em grandes e vistosos feitos, nos gestos teatrais, no poder mundano, derivado do prestígio, da riqueza, do comando... Não! A lógica do Reino aparece no que é pequeno, no que é fraco, naquilo que aparentemente não conta e não tem importância. Que pode haver de mais trivial que um pedaço de pão, um pouco de vinho, umas gotas d’água? E, no entanto, nestes pobres elementos o Senhor se dá a nós e faz-nos participar da sua entrega de amor e já participar das coisas do céu. Esta contemplação deve nos fazer descobrir o valor das coisas pequenas, da fidelidade no cotidiano. Ali Deus se revela, ali nós somos convidados a viver na nossa carne a Eucaristia que celebramos na santa Liturgia.
3. A Eucaristia é também a missão e o destino da Igreja. É sua missão por dois motivos: primeiro, porque o Senhor mandou que ela a celebre em sua memória até que ele venha. Celebrando-a, a Igreja cumpre o mandato do seu Esposo e experimenta realmente sua presença. Em segundo lugar, é sua missão porque tendo escutado o Senhor na Escritura e partido com ele o pão, a Igreja experimenta que ele está vivo realmente, que realmente caminha conosco. Assim, como aqueles dois de Emaús (cf. Lc 24), ela deve sair pelo mundo em missão para anunciar que em verdade o Senhor ressuscitou e caminha conosco como Salvador e Senhor até o fim dos tempos. Deste modo, participar da Eucaristia, ouvindo o Senhor e partindo com ele o pão eucarístico, tornamo-nos suas testemunhas. A Eucaristia nunca é uma realidade somente entre nós e o Senhor. Nós dela participamos como Igreja e Igreja que é missionária de Cristo na nossa vida e no nosso mundo.
4. Outro aspecto importante é ter sempre em mente que a Eucaristia prepara nossa participação no Banquete da glória eterna. Participar da Eucaristia é participar das coisas do céu, é experimentar aqui na terra a glória do mundo que há de vir! Assim, nunca devemos perder de vista que comungando com o Senhor morto e ressuscitado nos tornamos herdeiros da sua santa Ressurreição. Quanto consolo, nos apertos e cansaços da vida, nutrirmo-nos do alimento que faz crescer em nós a vida eterna, aquela mesma que herdaremos em plenitude após a nossa santa morte: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia”.
5. Um último aspecto. A Eucaristia é o sacrifício de Cristo. Cada vez que a celebramos, oferecemo-lo ao Pai, como Senhor, Cordeiro imolado e ressuscitado, Aquele que está de pé, vitorioso, ante o trono do Pai, mas, ao mesmo tempo, é eternamente Cordeiro imolado (cf. Ap 5,6). Assim sendo, celebrar a Eucaristia, participando do Corpo e Sangue do Cordeiro imolado, somos chamados a colocar na nossa vida o Sacrifício que celebramos, celebrando na vida o que oferecemos no Altar. É o que nos diz São Paulo: “Exorto-vos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: este é o vosso culto no Espírito. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12,1-2). Então, não pode participar da Eucaristia quem não estiver disposto a completar na sua carne, a viver na sua vida a entrega do Senhor Jesus ao Pai!

Os mistérios dolorosos
Cônego Henrique Soares da Costa

Os chamados mistérios dolorosos são uma contemplação da Paixão e Morte do Senhor. Para bem contemplá-los é necessário ter cuidado para não se ficar apenas nos fatos, quase como se fosse um teatro interior que estivéssemos produzindo, simplesmente para nos comover com os sofrimentos físicos e morais do Senhor. Isso tem lá também o seu valor, mas não é o aspecto mais importante. É necessário compreender o sentido profundo dos padecimentos de Cristo, seu sentido espiritual e procurar nos unir a ele, sabendo que participando dos seus sofrimentos participaremos também da sua glória...

1. A Agonia de Jesus no Horto das Oliveiras
Leitura: Mt 26,36-46; Mc 14,32-42; Lc 22,40-46; Hb 5,7-10
Neste primeiro mistério somos chamados a contemplar os aspectos interiores da Paixão do Senhor. Vejamo-los com nossa fé e nosso afeto...
O primeiro aspecto nos chama atenção é a realidade da agonia interior de Jesus: “Ele começou a apavorar-se e a angustiar-se. E disse-lhes: ‘A minha alma está triste até a morte’”. (Mc 14,33-34) Jesus entrou na morte não de um modo triunfante, teatral; realmente ele teve medo, ele se angustiou... As palavras de São Marcos são impressionantes: pavor, angústia... Jesus entra num quadro de depressão, de profunda tristeza, tristeza de morte! Por que isso? Primeiramente porque experimenta a dor do fracasso, humanamente falando: ele não conseguiu convencer os chefes nem o povo... Agora, sabe-se rejeitado pelo seu próprio povo como um amaldiçoado, como um falso profeta, que não merece crédito. Pense-se na dor moral do fracasso, da rejeição, da total incompreensão... Em segundo lugar, imagine-se a enorme decepção de se saber traído por alguém escolhido a dedo, alguém de própria convivência, do próprio círculo de amizade... Por fim, a morte que Jesus vai abraçar é a nossa morte, a morte como salário do pecado, morte como experiência da distância de Deus. Jesus morreu pelos pecados do mundo, de modo que sua agonia tem sim um sentido amargo, de abandono e de solidão: “Aquele que não conheceu o pecado Deus o fez pecado (= vítima pelo pecado) por causa de nós, para que nós, por ele, nos tornássemos justiça de Deus” (2Cor 5,21). É um mistério tremendo! Jamais poderemos experimentar, jamais poderemos penetrar na profundidade da dor, da solidão, da escuridão de Jesus, sozinho, com o pecado do mundo, naquele Horto! Contemplar este mistério é um convite a nos unir sempre a Jesus nas nossas tribulações interiores. Quando, nas nossas trevas, encontramos o Senhor que por nós enfrentou tão densas trevas, a nossa treva começa a se tornar luminosa e a noite vai se fazendo clara como o dia...
Daqui, precisamente, deriva o segundo aspecto deste mistério: a profunda solidão do Senhor. Nunca houve ninguém tão sozinho quanto Jesus no Jardim da Agonia! Onde está o povo, pelo qual gastou seu tempo, sua pregação, seus milagres, sua vida? Onde estão aqueles aos quais ele curou, acolheu, a quem deu nova esperança? Não, não há ninguém; Jesus está só! Onde estão os Doze ou, ao menos aqueles três? “Permanecei aqui comigo e vigiai!” (Mc 14,34). Os Doze estão distantes, os três dormem pesadamente! O Senhor se apavora, o Senhor se entristece profundamente... Não há consolo, não há um ombro amigo, não há o mínimo sinal de solidariedade, de misericórdia, de compreensão! Jesus é todo solidão! Ele, então grita ao Pai... Mas, onde está o Pai? O Pai se cala, como que esconde misteriosamente sua Face... É um mistério profundíssimo de uma noite densa, escura, sem estrelas, sem a menor luminosidade... “É a vossa hora e o poder das trevas” (Lc 22.53). A morte de Jesus não é uma morte qualquer: nela é assumida toda a profundidade, toda a tragédia, toda a gravidade do pecado do mundo: “O castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele! O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Is 53,5b.6b) Unamo-nos à solidão de Jesus e, nela, rezemos misericordiosamente pelos que se sentem oprimidos pela solidão da vida e ofereçamos a nossa própria solidão... Fiquemos com ele, vigiemos...
Um outro aspecto profundíssimo é aquele da oração de Jesus! Toda a sua existência foi aberta ao Pai, foi em diálogo com o Pai: ele nunca se buscou a si, nunca procurou seu próprio interesse. Por isso, passava tantas vezes as noites em oração, procurando a vontade do Pai e na vontade do Pai descansando. Pois bem, ele agora entra na sua Paixão rezando. Isto significa que tudo quanto viverá, tudo quanto sofrerá, até a morte, será numa atitude de profunda abertura de coração para com o seu Deus e Pai! Jesus não somente suportou a Paixão e a Morte: ele as viveu como um ato de amor, de entrega e de adoração! Ele viveu todo esse doloroso caminho como uma oração, como um diálogo, como um está na presença silenciosa do Pai do céu... Eis aqui uma realidade profunda demais, rica demais, libertadora demais. Aprendamos a nos deter neste mistério e a entrar nos sentimentos do coração bendito de Jesus. Aí encontraremos paz, repouso e segurança... Escutemos o convite: “Vinde a mim; aprendei de mim!”
A conseqüência de quem assim reza é uma obediência infinitamente pacífica, serena, profunda. É o que vemos, admirados, em Jesus: “Abbá! Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém não o que eu quero, mas o que tu queres!” (Mc 14,36) O que tu queres! Como nos ensinou o Santo Padre Bento XVI, “os caminhos do Senhor não são cômodos; mas nós não fomos criados para a comodidade, mas sim para as coisas grandes, para o bem! É essa obediência amorosa, livre, madura, a causa da nossa salvação! Jesus foi totalmente livre, porque foi totalmente entregue à vontade do Pai! A liberdade fundamental, base de todas as liberdades, é a liberdade de si próprio para viver totalmente para o Pai e realizar sua santa vontade! Por isso o Autor das Carta aos Hebreus não hesita em afirmar: “Graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo” (10,10). Peçamos ao Senhor a graça de participar do mistério de sua obediência, entregando-nos com toda a confiança nas mãos do Pai: Pai eu me entrego a ti; abandono-me em ti! Faze de mim o que tu quiseres! Coloco minha vida, coloco meus dias, coloco meu futuro nas tuas mãos benditas, com infinita e absoluta confiança, porque tu és o meu Pai!
Qual o fruto de uma obediência assim, de um abandono desses? A paz, a consolação! “Vontade do meu Deus, és o meu paraíso!” é o que Jesus experimenta. São Lucas exprime isso de modo misterioso: “Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava...” (22,43). É uma realidade impressionante: mesmo na maior desolação, na maior treva, quando nada mais compreendemos, se nos abandonarmos nas mãos do Senhor, encontraremos a paz e a consolação, ainda que no meio de lágrimas e tormentos... Quem se uniu ao Senhor nas provações sabe do que estou falando... Uma paz assim somente o Senhor pode dar e somente que procura a vontade do Senhor e nela descansa por experimentar tal realidade. Aqui, o mundo nem de longe pode compreender ou saber do que falamos, porque exprimimos as coisas espirituais numa linguagem espiritual (cf. 1Cor 2,13).

2. A flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo
Leitura: Mt 27,27-31; Mc 15,16-20; Jo 19,1-3
A agonia de Jesus no Horto deu-nos a ocasião para meditar nos aspectos interiores da sua Paixão; agora, contemplando sua flagelação, vamos nos deter nos aspectos físicos, externos de seu caminho de dor. Pensando em Jesus flagelado, gostaria de chamar atenção para três aspectos.
O primeiro que nos chama atenção é para a sua dor. A Paixão doeu, doeu muito! Doeu não só moral e espiritualmente, como vimos antes; doeu também fisicamente. Pensemos: as bofetadas no rosto, a punhos cerrados, as cuspidelas abjetas, a dureza do açoite romano (uma espécie de chicote de couro com umas bolinhas de chumbo nas extremidades... Aquilo lá entrava na musculatura e, quando era puxado, trazia consigo pedaços da carne)... Pensemos na coroa de espinhos, o quanto não deve ter doído física e moralmente! Em suma: a Paixão foi real! Não foi um teatro, não se resumiu a palavras bonitas. Doeu, como dói em nós a dor física; foi concreta, dolorosamente concreta. Aqui sim, convido a que nos detenhamos um pouco a imaginar a dor do Senhor...
E que lição impressionante tiramos? Precisamente o segundo aspecto que gostaria de meditar: Deus quis salvar o mundo na concretude da dor, na feiúra da dor, no pranto da dor! Ali, naqueles tormentos, naqueles martírios, Deus estava silenciosamente presente, com seu amor, com sua fidelidade em relação a Jesus e com sua misericórdia em relação ao mundo! Que mistério! Isso nos quer dizer que nos nossos sofrimentos tão dolorosos, tão feios, tão absurdos, no momento de uma tragédia, de uma dor muito grande, de um desastre inesperado, Deus está ali, presente, silenciosamente presente... Como nos é difícil aceitar, como nos é difícil compreender! Talvez não compreendamos mesmo – não há como! Pois bem: pensando em Jesus neste mistério, acostumemos o coração a compreender, a vislumbrar que Deus se faz presente também nas nossas tragédias que têm travo tão amargo, tão forte sabor de absurdo...
Finalmente, um terceiro ponto: como Deus nos ama concretamente! Eternamente sonhou conosco, criou-nos envolvidos de ternura e amor, disse-nos tantas vezes que nos amava, demonstrou o seu amor de tantos modos, prometeu-nos o seu amor... Pois bem, quando chegou a Hora, a misteriosa e terrível hora da cruz, o Senhor não mais nos amou com palavras... amou-nos simplesmente naquela dura madeira, naqueles cravos pontiagudos, naquelas dores tremendas e naquelas gotas rubras de sangue... Assim é o amor: concreto, de carne e osso! Como o amor do homem e da mulher que, se fazendo carne, gera vida e se concretiza, assim também o amor de Deus: faz-se palpável, aparece na carne dilacerada do nosso Salvador! Pois bem! É na concretude da vida, nas ações e situações reais da existência, que somos chamados a dizer ao Senhor: Tu me amaste primeiro; e eu te respondo com amor! Tu me amaste na dor da Paixão; e eu te amo nas paixões da minha vida, porque amor só com amor se paga!

3. A Coroação de espinhos
Leitura: Mt 27,27-29; Mc 15,16-17; Jo 19,1-3
Neste mistério, tomemos três pistas para nossa contemplação.
1. Pensemos na terrível dor moral de viver uma situação absolutamente absurda. O Filho de Deus agora é coroado de espinhos, tratado com desprezo e zombaria. Imaginemos a cena... Aqui nada tem sentido, nada se encaixa, tudo é absurdo: a maldade humana, a perversão da soldadesca que, de modo patológico, se alegra com a malvadeza, com a crueldade. Além da maldade humana, a aparente falta de sentido de todo aquele enredo doloroso: Israel esperou o Messias, rezou pelo Messias, chorou e sofreu pelo Messias... e agora, misteriosamente, em nome de Deus e de sua Lei, rejeita o Messias e entrega-o aos pagão romanos, que o flagelam e ridicularizam, coroando-o de espinhos. Teria Jesus fracassado? Teria sido tudo em vão? A humanidade mereceria todo esse sacrifício? Onde está o Pai? Tudo é silêncio, tudo é treva, tudo é agonia sem sentido... E, no entanto, Jesus se abandona, Jesus se entrega: “Eu não estou só; o Pai está comigo!” (Jo 16,32b).
2. E, no entanto, esta absurda e ridícula coroação tem um sentido sim no plano do Pai: Jesus coroado nos mostra, de modo surpreendente, como é que Deus reina: não pelo poder, não pela prepotência, não pelos brilhos deste mundo. Seu Reino vem pela humilhação do Filho, pelo amor que se coloca a serviço até a morte e morte de cruz! Esta idéia é importantíssima porque nos coloca diante de duas realidades: (1) Na Igreja, aqueles que têm a autoridade devem sempre recordar que esta deve ser instrumento de serviço e nunca de domínio tirânico: na Igreja reinar é servir! “O maior dentre vós torne-se o servo de todos, e o que governa como aquele que serve!” (Lc 22,26). Toda autoridade usada fora dessa linha é mundana, é diabólica, é aquela de que falava Satanás, o Pai da Mentira: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4,9). (2) Muitas vezes, diante dos males e absurdos do mundo e da vida, perguntamos por Deus: Onde está? Por que o seu Reino não se manifesta? Por que parece tão impotente? A resposta a estas questões encontra-se na Paixão do Senhor, na sua coroa de espinhos: ele não é rei impondo, não é rei dominando tiranicamente. Exatamente para não sufocar a liberdade humana – mesmo quando esta diz “não”, mesmo quando esta causa dor e sofrimento – o Filho deixou-se coroar de espinhos! Deus não é rei à maneira humana. Não podemos olhar os reis e presidentes da terra e, depois, tranqüilos, dizer: Deus é Rei! Nada disso! Temos de olhar para o Cristo coroado de espinhos, homem de dores, homem todo consumido em dor e amor (“Amor e dor andam juntos!”)... e depois, admirados e confusos, exclamar: Cristo é Rei! Deus é Rei de um modo que nos escapa, que exige que mudemos nossas idéias sobre reinos e realezas, sobre tronos e domínios... Realmente, “Meus pensamentos não são os vossos pensamentos; meus caminhos não são os vossos caminhos não são os meus caminhos. Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos.” (Is 55,8). É longo o caminho que temos para realmente nos converter, para aprender a olhar a interpretar tudo à luz de Jesus e de sua entrega de amor!
3. Por fim, Jesus coroado de espinhos, com uma cana entre as mãos, ridícula imitação de um cetro, e um manto vermelho, como uma troça, à moda do Imperador... Jesus ridicularizado... Não é uma parábola, uma imagem do que nosso mundo atual, soberbo e auto-suficiente, tem feito com ele? Quantos filmes imorais e anti-cristãos? Quantos livros escritos, denegrindo Cristo e sua Igreja? Quantas leis, quantas notícias, quantas atitudes hostis e de desprezo em relação a Jesus, no mundo atual? Todos têm direitos, menos o cristianismo; todos são elogiados, menos o Cristo! Hoje, Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, vai sendo desprezado e escarnecido pelo mundo ateu, pós-cristão, cada vez mais anti-cristão... Também esta situação faz parte do caminho do Senhor: “O servo não é maior que o seu senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou. Se chamaram Beelzebu ao chefe da casa, quanto mais chamarão assim aos seus familiares” (Jo 13,16; Mt 10,25).

4. Jesus sobe o Calvário com a cruz às costas
Leitura: Mt 27,32; Mc 15,20b-22; Lc 23,26-32; Jo 19,16b
Neste quarto mistério, tomemos três pontos para orientar nossa contemplação.
Primeiro. O caminho do Calvário não é somente a parte final do longo caminho de Jesus, mas é o cume de toda uma existência. Se olharmos com atenção os três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), veremos que eles narram todo o ministério público de Jesus como uma subida a Jerusalém. O Senhor vai caminho para a Cidade Santa, onde sofrerá, morrerá e ressuscitará e, no caminho - ele na frente e os discípulos atrás -, vai dizendo: “Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie-se, tome sua cruz e siga-me...” (Mc 8,34) Pois bem, ser cristãos, ser discípulo é deixar-se, renunciar-se e seguir Jesus no seu caminho... E seu caminho passa necessariamente pela cruz para chegar, depois, à glória da ressurreição... Assim, este último trecho do caminho do Senhor é um convite para que nós o sigamos no caminho da nossa vida com a nossa cruz. A cruz é nossa, o caminho é dele. Mais ainda: ele mesmo é o caminho, o nosso único caminho que conduz à vida! É impossível ser cristãos sem a disponibilidade de se deixar e seguir o Senhor. Seria uma tremenda ilusão que daria em nada! Portanto, coloquemo-nos nós, como fruto deste mistério, numa sincera disponibilidade em seguir o Senhor, deixando-nos guiar por ele, ainda que seu caminho não seja fácil. Nunca esqueçamos: nosso destino último não é a cruz, mas a ressurreição!
Segundo. Que significa levar a cruz? Significa enfrentar com paciência, coragem e retidão de consciência os desafios, as limitações e tensões da vida. A cruz é tudo quanto nos acabrunha, nos faz sofrer, nos coloca em crise. Levar a cruz significa ter um olhar contemplativo, uma capacidade de ver por trás das aparências, tendo a capacidade de enxergar nos sofrimentos e desafios a presença do Senhor, que nos chama a segui-lo numa atitude de confiança, de amor e de doação. O cristão não deseja a cruz da vida, mas sabe suportá-la em união com o seu Senhor, dando-lhe um sentido salvífico – “Eu completo na minha carne o que faltou dos sofrimentos de Cristo...” (Cl 1,24) e, assim, encontrando força e coragem para vencer! A vitória, mais que exterior, é interior: ainda que as situações que nos contrariam e afligem não sejam superadas, nós encontramos força para enfrentá-las sem perder a paz e sem desandar no rumo da vida! É assim: quando Deus não acalma a tempestade dá fortaleza ao barco para não se desmanchar nem soçobrar! Então, levar a cruz não significa de modo algum alimentar sentimentos derrotistas, negativos, de uma conformidade passiva e sem iniciativa diante dos desafios da vida. Significa, ao invés, enfrentar a realidade adversa confiando no Senhor, com paciência, com espírito de abandono em suas mãos benditas, encontrando aí força e inspiração para superar as dificuldades e ir adiante, aconteça o que acontecer!
Terceiro. No caminho do Calvário, não esqueçamos o Cirineu. Ele nos representa. Sua participação no caminho da cruz significa que devemos “ajudar” Jesus a levar sua cruz. Como? “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Somos, portanto, chamados a ser cirineus para Jesus presente em cada irmão necessitado de nosso socorro, de nossa compaixão, de nossa solidariedade. Uma contemplação da paixão dAquele que morreu por todos que não nos conduza à “com-paixão” pelos que o representam, aqueles nos quais ele mesmo disse que estará sempre presente, não nos serviria para nada! Então, que a meditação da Paixão nos abra à compaixão para com o Senhor Jesus presente no irmão necessitado!

5. A crucificação e morte de Jesus
Leitura: Mt 27,32-50; Mc 15,21-41; Lc 22,26-49; Jo 19,16b-30
Este último mistério doloroso é primeiramente uma grande e radical revelação. Para nosso espanto, revela-nos algumas realidades impressionantes: (1) Até onde o homem foi com seu pecado – O nosso “não” a Deus, a nossa louca prepotência de pensar que somos os donos de nossa vida e poderíamos viver plenamente longe de Deus, nos desfigurou a ponto de nos fazer matar Deus no nosso coração e no coração do mundo. Jesus crucificado, desfigurado pela dor e pela flagelação, mostra-nos tudo isso! Ele, desfigurado, é imagem da própria humanidade desfigurada pelo pecado e pela loucura de viver sem Deus; ele, crucificado e morto, mostra-nos até onde nós fomos: matamos Deus e continuamos a fazê-lo. Cada vez mais Deus vai morrendo no coração do mundo atual, no coração das famílias, no coração das pessoas. Será que também não o estamos matando no nosso próprio coração? (2) Até onde Deus está disposto a ir com a sua graça – O Senhor é o Bom Pastor que veio procurar a humanidade, sua ovelha perdida! Na cruz Deus nos revela até onde vai o seu amor por nós, até onde nos leva a sério, até que ponto preocupa-se com nossa salvação: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único” (Jo 3,16). Assim, contemplado o Crucificado, podemos ter uma idéia do que significa a afirmação de que Deus é amor, podemos vislumbrar até onde o Senhor realmente nos leva a sério e até que ponto nós lhe somos preciosos! (3) O Crucificado revela-nos também quem somos nós – Tão pobres, tão incapazes de encontrar o caminho, tão cegos e muitas vezes furiosos... Contemplando na cruz aquele Homem de Dores, deveríamos compreender que nossas quebraduras são grandes, nossas incoerências são profundas, tão grandes e tão profundas que necessitaram de tão grande Salvador e tão impressionante salvação! Basta pensar no mundo atual: imoralidade, violência, paganismo, injustiças gritantes, subversão dos valores, culto da mentira e de tudo que é contra Deus... Tão grande miséria, tão grande cegueira, tão grande orgulho, tão grande pecado, tão grande perdição... (4) O Crucificado revela quem é Deus – O Pai de Jesus é tão imensa luz, tão imensa humildade, tão imenso amor, tão imensa misericórdia! Ele não aceita que nos percamos, ele não nos deixa, apesar de nossa ingratidão e de nossa miséria. A cruz é a mais escandalosa e mais profunda e mais subversiva manifestação de quem é o nosso Deus: amor humilde, que prefere morrer a matar, prefere dar a vida para não tirá-la! (5) A cruz nos revela o modo de agir de Deus – Deus que se manifesta na fraqueza, na humilhação, na impotência! Por nós mesmos, faríamos uma imagem totalmente diferente de Deus; um Deus que viria por cima, um Deus que imporia, que obrigaria, um Deus que sufocaria o homem com a imensidão de sua glória... Pois bem, a glória, o poder e a grandeza de Deus se manifestam exatamente na direção contrária: numa surpreendente humildade! Bem que ele já tinha prevenido pelo profeta Oséias: “Meu coração se contorce dentro de mim, minhas entranhas comovem-se. Não executarei o ardor de minha ira, não tornarei a destruir Efraim, porque sou um Deus e não um homem, eu sou santo no meio de ti, não retornarei com furor!” (11,8b-9).
Além deste aspecto de revelação, este mistério nos convida a recordar que Jesus foi crucificado para nossa justificação. No “sim” da sua cruz ele nos deu o perdão dos pecados, ele corrigiu o “não” de Adão, o nosso “não”. O mistério da cruz do Senhor nos mostra o quanto não podemos por nós mesmos alcançar a salvação: ela é graça, é dom de Deus! Somos justificados (tornados justos diante de Deus) crendo em Jesus Cristo e aceitando com a nossa vida a salvação que ele nos obteve. Assim, a cruz é um mistério de graça: Deus gratuitamente entregou o seu Filho para nossa justificação, de modo que por graça fomos salvos! Todo nosso mérito só pode ser o de acolher humildemente essa salvação; toda nossa boa obra somente pode ser a de não impedir que a graça de Cristo aja em nós...
Ainda um ponto para nossa contemplação: olhando a cruz do Senhor somos chamados a tomar com ele a nossa cruz. Neste mistério é sempre bom aprender a pedir a graça de levar com amor e dignidade, com paciência e coragem a cruz de nossa vida. Hoje, por ódio à cruz, tão facilmente as pessoas renegam seus valores, traem seus compromissos, procurando ser feliz de um modo fácil e falso, a qualquer preço, de qualquer modo... Assim, somente se constrói o vazio, o nada, a solidão interior! É preciso a coragem de nos unir à cruz do Senhor, nele encontrando força e consolo...
Um último tópico. Aprendamos de Jesus o quanto o Pai é amor, o quanto o Pai é fiel, o quanto o Pai é confiável: Jesus morre abandonando-se ao seu Deus e Pai: “Pai, eu me entrego em tuas mãos! Pai, eu me abandono em ti!” A entrega de Jesus é maior que a dor, maior que o abandono, maior que a solidão, maior que a morte! E por quê? Porque ele sabe que o amor e a fidelidade do Pai são maiores que a própria morte: “Pai, para além da dor e da morte, eu confio em ti, eu me entrego nas tuas mãos benditas!” Sejam estes os nossos sentimentos e atitudes nos vários reveses da vida!

Os mistérios gloriosos
Cônego Henrique Soares da Costa

Para começar, é importante compreender que todos os cinco mistérios gloriosos nada mais são que aspectos da ressurreição de Cristo; são como que efeitos e manifestações da glória do Cristo ressuscitado.

1. A Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo
Leitura: Mt 28,1-8; Mc 16,1-8; Lc 24,1-10; Jo 20,1-10
A primeira coisa a contemplar-se aqui é o próprio acontecimento em si: o Pai, na madrugada do primeiro dia após o sábado dos judeus, iniciou um novo tempo para a humanidade: ele derramou o seu Espírito Santo sobre o corpo e a alma de Jesus. Seu corpo estava no túmulo e sua alma, na mansão dos mortos, isto é, naquele estado de espera em que se encontrava toda a humanidade. Assim, em corpo e alma Jesus foi totalmente impregnado pelo Espírito Santo, totalmente transfigurado e divinizado na sua natureza humana (corpo e alma) igual à nossa. Ele agora é, mais que nunca, todo do Pai, todo com o Pai, todo na glória do Pai. Contemplar a ressurreição é enxergar desde já qual é o destino de nossa humanidade, de nosso corpo e de nossa alma!
O fato da ressurreição do Senhor faz-nos admirar a absoluta fidelidade do Pai, que nunca abandona quem a ele se confia. Na paixão parecia que o Pai ignorava o Filho, tinha-o abandonado... Mas, não: Deus o glorificou de um modo total, pleno, definitivo e eterno! Se Deus corrige, também salva; se fere, cura a ferida; se deixa morrer também ressuscita... A última palavra do Pai para o seu amado Filho não é a humilhação ou a morte, mas a vida e a ressurreição.
Dito isso, podemos contemplar a glória na qual Jesus se encontra. Aquele que vimos humilhado, estraçalhado pela dor, o sofrimento e a morte, agora vemo-lo totalmente glorificado e triunfante: “Eu sou o Primeiro e o Último, o vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da Norte e do Hades” (Ap 1,17b-18). Agora o Senhor já não mais pertence a este nosso mundo, com suas sombras e dores. Ele entrou num estado de vida definitiva: seu corpo e sua alma estão totalmente transfigurados. Ele já não sofre, não é tocado por privações, dores nem muito menos pela morte! As dimensões de tempo e espaço, as propriedades de nosso mundo material assim como o conhecemos já não têm nenhum efeito ou poder sobre Jesus. Ele, agora, é o Homem pleno, o homem perfeito, o Homem como Deus nos imaginou desde toda a eternidade! Jesus glorificado, é portanto, o nosso Destino, o nosso Modelo, a nossa Finalidade!
Ele, cheio do Espírito Santo, que é o Senhor e Doador da Vida, derrama este Espírito já pelos sacramentos e derramará, um dia, de modo pleno, sobre todos e cada um de nós e sobre toda a criação. É no Espírito de Cristo glorificado que nós mesmos e o universo inteiro seremos transfigurados na glória da eternidade. Então, a ressurreição de Jesus é a causa da nossa ressurreição e a sua glória é o início da nossa glorificação!

2. A Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo
Leitura: Mc 16,19-20; Lc 24,50-52; At 1,6-11
Antes de tudo, compreendamos o que significa a Ascensão: pela Ressurreição, Jesus foi glorificado em todo o seu ser. Mas, esta sua glória tem efeitos naquilo que Jesus representa para nós e para toda a criação. É este o mistério da Ascensão. Ele não somente foi glorificado, mas está à Direita do Pai (isto é, tem o mesmo poder do Pai, participa plenamente da autoridade do Pai sobre todas as coisas, sobre o mundo visível e invisível). Assim, ele é primeiramente Senhor da Igreja que, graças à ação do seu Espírito Santo, é o seu Corpo. Do céu, de modo incessante, o Filho glorioso vivifica a sua Igreja com a energia do Santo Espírito, dada sobretudo na celebração dos sacramentos. Então, seu primeiro senhorio glorioso se exerce sobre sua Igreja. Mas, não só: Cristo, glorificado, “sentado à Direita do Pai”, é Senhor de toda a criação, de todo o cosmo, dos anjos e dos homens; é também o Senhor do tempo e da eternidade e, portanto, Senhor da história humana. Aconteça o que acontecer no longo caminho da humanidade, tudo vai terminar diante de Cristo glorificado, como os rios terminam no mar! Assim, falar na Ascensão do Senhor, é também afirmar que ele é Juiz de tudo, Juiz dos vivos e dos mortos, Juiz de cada um de nós e também Juiz pleno e soberano de toda a história humana. Tudo será iluminado por ele: o que foi sinal e abertura para o seu reinado será transfigurado no Reino do Pai; o que não foi abertura e sinal do Reino que ele anunciou e inaugurou também não terá lugar no Reino de Deus por toda a eternidade!
Assim sendo, este mistério nos ensina ao abandono confiante nas mãos do nosso Senhor e Salvador. Aconteça o que acontecer conosco, venha o que vier na vida, poderemos olhar para Aquele que está no céu, humano como nós, glorioso como o Pai, vivificante como o Espírito, e podemos nos colocar em suas mãos benditas, podemos dizer: Senhor tu sabes tudo, tu podes tudo, para ti tudo se dirige! Senhor, eu me coloco em tuas mãos benditas, ó Cristo, nosso Deus e nosso Irmão! Em ti eu encontro a paz! Por que tenho medo, se nada mais é impossível para ti? Por que sinto tristeza, se nada mais foge de tuas mãos? Tu venceste a morte e nada mais é impossível para ti! No teu Espírito Santo tu estás entre nós e nada, nada é impossível para ti! Só tu és o Santo, só tu, o Senhor, só tu, o Altíssimo, Jesus Cristo, com o Espírito Santo na glória de Deus Pai!

3. A vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos e toda a Igreja
Leitura: At 2,1-41
Primeiro detenhamos sobre o evento salvífico em si, isto é, aquilo que o Senhor realizou para nossa salvação. Cinqüenta dias após a festa da Páscoa judaica, na qual Jesus havia morrido e ressuscitado, os judeus celebravam o Pentecostes. Esta celebração era antiga e tinha para os judeus um rico significado: recordava o dom da Lei, que Israel recebera ao pé do Sinai, cinqüenta dias após deixar o Egito; era também a festa das primícias, pois coincidia com o início da colheita do trigo, que era oferecido ao Senhor como primícias. Para a festa vinham judeus não somente residentes na Terra Santa, mas também aqueles espalhados pelo Império Romano, a grande maioria dos quais não sabia falar o aramaico, que se falava na Palestina. Foi, portanto, durante esta festa que o Espírito Santo, derramado de junto do Pai por parte de Jesus, caiu sobre os Doze, que simbolizavam naquele momento toa a Igreja. Eles, então tiveram uma impressionante experiência sensível: experimentaram no coração o consolo do Cristo ressuscitado, a coragem de proclamar com força a vitória e a salvação que Jesus nos adquiriu e tal experiência, manifestava-se num fato admirável: a pregação de Pedro, o Chefe da Igreja nascente, era compreendida por todos, cada qual na sua língua. A confusão iniciada em Babel, pelo orgulho humano, que desejava soberbamente subir até Deus, agora estava terminada pelo Dom de Deus, o Espírito, que misericordiosamente descia até o homem, enviado por Jesus! O sacrílego orgulho humano gerou e gera somente confusão; a misericórdia salvífica de Deus gerou e gera unidade e comunhão.
Agora, com o Pentecostes, fica claro aquilo que o Evangelho de São João já tinha mostrado desde a tarde do Domingo de Páscoa: que o Espírito do Ressuscitado estaria para sempre conosco, dando-nos vida nova, concedendo eficácia aos sacramentos e guiando-nos na missão de testemunhar Jesus (cf. Jo 20,19-23).
A partir do que ficou dito, avancemos na nossa contemplação:
(1) O Espírito é a nova Lei da nova e eterna aliança: Ele é Espírito de Amor, é o Amor pessoal entre o Pai e o Filho: “Como o Pai me amou (no Espírito), eu também vos amei (dando o Espírito). Permanecei no meu amor (no meu Espírito)” (Jo 15,9); “O amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito que nos foi dado” (Rm 5,5). Assim “quem ama cumpriu a Lei porque o amor é a plenitude da Lei” (Rm 13,8.10). Era isso que os profetas haviam anunciado uma nova aliança no Espírito; e essa Aliança nova e eterna, nascida da páscoa do Cristo , permanecerá para sempre na potência do Santo Espírito como aliança de amor.
(2) É isto também que significa que a Antiga Aliança, que estava expressa em preceitos, era uma aliança segundo a carne: era necessário ser judeu para dela participar. Agora, a Nova Aliança é no Espírito, porque a nova Lei é o próprio Espírito que em nós dá testemunho do senhorio de Jesus e da paternidade de Deus, inspirando-nos e impelindo no amor.
(3) Sendo a festa das primícias, o Pentecostes deixa claro que o Espírito Santo é a primícia (o primeiro fruto) da Páscoa do Senhor: a paixão, morte e ressurreição de Jesus nos obteve como dom o Espírito Santo!
(4) Agora, o Espírito vai guiando a Igreja no aprofundamento do conhecimento de Cristo e do seu mistério (por isso, a Igreja crescerá sempre na compreensão das verdades reveladas até que Cristo venha, pois o Espírito a conduzirá sempre à verdade plena); vai cada vez mais tornando-a mais santa pelos sacramentos no qual ele age tornando Cristo presente, vai sustentando a Igreja na missão de testemunhar Jesus pela palavra, pela vida de santidade dos seus filhos e, sobretudo pelo martírio. Então, deixar-se conduzir pelo Espírito é abrir-se à missão de viver e testemunhar Jesus onde estivermos!
(5) No Espírito, cumpre-se, finalmente, a promessa do Senhor, que tanto nos consola: “Eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos!” (Mt 28,20).

4. A Assunção corporal da Virgem Maria ao Céu
Leitura: 2Tm 2,8.11-12a; Ap 12,1
Que nos diz este mistério? Que a Virgem Maria, assim que terminou seu caminho neste mundo, não ficou na morte, mas de um modo que só Deus conhece, foi elevada ao céu na glória de Cristo, em corpo e alma. Assim aquela que perfeitamente sofreu com Cristo, perfeitamente reina com Cristo; aquela que, ao pé da cruz, perfeitamente morreu com Cristo, perfeitamente vive com Cristo! (cf. 2Tm 2,8.11). Por isso mesmo, a Igreja vê nela aquela Mulher totalmente vestido do Cristo, que é o Sol verdadeiro, tendo já sob os pés a lua, que simboliza as realidades deste nosso mundo que passa, que muda como as fases da lua!
Que nos ensina este mistério? Primeiro nos mostra a força e a eficácia da Páscoa do Cristo: Ele não somente é glorioso, mas é também glorificante! Na potência do seu Santo Espírito, ele nos encherá de glória. É isto que já fez de modo pleno na Virgem Maria. Por isso mesmo, este mistério do rosário nada mais é que a contemplação dos efeitos da glória de Cristo em Maria Virgem. Nós, desde o nosso batismo, recebemos o Espírito de glória, que vai crescendo em nós pelos sacramentos, sobretudo pela eucaristia. Deste modo, assim que morremos, somos glorificados de modo pleno na nossa alma e, no fim dos tempos, também nosso corpo será glorificado. Pois bem, na Virgem Maria, pela sua santa e imaculada conceição e pela perfeita união ao Cristo morto e ressuscitado, ela foi glorificada em todo o seu ser – corpo e alma – imediatamente após a sua morte. Nela, a manifestação da glória de Cristo já é plena; nela, já aparece de modo pleno e radioso aquilo que todos nós ainda esperamos. Ela é a única que já se encontrada ressuscitada também no seu corpo. Todos os outros santos esperam ainda a ressurreição da carne, mesmo se já estão na glória do céu com suas almas...
Notemos que este mistério só faz ressaltar o poder e a glória do Cristo, o Glorificante, aquele que nos enche da sua santa e eterna glória. É por isso que não se diz que a Virgem Maria teve uma ascensão (pois não foi ela própria que se elevou ao céu), mas uma assunção (ela foi elevada na glória do seu Filho. E esta glória é o próprio Santo Espírito, que é Senhor e Vivificador).
Deste modo, a Igreja e cada um de nós podemos olhar a Virgem como um claríssimo sinal de santa esperança, pois onde ela agora está, nós todos estaremos um dia, no Dia de Cristo, totalmente transfigurados nele. Por isso, sigamos o conselho de São Bernardo e, nas dores, incertezas e prantos da vida, invoquemos a Estrela, olhemos Maria, que já se encontra onde todos nós esperamos estar!

5. A coroação de Nossa Senhora no céu
Leitura: 2Tm 2,8.11-12a; Ap 12,1-2; Mt 2,11
Em geral este é o mistério menos compreendido de todo o rosário! Tem um sentido riquíssimo e, muitas vezes, ficamos em idéias superficiais, pensando que Nossa Senhora recebeu uma coroa em sua cabeça numa cerimônia determinada e, agora, manda em tudo. Nada disso é real, nada disso é o sentido deste mistério.
Primeiro: nunca esqueçamos que no Reino de Deus, reinar é servir! Dizer que Nossa Senhora é Rainha é afirmar que aquela que se designou e viveu como “a Serva do Senhor” (Lc 1,38) continua plenamente esse serviço, repetindo eternamente: “Fazei tudo o que ele vos disser!” (Jo 2,5). É assim que, Esposa do Espírito Santo, ela, imagem viva da Mãe Igreja, nos gera para Cristo em dores de parto (cf. Ap 12,2). Então, Maria é Rainha porque é Serva. Seu reinado não é fazer o que bem quer, mas querer somente a vontade do Senhor e nos ensinar a fazê-la plenamente, como ela mesma fez! Cumpre-se, portanto, a Palavra de Deus: se com Cristo sofrermos, com ele reinaremos (cf. 2Tm 2,12a). Aquela que morreu maternalmente de modo único e perfeito ao pé da cruz, agora reina maternalmente com o Senhor, no seu serviço real de nos ensinar, com seu exemplo e sua intercessão, a fazer sempre o que o Senhor quiser!
Mas, poderia alguém perguntar: como se pode chamar Nossa Senhora de Rainha, se ela não é esposa do Cristo-Rei? Ora, nas cortes do Oriente, não era a esposa do rei que tinha alguma autoridade e honra; era a mãe do rei, conhecida como ghebirá. Só para dar alguns exemplos, é interessante observar em 1Rs 1: quando Bersabéia é apenas esposa de Davi, prostra-se diante dele e chama-o de senhor; quando seu filho Salomão se torna rei, ela agora, como mãe do rei, tem outra autoridade: seu filho se prostra diante dela, conduz-la pela mão e assenta-a num trono ao lado do seu. É que agora ela era a ghebirá. Pode-se ver também que nos livros dos Reis, sempre que se dá o nome de um rei de Israel, indica-se o nome da rainha-mãe, a ghebirá...
Agora, contemplemos o que diz São Mateus: os magos chegam a Jerusalém, capital de Israel, vão ao palácio real e perguntam: “Onde está o Rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela e viemos homenageá-lo” (Mt 2,2.). Pois bem, esses magos vão encontrar o reizinho recém-nascido. Escutemos o encontro, descrito pelo evangelho com o protocolo real: “Ao entrar na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se o homenagearam” (Mt 2,11). Eles entram onde está o Rei e o encontram com a sua ghebirá! A Virgem é e será sempre rainha coroada com doze estrelas (cf. Ap 12,1). Doze é o número da Igreja e do antigo Israel. Nossa Senhora é rainha sim, porque serve perfeitamente, é a Mãe do Menino que nasceu para nós, do Filho que nos foi dado, e até o fim do mundo nos dará à luz Jesus, o seu menino, “o varão que irá reger todas as nações com um cetro de ferro” (Ap 12,5). Entremos, portanto, também nós: encontraremos sempre Jesus com Maria, sua Mãe; ajoelhemo-nos e adoremos para sempre o nosso bendito Salvador, a quem a honra e a glória, pelos séculos dos séculos. Amém.

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