sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Legenda Perusina 41-45.

[41]

Afirmava que os frades menores tinham sido enviados pelo Senhor nos últimos tempos para darem exemplos de luz aos que estavam envolvidos pela escuridão dos pecados. Dizia que se enchia de suavíssimos odores e pela virtude de preciosos ungüentos quando ouvia contar os feitos dos santos frades espalhados pelo mundo. Aconteceu que certo frade, uma vez, diante de um senhor nobre da ilha de Chipre, lançou uma palavra de injúria contra um outro frade. O qual, quando viu que o irmão estava um tanto ferido pela ferida da palavra, pegou esterco de asno e, aceso pela vingança de si mesmo, enfiou-o na própria boca para mastigá-lo, dizendo: ”Mastigue esterco a língua que derramou o veneno da ira sobre o meu irmão”. Vendo isso, aquele homem, atônito, foi embora muito edificado, e a partir daí ofereceu a si e suas coisas à vontade dos frades. Isso todos os frades observavam infalivelmente por costume: se algum deles lançasse sobre o outro uma palavra de perturbação, prostrava-se por terra para acariciar com beijos o pé do ofendido, mesmo que não quisesse. O santo exultava com essas coisas quando ouvia que seus filhos davam exemplos de santidade por si mesmos, acumulando de bênçãos digníssimas por todos os títulos esses frades que por palavra ou obra levavam os pecadores ao amor de Cristo. Pelo zelo das almas, de que estava perfeitamente repleto, queria que seus filhos correspondessem a ele por verdadeira semelhança.



[42]

Perto do fim de sua vocação para o Senhor, disse-lhe um frade: “Pai, tu vais passar, e a família que te seguiu vai ser deixada no vale das lágrimas. Indica alguém, se o conheceres na Ordem, em quem teu espírito repouse, a quem se possa impor com segurança a carga do ministério geral”. São Francisco respondeu, vestindo todas as palavras com suspiros: “Filho, não vejo um comandante para um exército tão variado, nenhum pastor para tão amplo rebanho. Mas quero descrever para vós um em que reluza como deva ser o pai desta família”. “Deve ser um homem, disse, de vida gravíssima, de grande discrição, de fama louvável. Um homem que não tenha amizades particulares, para não causar escândalo no todo enquanto gosta mais de uma parte. Um homem que seja amigo do esforço da santa oração, que reserve certas horas para a alma e outras para o rebanho que lhe foi confiado. Pois logo cedinho deve começar com os sacramentos da missa e, numa longa oração, encomendar a si mesmo e o rebanho à proteção divina. Mas depois da oração ponha-se em público para ser depilado por todos, para responder a todos, para prover a todos com mansidão. Um homem que, por acepção de pessoas, não tenha um ângulo sórdido, diante de quem não valha menos o cuidado dos menores e dos simples que o dos sábios e maiores. Um homem a que, se lhe tiver sido dado o dom de se destacar pelo dom da literatura, carregue ainda mais em seus costumes a imagem da piedosa simplicidade, e fomente a virtude. Um homem que execre o dinheiro, principal corrupção da nossa profissão e perfeição, e que, como cabeça de nossa religião, apresentando-se aos outros para ser imitado, jamais abuse de pecúlio algum”.



[43]

“Para ele deveria bastar, dizia, ter para si o hábito e o caderninho, e para os frades um porta-penas e o selo. Não seja amontoador de livros, nem muito entregue à leitura, para não tirar do seu encargo e que privilegia para o estudo. Um homem que console os aflitos, por ser o último refúgio dos atribulados, para que não venha a prevalecer nos enfermos a doença do desespero se faltarem junto dele os remédios para a saúde. Para dobrar à mansidão os atrevidos, prosterne-se, ceda alguma coisa a que tem direito para lucrar a alma para Cristo. Não feche as entranhas da piedade para os egressos da Ordem, como para ovelhas que pereceram, sabendo que as tentações são muito fortes, e podem levar a uma queda tão grande”. “Quisera que ele fosse por todos honrado no lugar de Cristo, e que em tudo lhe provessem com a benevolência de Cristo. Na verdade, convém que não se alegre com as honras, nem se deleite mais com os favores que com as injúrias. Se alguma vez precisar comer mais, assuma-o em lugares públicos e não nos escondidos, para que os outros não fiquem com vergonha de cuidar de seus corpos. Cabe principalmente a ele distinguir as consciências escondidas e fazer brotar a verdade dos veios mais ocultos. Não falhe de maneira alguma na forma viril de justiça, Virilem formam iustitie nullatenus labefactet, pois sinta tão grande cargo mais como um pêso que como uma honra. Entretanto, não nasça a moleza da mansidão supérflua, nem a dissolução da disciplina de uma indulgência relaxada, de modo que, com amor por todos, não deixe de ser terror para os que fazem o mal”. “Quero que eles tenham companheiros dotados de honestidade, que a ele e entre si dessem exemplo de todos os bens; firmes diante das angústias, afáveis como é conveniente, e que recebessem com jovialidade todos os que chegassem.. Eis, disse, como deveria ser o ministro geral”.



[44]

Interrogado uma vez por que tinha assim rejeitado todos os frades do seu cuidado, entregando-os a outras mãos, como se não lhes pertencessem, respondeu: “Filho, amo os frades como posso; mas, se seguissem meus vestígios, certamente os amaria mais e não ficaria alheio a eles. Pois há alguns entre os prelados que os arrastam para outras coisas, propondo-lhes exemplos dos antigos e fazendo pouco dos meu avisos. Mas no fim vai ser visto o que estão fazendo”. Pouco depois, quando foi oprimido por doença demasiada, em sua cama dirigiu com veemência de espírito dizendo: “Quem são esses que arrebataram de minhas mãos a minha religião e os meus irmãos? Se eu for ao capítulo geral, vou lhes mostrar qual é minha vontade”.



[45]

O bem-aventurado Francisco não se envergonhava de pedir carne para um frade doente nos lugares públicos das cidades. Mas admoestavam o que se sentiam mal a sofrer com paciência as privações, e a não criarem escândalo se não fizessem tudo que queriam. Por isso fez escrever estas palavras numa das Regras: “Rodo a todos os meus irmãos doentes que, em suas doenças, não se irem ou perturbem contra o Senhor ou contra os frades, Não peçam remédios com muita insistência; nem desejem demasiadamente libertar a carne, que logo vai morrer, e que é inimiga da alma. Dêem graças por tudo, e desejem ser como Deus quer que sejam. Pois Deus ensina com os estímulos dos flagelos e das doenças aqueles que Ele preordenou para a vida eterna, como Ele mesmo disse: repreendo e castigo os que amo (cfr. Heb 12,6; Apoc 3,19)”.

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