sexta-feira, 3 de maio de 2013

Legenda Perusiana 86-90.

[86]

Mas aconteceu que, quando se aproximou o tempo adequado para tratar da doença dos olhos, o bem-aventurado Francisco saiu daquele lugar, embora estivesse muito doente dos olhos.

Levava na cabeça uma espécie de capuz grande, como os frades tinham feito para ele, e um pano de lã e linha costurado no capuz na frente dos olhos, porque não podia olhar e ver a luz do dia por causa das grandes dores provenientes da doença dos olhos. E os companheiros levaram-no em uma montaria para o eremitério de Fonte Colombo, perto de Rieti, para ter uma consulta com um médico de Rieti que sabia medicar a doença dos olhos. Quando foi lá, o médico disse ao bem-aventurado Francisco que queria fazer uma cauterização desde o maxilar até o supercílio de seu olho, que era mais doente que o outro. Mas o bem-aventurado Francisco não queria começar o tratamento antes que chegasse Frei Elias.

Como o esperaram e não veio, porque, por muitos impedimentos que teve, não pôde vir, ele também duvidava se devia começar o tratamento. Mas, forçado pela necessidade, principalmente por obediência ao senhor bispo de Óstia e do ministro geral, propô-se a obedece-los, embora fosse muito duro para ele que tivessem tantas solicitudes por sua causa. Por isso queria que seu ministro tomasse a decisão.

Depois, uma noite, como não pudesse dormir por causa das dores de sua doença, com piedade e compaixão por si mesmo, disse a seus companheiros: “Caríssimos irmãos e filhos meus, que não vos aborreça nem seja pesado trabalhar pela minha doença, porque o Senhor, por mim, seu pequeno servo, vai restituir-vos todo o fruto de vossas ações neste século e no que vem pelo que não puderdes fazer por vossa solicitude e enfermidade. Vós até tereis um lucro maior por isto do que os que ajudam toda a religião e a vida dos frades. Até podeis também dizer-me: Fazemos nossas despesas por ti e o Senhor vai ficar nosso devedor.

Mas o santo pai dizia essas coisas para ajudar e levantar a pusilanimidade e a fraqueza do espírito deles, para que não acontecesse que, alguma vez, tentados por causa daquela trabalho, viessem a dizer: “Nós não somos capazes de rezar nem de tolerar tanto trabalho”, e não se tornassem tediosos e pusilânimes, perdendo assim o fruto do trabalho.

E aconteceu que, um dia, veio o médico, trazendo o ferro com fazia cauterizações para a doença dos olhos; mandou fazer fogo para esquentar o ferro e, quando o fogo foi aceso, colocou nele o ferro. O bem-aventurado Francisco, para dar força ao seu espírito e não se assustar, disse ao fogo: “Meu irmão fogo, nobre e útil entre as outras criaturas que o Altíssimo criou, sê cortês comigo nesta hora, porque outrora eu te amei e ainda amarei por amor daquele Senhor que te criou. Também suplico ao nosso Criador, que te criou, que tempere teu calor de tal forma que eu possa suporta-lo”. Quando acabou a oração, fez o sinal da crua sobre o fogo.

Mas nós que estávamos com ele fugimos todos, por piedade e compaixão com ele, deixando o médico sozinho com ele. Feita a cauterização, voltamos para junto dele. Ele nos disse: “Medrosos e de pouca fé, por que fugisteis? Na verdade eu vos digo que não senti nenhuma dor nem o calor do fogo; até, se não está bem cozido, pode cozinhar melhor!”.

O médico ficou muito admirado com isso, tendo-o por um grande milagre, porque ele não se mexeu nem um pouco. E o médico disse: “Meus irmãos, eu vos digo que, com a experiência que tenho de algumas pessoas, temo que não poderia suportar uma cauterização tão grande não só uma pessoa fraca e doente, mas mesmo alguém que fosse forte e corporalmente sadio”.

Pois a cauterização foi longa, começando perto da orelha e chegando até o supercílio do olho, por causa do líquido que escorria do olho todos os dias, dia e noite, por muitos anos. Por isso foi necessário, de acordo com o pensamento daquele médico, que todas as veias da orelha até o supercílio do olho, fossem cortadas, o que era totalmente contrário de acordo com a opinião dos outros médicos; e essa era a verdade, porque de nada lhe adiantou. Do mesmo jeito, um outro médico furou-lhe as duas orelhas, e também não lhe adiantou nada. E não é de admirar se o fogo e outras criaturas às vezes o veneravam: porque, como vimos nós que estivemos com ele, amava-as e as venerava com tanto afeto de caridade.

E se deleitava tanto com elas, e seu espírito tinha tamanha compaixão e piedade por elas que se perturbava quando alguém não as tratava bem. E também conversava com elas com alegria interior e exterior, como se sentissem, entendessem e falassem de Deus, de forma que, muitas vezes, quando fazia isso, era arrebatado na contemplação de deus. Pois, uma vez, quando estava sentado perto do fogo, sem que ele percebesse, o fogo invadiu seus panos de linho que cobriam a perna. Quando sentiu o calor do fogo e o seu companheiro viu que o fogo estava queimando seus panos, correu para apagá-lo. Mas ele lhe disse: “Irmão caríssimo, não queira fazer mal ao irmão fogo”. E assim não lhe permitiu de modo algum que o apagasse.

Mas ele foi na mesma hora ao frade que era seu guardião, levou-o a ele, e assim, contra a vontade dele, começou a apagar o fogo. Ele não queria que apagassem as velas, as candelas, as lâmpadas ou o fogo, como se costuma fazer quando é necessário, tanta era a piedade e afeto que tinha por ele. Também não queria que o irmão jogasse fora fogo ou lenha fumegante, como é costume fazer muitas vezes, mas queria que os colocasse delicadamente no chão, por reverência Àquele de quem é criatura.



[87]

Outra vez, quando vez uma quaresma no Monte Alverne, um dia, quando o seu companheiro, na hora de comer, acendeu fogo na cela onde ele comia, deixou o fogo aceso e foi para junto do bem-aventurado Francisco na cela onde rezava e dormia, de acordo com o costume, para ler para si mesmo o santo Evangelho que se dizia na missa daquele dia; porque o bem-aventurado Francisco, quando não podia ir à Missa, sempre queria ouvir o Evangelho daquele dia antes de comer.

Quando o bem-aventurado Francisco veio comer na cela onde estava aceso o fogo, a chama do fogo já tinha subido até o alto da cela e ela estava queimando. Seu companheiro começou a apagar o fogo, como podia, mas sozinho não conseguia. E o bem-aventurado Francisco não quis ajudá-lo; pegou uma pele com que se cobria de noite e foi para o bosque. Os frades do lugar, embora permanecessem longe da cela, porque a cela ficava afastada do lugar dos frades, quando perceberam que a cela ardia, foram e apagaram o fogo. Depois o bem-aventurado Francisco voltou para comer. Depois da refeição, disse a seu companheiro: “Não quero mais me cobrir com esta pele porque por avareza não quis que o irmão fogo a comesse”.



[88]

Também, quando lavava as mãos, escolhia um lugar em que aquela água usada não fosse pisada pelos pés. Quando precisava andar sobre pedras, fazia-o com temor e reverência, por amor daquele que é chamado de Pedra. Por isso, quando dizia aquele versículo do Salmo onde se lê: Exaltaste-te sobre a pedra ((cfr. Sl 60,3), por grande reverência e devoção dizia: “Exaltaste-me sob os pés da Pedra”.

Também dizia para o frade que cortava lenha para o fogo que não cortasse a árvore inteira, mas que as cortasse de tal modo que uma parte fosse cortada e outra ficasse. Também deu essa ordem a um frade do lugar onde ele morava. Também dizia ao frade que cuidava da horta que não cultivasse toda a terra da horta só para ervas comestíveis, mas deixasse uma parte de terra para produzir ervas viçosas que, a seu tempo, produzissem flores para os frades. Dizia até que o irmão hortelão devia fazer um bonito canteiro, em algum canto da horta, pondo e plantando aí de todas as plantas odoríferas e todas as plantas que produzem flores bonitas, para que, a seu tempo, convidassem os que as viam ao louvor de Deus, porque toda criatura diz e clama: “Deus me fez por tua causa, ó homem”.

Por isso nós que estivemos com ele costumávamos vê-lo sempre alegre, interior e exteriormente, com quase todas as criaturas, tocando-as e olhando-as com prazer, que seu espírito não parecia estar na terra mas no céu. E isso é manifesto e verdadeiro, porque por causa das muitas consolações que teve e tinha por causa das criaturas de Deus, um pouco antes de sua morte compôs e fez uns Louvores do Senhor por suas criaturas, para animar os corações dos ouvintes para o louvor de deus e para que o Senhor fosse louvado por todos em suas criaturas.



[89]

Nesse mesmo tempo, uma mulher pobrezinha de Machilone foi a Rieti por causa de uma doença dos olhos. Certo dia, quando o médico veio ao bem-aventurado Francisco, disse-lhe: “Irmão, uma mulher doente dos olhos veio me procurar; mas é tão pobrezinha que tenho que ajuda-la por amor de Deus e pagar suas despesas”.

Ouvindo isso, o bem-aventurado Francisco ficou com pena dela, chamou um de seus companheiros, que era o guardião, e lhe disse: “Irmão guardião, temos o que devolver o que é dos outros”. Ele disse: “O que é, irmão?”. E ele: “Temos que devolver esta capa que recebemos emprestada daquela mulher pobrezinha e doente dos olhos”. Disse-lhe o guardião: “Irmão, faz o que te parecer melhor”. O bem-aventurado Francisco chamou alegremente um homem espiritual, que era muito familiar, e lhe disse: “Pega esta capa, e com ela doze pães, e vai disser isto àquela mulher pobrezinha e enferma, que o médico que cuida dela vai te mostrar: O homem pobre a quem emprestastes este manto te agradece pelo empréstimo do manto que lhe fizeste; pega o que é teu”.

Ele foi e falou tudo como o bem-aventurado Francisco tinha dito. Mas a mulher, pensando que estava sendo enganada, disse-lhe com medo e vergonha: “Deixa-me em paz, não sei do que falas”. Mas ele colocou o manto e os doze pães na mão dela. Quando a mulher viu que estava falando a verdade, recebeu-o com tremor e agitação do coração e, com medo de que lhe tirassem, levantou-se ocultamente de noite e voltou alegre para sua casa. O bem-aventurado Francisco tinha até dito ao seu guardião que, enquanto estivesse lá, fizesse-lhe os pagamentos por amor de Deus.

Por isso, nós que estivemos com o bem-aventurado Francisco damos testemunho dele, que era de tão grande caridade e piedade em sua saúde {e enfermidade] não só com seus frades mas também com os pobres, sãos e doentes. A ponto de dar aos outros, com muita alegria interior e exterior, o que era necessário a seu corpo, e que os frades às vezes adquiririam com muita solicitude e devoção, agradando-nos primeiro para que não ficássemos perturbados, mas tirando do seu corpo ainda que lhe fosse muito necessário. E por isso o ministro geral e o guardião mandaram-lhe que não desse sua túnica a nenhum frades, sem sua licença; porque os frades, pela devoção que lhe tinham, às vezes pediam e ele dava na mesma hora. Ou então, ele mesmo, vendo algum frade enfermiço, ou mal vestido, às vezes dava-lhe a túnica, às vezes dividia-a e dava uma parte, guardando a outra parte para si, porque não usava nem queria ter a ser uma única túnica.



[90]

Daí que em certo tempo, quando ia pregando por certa província, aconteceu que dois frades franceses se encontrassem com ele e receberam dele a maior consolação. Mas no fim pediram sua túnica, “por amor de deus”, por devoção. Ele, assim que ouviu falar em amor de Deus, despiu a túnica, ficando despido por cerca de uma hora. Porque ra costume do bem-aventurado Francisco, quando alguém dizia: “Dá-me a túnica ou o cordão por amor de Deus”, ou outra coisa que tivesse, dava na mesma hora, por reverência àquele Senhor, que é chamado de Amor. Até ficava muito aborrecido e repreendia os frades quando os ouvia falar no amor de Deus por qualquer coisa. Pois dizia: “Tão altíssimo é o amor de Deus, que raramente e só em grande necessidade deveria ser nomeado com muita reverência”.

Mas um deles despiu sua túnica e lha deu. Pois muitas vezes ele sofria muita necessidade e tribulação por causa disso, quando dava sua túnica ou uma parte dela a alguém, porque não podia encontrar ou mandar fazer outra tão depressa. Principalmente porque queria sempre usar e ter uma túnica pobrezinha, de retalhos, e algumas vezes queria que fosse remendada por dentro e por fora. Porque raramente ou nunca queria ter ou usar uma túnica de pano novo, mas adquiria de algum frade a sua túnica, que tinha usado por muitos dias, e também às vezes recebia de um frade uma parte da túnica e, de outro, outra.

Mas às vezes remendava-a por dentro com pano novo por causa de suas muitas doenças e friezas. E manteve e observou esse modo de pobreza em suas roupas até o ano em que migrou para o Senhor. Pois poucos dias antes de sua morte, porque era hidrópico q quase todo ressecado, e por causa de muitas outras doenças que tinha, os frades fizeram-lhe diversas túnicas, para poderem trocá-las de dia e de noite, quando fosse necessário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Infelizmente, devido ao alto grau de estupidez, hostilidade e de ignorância de tantos "comentaristas" (e nossa falta de tempo para refutar tantas imbecilidades), os comentários estão temporariamente suspensos.

Contribuições positivas com boas informações via formulário serão benvindas!

Regras para postagem de comentários:
-
1) Comentários com conteúdo e linguagem ofensivos não serão postados.
-
2) Polêmicas desnecessárias, soberba desmedida e extremos de ignorância serão solenemente ignorados.
-
3) Ataque a mensagem, não o mensageiro - utilize argumentos lógicos (observe o item 1 acima).
-
4) Aguarde a moderação quando houver (pode demorar dias ou semanas). Não espere uma resposta imediata.
-
5) Seu comentário pode ser apagado discricionariamente a qualquer momento.
-
6) Lembre-se da Caridade ao postar comentários.
-
7) Grato por sua visita!

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

Pesquisar: