quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Mistério da Santíssima Trindade

O Mistério da Santíssima Trindade



T. J. (Rio de Janeiro) :

“Em vista de um folheto divulgado entre nós, torna-se para mim um enigma a proposição de um Deus em três Pessoas. Parece-me muito mais um mito pagão do que uma verdade revelada na Bíblia”.

PROBLEMÁTICO (Rio de Janeiro) :

"Se uma das características da substância de Deus é a simplicidade absoluta, como conciliá-la com a tripersonalidade divina ?"



Ao falar da Santíssima Trindade, toca-se na realidade mais íntima da vida de Deus, que necessariamente há de ser um mistério. Se Deus «coubesse» todo dentro da exígua inteligência humana, seria realmente Deus ? Não ; seria exíguo como o próprio homem. De antemão, pois, é de prever que a sua natureza ultrapasse o alcance da nossa inteligência (sem, porém, lhe impor absurdo).



Vejamos, por conseguinte, sucessivamente os fundamentos revelados do mistério da Ssma. Trindade e a maneira como pode ser ilustrado. Concluir-se-á que tal mistério, longe de ser um enigma especulativo, constitui verdade sumamente bela e vital.



1) Os fundamentos bíblicos



A fim de evitar o perigo de politeísmo no povo israelita cercado de nações idólatras, a Revelação feita aos judeus inculcava o mais estreito monoteísmo, silenciando tudo que pudesse ser mal entendido no assunto.



Quando, porém, o Messias veio ao mundo na plenitude dos tempos, «manifestou o nome de Deus aos homens» (cf. Jo 17,6), isto é, disse-lhes que Deus é não somente Criador e Legislador, mas também Pai, o qual desde toda a eternidade vive em comunhão com o seu Filho Unigênito (segunda Pessoa Divina) no ósculo ou no Amor sagrado, que é o Espírito Santo (terceira Pessoa Divina). É essa paternidade que se estende a todo cristão no dia do seu Batismo.



Há explícitas fórmulas trinitárias no Novo Testamento, como Mt 28,19 ; Jo 14,26 ; 15,26 ; tenham-se em vista também as cenas da Anunciação, do Batismo de Jesus e da Transfiguração, em que se manifestam as três Pessoas Divinas (Lc 1,32-35 ; Mt 3,16; 17,1-5). Os textos do S. Evangelho em que Jesus professa subordinação ao Pai, se referem à santíssima humanidade, e não à natureza divina do Salvador (cf. Jo 5,30 ; 8,17 ; Mt 26,39).



Modernos historiadores das religiões têm asseverado origem pagã para a doutrina da Santíssima Trindade. Apontam o fato de que vários povos antigos professavam três deuses supremos ; os egípcios, por exemplo, conheciam Osiris ou Serapis (o Touro Sagrado), Isis (a Lua-Vaca) e Horus (o Filho); os babilônios, Anu, Enlil e Ea ; os budistas cultuam Dhama (a Lei), Budha (o Propagador da Lei), Sangha (o Fruto da propagação da Lei ou a união dos ascetas entre si), etc. Contudo tais autores não saberiam explicar como a concepção pagã entrou nas Escrituras do Novo Testamento ; vão seria afirmar, como querem alguns, que a Trindade só começou a ser professada pelos cristãos sob o Imperador Constantino no séc. IV ; os testemunhos do Evangelho e de São Paulo são demasiado explícitos no caso.



Em verdade, .não se pode provar influência da ideologia pagã sobre a concepção cristã. Ao contrário, a um .observador atento torna-se clara a divergência de mentalidades pressuposta pelas tríades pagãs e a Trindade cristã. Entre os pagãos, os três elementos constituem três deuses distintos, colocados no ápice de uma escala de muitos deuses ; desses três seres supremos, um é geralmente elemento feminino ou materno ; a trindade pagã vem a ser então a família humana transposta para o mundo dos deuses, refletindo por vezes o regime social ou econômico vigente em tal ou tal povo antigo ; outras vezes, as tríades pagãs implicam a personificação de forças da natureza. Em oposição a essas concepções, a doutrina cristã é essencialmente monoteísta, inculcando não menos a unidade de Deus do que a Trindade ; nunca, portanto, o cristianismo admitirá distinção entre as Pessoas Divinas tal que rompa a unidade divina; este traço revela bem que a Igreja católica se inspira de pressupostos totalmente diversos da mentalidade politeísta.



Explica-se sem dificuldade que os pagãos espontaneamente tendessem a conceber a existência de três deuses no ápice do mundo supremo. Com efeito, segundo a mística dos números (tão cara aos antigos), três é o número da perfeição (haja vista o triângulo equilátero, que está sempre em pé, sempre igual a si mesmo) ; era, por conseguinte, o número da divindade, por isto frequentemente associado a esta nas especulações do politeísmo. — Ao contrário, a Ssma. Trindade da Revelação cristã, como se verá adiante, nada tem que ver com a mística dos números, assaz arbitrária e subjetiva ; ela se radica em princípios muito mais profundos, derivados do conceito de Ser Perfeito ; em consequência, é principalmente usando da inteligência e desvencilhando-se de concepções religiosas infantis que os cristãos conseguem ilustrar o mistério da vida íntima de Deus. Tentemos fazê-lo no parágrafo abaixo.



2. A ilustração do dogma



Deus é espírito, à semelhança do qual a criatura humana (mais precisamente: a alma humana) foi feita (cf. Gên 1,26). Será, pois, pela consideração da alma humana que lograremos aproximar-nos do mistério da Ssma. Trindade.



Todo espírito possui duas faculdades características mediante as quais exerce a sua vida: a inteligência e a vontade. Pela inteligência conhecemos os objetos que estão fora de nós imprimem-nos uma semelhança de si, fecundando o nosso intelecto e levando-o a conceber ou gerar uma imagem (quase uma «chapa fotográfica») desses objetos; projetamos essa imagem ante a nossa inteligência e a contemplamos. É o que se chama «conceber uma ideia» ou «pronunciar uma palavra interior». Acontece, porém, que o conhecimento da verdade não pode deixar de suscitar o amor; passamos então a gravitar em torno do objeto conhecido, pondo em ação a nossa segunda faculdade espiritual que é a vontade. Ao passo que a inteligência como que atrai o objeto a si (pelo conhecimento recebemos uma semelhança do objeto), a vontade se deixa atrair ; tende a ir buscar e a possuir plenamente o objeto conhecido, para finalmente deleitar-se nele. Uma vez conseguido este deleite, dá-se por satisfeita e repousa. — Ora nossa vida humana consta de uma série de ciclos desse tipo ; dotados da capacidade de apreender o Infinito, aqui na terra só conhecemos objetos finitos ou conhecemos o Infinito (Deus) à semelhança das coisas finitas, de modo que nunca alcançamos a quietude definitiva; vamos sucessivamente conhecendo os aspectos da verdade, passamos a gravitar em torno deles, obtendo de cada vez algum deleite; este, porém, sendo finito, não nos sacia plenamente. Por conseguinte, sempre recomeçamos a conhecer e amar neste mundo. Somente no céu, onde os justos veem a Deus face a face, é que conhecimento e amor estão definitivamente estabilizados.



Pois bem. A atividade espiritual que se dá no homem com tanta imperfeição, verifica-se em Deus de maneira perfeita. Deus tem também o seu conhecimento e o seu amor. O conhecimento divino, porém, não é progressivo como o nosso, mas num só ato apreende a Verdade — a Verdade, que não é distinta de Deus, mas que é o próprio Deus, Assim Deus, num ato único, eterno como eterna é a vida divina, conhece a Si mesmo de maneira exaustiva; o que significa: num só ato concebe-Se ou pronuncia-Se a Si mesmo na eternidade, o produto dessa concepção não é uma imagem parcelada da verdade, como em nós, mas é a própria Verdade, o próprio Deus a subsistir diante de Deus; é Pessoa Divina, como o sujeito do conhecimento é Pessoa Divina. A esta segunda Pessoa a S. Escritura dá o nome de Logos (Palavra, Imagem mental) ou de Filho (já que todo filho é a expressão subsistente de seu genitor), ficando o titulo de Pai reservado à primeira Pessoa.



Contemplando a sua infinita Perfeição, Deus não pode deixar de comprazer-se em Si. Ora esta complacência é outro ato em que Deus se afirma com toda a sua perfeição; é o Amor de Deus ou Deus que ama; é o Amor subsistente que vincula o Pai ao Filho e o Filho ao Pai, rematando (por assim dizer) o processo da vida divina, A esta terceira Pessoa a Escritura d& o nome de Espírito Santo.



Faz-se mister ainda notar as duas seguintes notas das «processões» divinas (assim se chamam os dois atos característicos da vida divina):



a) elas não implicam divisão da infinita. Perfeição ou da Substância de Deus ; esta fica" sendo uma só e a mesma, afirmando-se, porém, três vezes. Destarte a Trindade de Pessoas não derroga cm absoluto à unidade e simplicidade da natureza divina. As três pessoas só diferem entre si por aspectos relativos, não por títulos absolutos, isto ê, diferem porque a primeira é Deus que concebe e a segunda é Deus mesmo que corresponde a este ato de conceber ; por sua vez, a terceira Pessoa é Deus que corresponde ao ato de amor emitido pelo Pai e o Filho. As três Pessoas, portanto, têm (ou são) toda a Perfeição Divina, que se diversifica apenas por três modos de subsistir ; e esses três modos se apelam mutuamente, são correlativos e inseparáveis entre si, mas não se podem identificar uns com os outros, porque os termos correlativos, por definição, se opõem um ao outro (todo pai, na medida em que é pai, se distingue de seu filho, embora só seja pai caso exista o filho).



b) As processões em Deus se verificam sem sucessão cronológica nem subordinação; nossa pobre linguagem, porém, nos leva a falar, como se entre elas houvesse anterioridade e posterioridade. Desde que Deus existe, isto é, desde toda a eternidade, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo ; a geração e o deleite amoroso são a própria vida de Deus, não são atos adventícios a ela. Vê-se assim que tão necessária e essencialmente como Deus é uno, Deus também é trino ; vê-se outrossim que Deus não poderia subsistir nem em duas, nem em quatro ou cinco Pessoas, mas é muito logicamente uno e ao mesmo tempo trino» A Trindade não é menos necessária do que a unidade em Deus.



«Ser em três Pessoas», Pai, Filho e Espírito Santo, é na realidade a mesma coisa que «ser Deus», embora a nossa inteligência não perceba logo a equivalência destas proposições. Se podemos separar os dois enunciados, isto se dá porque conhecemos a Deus indiretamente, através das criaturas, no regime da fé ; no céu, porém, perceberemos claramente o fundamento da sinonímia.





Dom Estêvão Bettencourt (OSB)

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