sexta-feira, 31 de julho de 2009

Comunismo: falsidade, ilusão e ódio entre pessoas.


CARTA ENCÍCLICA DE SUA SANTIDADE PIO XI
SOBRE O COMUNISMO ATEU
(19 de março de 1937)
Introdução
I - ATITUDE DA IGREJA PERANTE O COMUNISMO
Condenações anteriores
Atos do presente Pontificado
Necessidade de um novo documento solene
II - DOUTRINA E FRUTOS DO COMUNISMO
Doutrina
Falso ideal
Materialismo evolucionista de Marx
A que se reduzem o homem e a família
Em que se converteria a sociedade
Difusão
Promessas facinadoras
O liberalismo preparou o caminho ao comunismo
Propaganda astuta e vastíssima
Conspiração do silêncio na imprensa
Conseqüência: a perseguição anticristã
Rússia e México
Horrores do comunismo em Espanha
Frutos naturais do sistema
Luta contra tudo que é divino
O terrorismo
Um pensamento paternal para os povos oprimidos da Rússia
III - LUMINOSA DOUTRINA DA IGREJA, OPOSTA AO COMUNISMO
Suprema realidade: Deus!
Que são o homem e a família, segundo a razão e a fé
Que é a sociedade
Mútuos direitos e deveres entre o homem e a sociedade
A ordem econômico-social
Hierarquia social e prerrogativas do Estado
Beleza desta doutrina da Igreja
Será verdade que a Igreja não procedeu segundo a sua doutrina?
IV - REMÉDIOS E MEIOS
Necessidade de recorrer a meios de defesa
Renovação da vida cristã
Remédio fundamental
Desapego dos bens terrenos
Caridade Cristã
Deveres de estrita justiça
Justiça social
Estudo e difusão da doutrina social
Premunir-se contra as ciladas do comunismo
Oração e penitência
V - MINISTROS E AUXILIARES DESTA OBRA SOCIAL DA IGREJA
Os sacerdotes
A ação católica
Organizações auxiliares
Organizações de classe
Apelo aos operários católicos
Necessidade da concórdia entre os católicos
Apelo a todos os que crêem em Deus
Deveres do estado cristão
Ajudar a Igreja
Providências do bem comum
Prudente e sóbria administração
Deixar liberdade à Igreja
Apelo paterno aos transviados
Conclusão
São José, modelo e patrono
INTRODUÇÃO
1. A promessa dum Redentor divino ilumina a primeira página da história da humanidade; e assim a firmíssima esperança de melhores dias, assim como suavizou a dor causada pela perda do paraíso de delícias, assim foi acompanhando os homens através do seu caminho de amarguras e inquietações, até que enfim, quando chegou a plenitude do tempo, o nosso Salvador, vindo à terra, cumulou as ânsias dessa tão longa expectação da humanidade e inaugurou para todos os povos uma nova civilização cristã, que vence e quase imensamente supera a que algumas nações mais privilegiadas atingiram, à custa dos maiores esforços e trabalhos.
2. Depois da miserável queda de Adão, como conseqüência dessa mácula hereditária, começou a travar-se o duro combate da virtude contra os estímulos dos vícios; e jamais cessou aquele antigo e astuto tentador de enganar a sociedade com promessas falazes. É por isso que, pelos séculos afora, as perturbações se têm sucedido umas às outras até à revolução dos nossos dias, a qual ou já surge furiosa ou pavorosamente ameaçada atear-se em todo o universo e parece ultrapassar em violência e amplitude todas as perseguições que a Igreja tem padecido; a tal ponto que povos inteiros correm perigo de recair em barbárie, muito mais horrorosa do que aquela em que jazia a maior parte do mundo antes da vinda do divino Redentor.
3. Vós, sem dúvida, Veneráveis Irmãos, já percebestes de que perigo ameaçador falamos: é do comunismo, denominado bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da civilização cristã.
I - ATITUDE DA IGREJA PERANTE O COMUNISMO
Condenações Anteriores
4. Mas diante destas ameaçadoras tentativas, não podia calar-se nem de fato se calou a Igreja Católica. Não se calou esta Sé Apostólica, que muito bem conhece que tem por missão peculiar defender a verdade, a justiça e todos os bens imortais, que o comunismo despreza e impugna. Já desde os tempos em que certas classes de eruditos pretenderam libertar a civilização e cultura humanística dos laços da religião e da moral, os Nossos Predecessores julgaram que era seu dever chamar a atenção do mundo, em termos bem explícitos, para as conseqüências da descristianização da sociedade humana. E pelo que diz respeito aos erros dos comunistas, já em 1846, o Nosso Predecessor de feliz memória, Pio IX, os condenou solenemente, e confirmou depois essa condenação no Sílabo. São estas as palavras que emprega na Encíclica Qui pluribus: “Para aqui (tende) essa doutrina nefanda do chamado comunismo, sumamente contrária ao próprio direito natural, a qual, uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das propriedades de todos e da própria sociedade humana” (Encíclica Qui pluribus, 9 de novembro de 1846: Acta Pii IX, vol. I, pág. 13. Cf. Sílabo, IV: A.A.S., vol. III, pág. 170). Mais tarde, outro Predecessor Nosso de imortal memória, Leão XIII, na sua Encíclica Quod Apostolici muneris (28 de dezembro de 1878: Acta Leonis XIII, vol. I, pág. 40), assim descreveu distinta e expressamente esses mesmos erros: “Peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo”; e com a clarividência do seu espírito luminoso demonstrou que o movimento precipitado das multidões para a impiedade do ateísmo, numa época em que tanto se exaltavam os progressos da técnica, tivera origem nos desvarios duma filosofia que de há muito porfia por separar a ciência e a vida da fé da Igreja.
Atos do Presente Pontificado
5. Nós também no decurso do Nosso Pontificado, com insistente solicitude fomos várias vezes denunciando as correntes desta impiedade que víamos crescendo e rugindo cada vez mais ameaçadoras. Efetivamente, quando em 1924 voltava da Rússia a Nossa missão de socorro, numa alocução especial dirigida ao universo católico (18 de dezembro de 1924: A.A.S., vol. XVI (1924), págs. 494-495), condenamos os erros e processos dos comunistas. E pelas Encíclicas Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928: A.A.S., vol. XX (1928), págs. 165-178), Quadragesimo Anno (15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228), Caritate Christi (3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 177-194), Acerba animi (29 de setembro de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 321-332), Dilectissima Nobis (3 de junho de 1933: A.A.S., vol. XXV (1933), págs. 261-274), levantamos a voz em solenes protestos contra as perseguições desencadeadas contra o nome cristão, tanto na Rússia, como no México, como finalmente na Espanha. E estão ainda bem frescas na memória as alocuções por Nós pronunciadas, o ano passado, quer por ocasião da inauguração da Exposição mundial da Imprensa Católica, quer na audiência concedida aos refugiados espanhóis, quer também em Nossa Mensagem radiofônica pela festa do santo Natal. Até os mais encarniçados inimigos da Igreja, que desde Moscou, sua capital, dirigem esta luta contra a civilização cristã, até eles mesmos, com seus ataques ininterruptos, dão testemunho, não tanto por palavras como por atos, que o Sumo Pontificado, ainda em nossos tempos, não só não cessou de tutelar com toda a fidelidade o santuário da religião cristã, mas tem dado voz de alarme contra o enorme perigo comunista, com mais freqüência e maior força persuasiva que nenhum outro poder público deste mundo.
Necessidade de Um Novo Documento Solene

6. Não obstante, posto que temos renovado tão repetidamente estas paternais advertências, que vós, Veneráveis Irmãos, em tantas cartas pastorais, algumas delas coletivas, diligentemente comentastes e transmitistes aos fiéis, ainda assim este perigo, com o impulso de hábeis agitadores, mais e mais se vai agravando de dia para dia. É por isso que julgamos dever Nosso levantar de novo a voz; e fá-lo-emos por meio deste documento de maior solenidade, como é costume desta Sé Apostólica, mestra da verdade; e com tanto maior satisfação o faremos, quando é certo que assim correspondemos aos desejos de todo o universo católico. Confiamos até que o eco da nossa voz será acolhido de bom grado por todos aqueles que, de espírito liberto de preconceitos, desejem sinceramente o bem da humanidade. Esta nossa confiança vem em certo modo aumentá-la o fato de vermos estas Nossas admoestações confirmadas pelos péssimos frutos, que Nós prevíramos e anunciáramos haviam de brotar das idéias subversivas, e que de fato se vão pavorosamente multiplicando nas regiões já dominadas pelo comunismo, ou ameaçam invadir rapidamente os outros países do mundo.
7. Queremos, pois, mais uma vez expor, como em breve síntese, os sofismas teóricos e práticos do comunismo, como eles se manifestam principalmente nos princípios e métodos da ação do bolchevismo: a esses sofismas, todos falsidade e ilusão, contrapor a luminosa doutrina da Igreja; e de novo exortar a todos insistentemente a lançar mãos dos meios, com que é possível não somente livrar e salvaguardar deste horrendo flagelo a civilização cristã, a única em que pode subsistir uma sociedade verdadeiramente humana, mas ainda fazê-la avançar, a passo cada dia mais acelerado, para o genuíno progresso da humanidade.
II - DOUTRINA E FRUTOS DO COMUNISMO
DOUTRINA
Falso ideal
8. A doutrina comunista que em nossos dias se apregoa, de modo muito mais acentuado que outros sistemas semelhantes do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. E um pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho de tal modo impregna toda a sua doutrina e toda a sua atividade dum misticismo hipócrita, que as multidões seduzidas por promessas falazes e como que estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo irreprimível, o que é muito mais fácil em nossos dias, em que a pouco eqüitativa repartição dos bens deste mundo dá como conseqüência a miséria anormal de muitos. Proclamam com orgulho e exaltam até esse pseudo-ideal, como se dele se tivesse originado o progresso econômico, o qual, quando em alguma parte é real, tem explicação em causas muito diversas, como, por exemplo, a intensificação da produção industrial, introduzida em regiões que antes nada disso possuíam, a valorização de enormes riquezas naturais, exploradas com imensos lucros, sem o menor respeito dos direitos humanos, o emprego enfim da coação brutal que dura e cruelmente força os operários a pesadíssimos trabalhos com um salário de miséria.
Materialismo evolucionista de Marx
9. Ora, a doutrina que os comunistas em nossos dias espalham, proposta muitas vezes sob aparências capciosas e sedutoras, funda-se de fato nos princípios do materialismo chamado dialético e histórico, ensinado por Karl Marx, de que os teóricos do bolchevismo se gloriam de possuir a única interpretação genuína. Essa doutrina proclama que não há mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta, em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, não é outra coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evolucionando, como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito de forças, vai pendendo para a síntese final: uma sociedade sem classes. É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a idéia de Deus; é evidente que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso, os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem que o conflito, a que acima Nos referimos, o qual levará a natureza à síntese final, pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes, da sociedade, porfiando porque a luta de classes, tão cheia, infelizmente, de ódios e de ruínas, tome o aspecto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade; e até mesmo, porque todas as barreiras que se opõem a essas sistemáticas violências, sejam completamente destruídas, como inimigas do gênero humano.
A que se reduzem o homem e a família
10. Além disso, o comunismo despoja o homem da sua liberdade na qual consiste a norma da sua vida espiritual; e ao mesmo tempo priva a pessoa humana da sua dignidade, e de todo o freio na ordem moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego. E, como a pessoa humana, segundo os devaneios comunistas, não é mais do que, para assim dizermos, uma roda de toda a engrenagem, segue-se que os direitos naturais, que dela procedem, são negados ao homem indivíduo, para serem atribuídos à coletividade. Quanto às relações entre os cidadãos, uma vez que sustentam o princípio da igualdade absoluta, rejeitam toda a hierarquia e autoridade, que proceda de Deus, até mesmo a dos pais; porquanto, como asseveram, tudo quanto existe de autoridade e subordinação, tudo isso, como de primeira e única fonte, deriva da sociedade. Nem aos indivíduos se concede direito algum de propriedade sobre bens naturais ou sobre meios de produção; porquanto, dando como dão origem a outros bens, a sua posse introduz necessariamente o domínio de um sobre os outros. E é precisamente por esse motivo que afirmam que qualquer direito de propriedade privada, por ser a fonte principal da escravidão econômica, tem que ser radicalmente destruído.
11. Além disto, como esta doutrina rejeita e repudia todo o caráter sagrado da vida humana, segue-se por natural conseqüência que para ela o matrimônio e a família é apenas uma instituição civil e artificial, fruto de um determinado sistema econômico: por conseguinte, assim como repudia os contratos matrimoniais formados por vínculos de natureza jurídico-moral, que não dependam da vontade dos indivíduos ou da coletividade, assim rejeita a sua indissolúvel perpetuidade. Em particular, para o comunismo não existe laço algum da mulher com a família e com o lar. De fato, proclamando o princípio da emancipação completa da mulher, de tal modo a retira da vida doméstica e do cuidado dos filhos que a atira para a agitação da vida pública e da produção coletiva, na mesma medida que o homem. Mais ainda: os cuidados do lar e dos filhos devolve-os à coletividade. Rouba-se enfim aos pais o direito que lhes compete de educar os filhos, o qual se considera como direito exclusivo da comunidade, e por conseguinte só em nome e por delegação dela se pode exercer.
Em que se converteria a sociedade
12. Que viria a ser, então, a sociedade humana, baseada em tais fundamentos materialistas? Viria a ser uma coletividade, sem outra hierarquia mais do que a derivada do sistema econômico. Teria por missão única a produção de riqueza por meio do trabalho coletivo, e único fim o gozo dos bens da terra num paraíso ameníssimo de delícias onde cada qual “produziria conforme as suas forças e receberia conforme as suas necessidades”. É também de notar que o comunismo reconhece igualmente à coletividade o direito, ou antes a arbitrariedade quase ilimitada, de sujeitar os indivíduos ao jugo do trabalho coletivo, sem a menor consideração do seu bem-estar pessoal; mais ainda, o direito de os forçar contra a sua vontade e até pela violência. E nesta sociedade comunista proclamam que tanto a moral como a ordem jurídica não brotam de outra fonte mais do que do sistema econômico do tempo o que, por conseguinte, de sua natureza são valores terrestres transitórios e mudáveis. Em suma, para resumirmos tudo em poucas palavras, pretendem introduzir uma nova ordem de coisas e inaugurar uma era nova de mais alta civilização, produto unicamente duma cega evolução da natureza: “uma humanidade que tenha expulsado a Deus da terra”.
13. E, quando as qualidades e disposições de espírito, que se requerem para realizar semelhante sociedade, tiverem sido alcançadas por todos em tal grau, que por fim tenha surgido aquele ideal utópico de sociedade, que eles sonham, sem distinção de classes então o Estado político, que ao presente unicamente se organiza como instrumento de domínio dos capitalistas sobre os proletários, perderá totalmente a razão de ser e, por necessidade natural, se dissolverá! Todavia, enquanto se não tiver chegado a essa idade de ouro, os comunistas empregam o governo e o poder público como o mais eficaz e universal instrumento, para atingirem o seu fim.
14. Aqui tendes, Veneráveis Irmãos, diante dos olhos do espírito, a doutrina que os comunistas bolchevistas e ateus pregam à humanidade como novo evangelho, e mensagem salvadora de redenção! Sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa humana.
DIFUSÃO
Promessas fascinadoras
15. Mas donde vem que tal sistema, que a ciência já há muito ultrapassou e a realidade dos fatos vai cada dia refutando, possa difundir-se tão rapidamente por todas as partes do mundo? Facilmente poderemos compreender esse fenômeno, se refletirmos que são muito poucas as pessoas que têm penetrado a fundo a verdadeira natureza e fim do comunismo; ao passo que são muitíssimos os que cedem facilmente à tentação, habilmente apresentada sob as promessas mais deslumbrantes. É que os propagandistas deste sistema afivelam esta máscara de verdade, a saber: que não querem outra coisa mais que melhorar a sorte das classes trabalhadoras; que pretendem não somente dar remédio oportuno aos abusos provocados pela economia liberal, mas também conseguir uma distribuição mais eqüitativa dos bens terrenos: objetivos estes que certamente ninguém nega se possam atingir por meios legítimos. Contudo os comunistas, por esses processos, explorando sobretudo a crise econômica, que em toda a parte se sente, conseguem atrair ao seu partido aqueles mesmos que, em virtude da doutrina que professam, abominam os princípios do materialismo e os monstruosos crimes que não raro se perpetram. E, como em qualquer erro há sempre qualquer centelha de verdade, como acima vimos que sucedia até mesmo nesta questão, este aspecto de verdade põem-no em relevo com requintada habilidade, com o fim de dissimularem e ocultarem, quanto convém, aquela odiosa e desumana brutalidade dos princípios e dos métodos de comunismo; e desse modo conseguem seduzir até espíritos nada vulgares, os quais muitas vezes a tal ponto se deixam entusiasmar que eles próprios se tornam uma espécie de apóstolos, que vão extraviar com esses erros sobretudo os jovens, facilmente expostos a se deixarem enredar por esses sofismas. Além disso, os arautos do comunismo não ignoram que podem tirar partido, tanto dos antagonismos de raça como das dissensões e lutas em que se entrechocam as diferentes facções políticas, como enfim daquela desorientação que lavra no campo da ciência, onde a própria idéia de Deus emudece, para se infiltrarem nas Universidades e corroborarem os princípios da sua doutrina com argumentos pseudocientíficos.
O liberalismo preparou o caminho ao comunismo
16. Mas, para mais facilmente se compreender como é que puderam conseguir que tantos operários tenham abraçado, sem o menor exame, os seus sofismas, será conveniente recordar que os mesmos operários, em virtude dos princípios do liberalismo econômico, tinham sido lamentavelmente reduzidos ao abandono da religião e da moral cristã. Muitas vezes o trabalho por turnos impediu até que eles observassem os mais graves deveres religiosos dos dias festivos; não houve o cuidado de construir igrejas nas proximidades das fábricas, nem de facilitar a missão do sacerdote; antes pelo contrário, em vez de se lhes pôr embargo, cada dia mais e mais se foram favorecendo as manobras do chamado laicismo. Aí estão, agora, os frutos amargosíssimos dos erros que os Nossos Predecessores e Nós mesmo mais de uma vez temos preanunciado. E assim, por que nos havemos de admirar, ao vermos que tantos povos, largamente descristianizados, vão sendo já pavorosamente inundados e quase submergidos pela vaga comunista?
Propaganda astuta e vastíssima
17. Além disso, a difusão tão rápida das idéias comunistas que se vão sorrateiramente infiltrando por países grandes ou pequenos, cultos ou menos civilizados, e até nas partes mais remotas do globo, tem sem dúvida por causa esse fanatismo de propaganda encarniçada, como talvez nunca se viu no mundo. E essa propaganda, emanada duma fonte única, adapta-se astutamente às condições particulares dos povos; dispõe de grandes meios financeiros, de inúmeras organizações, de congressos internacionais concorridíssimos, de forças compactas e bem disciplinadas; propaganda quer por jornais, revistas e folhas volantes, pelo cinema, pelo teatro, pela radiofonia, pelas escolas enfim e pelas Universidades, pouco a pouco vai invadindo todos os meios ainda os melhores, sem darem talvez pelo veneno, que cada vez mais vai infeccionando os espíritos e os corações.
Conspiração do silêncio na imprensa
18. Outro auxiliar poderoso, que contribui para a avançada do comunismo, é sem dúvida a conspiração do silêncio na maior parte da imprensa mundial, que não se conforma com os princípios católicos. Conspiração dizemos: porque aliás, não se explica facilmente como é que uma imprensa, tão ávida de esquadrinhar e publicar até os mínimos incidentes da vida cotidiana, sobre os horrores perpetrados na Rússia, no México e numa grande parte de Espanha pode guardar, há tanto tempo, absoluto silêncio; e da seita comunista, que domina em Moscou e tão largamente se estende pelo universo em poderosas organizações, fala tão pouco. Mas todos sabem que esse silêncio é em grande parte devido a exigências duma política, que não segue inteiramente os ditames da prudência civil; e é aconselhável e favorecido por diversas forças ocultas que já há muito porfiam por destruir a ordem social cristã.
CONSEQÜÊNCIA: A PERSEGUIÇÃO ANTICRISTÃ
Rússia e México
19. Entretanto, aí estão à vista os deploráveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os comunistas conseguiram radicar-se e dominar, - e aqui pensamos com particular afeto paterno nos povos da Rússia e do México, - aí, como eles próprios abertamente o proclamam, por todos os meios se esforçaram por destruir radicalmente os fundamentos da religião e da civilização cristãs, e extinguir completamente a sua memória no coração dos homens, especialmente da juventude. Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fusilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos por terem defendido a religião, foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados aos tribunais e às prisões.
Horrores do comunismo em Espanha
20. Até em países, onde - como sucede na Nossa amadíssima Espanha - não conseguiu ainda a peste e o flagelo comunista produzir todas as calamidades dos seus erros, desencadeou contudo, infelizmente, uma violência furibunda e irrompeu em funestíssimos atentados. Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas, onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, posto que fossem monumentos insignes de arte e de ciência, tudo foi destruído até os fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, alvejando dum modo particular aqueles e aquelas que se ocupavam dos operários e dos pobres; mas fez um número muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo imolados em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista. E esta horripilante mortandade é perpetrada com tal ódio e tais requintes de crueldade e selvajaria, que não se julgariam possíveis em nosso século. Ninguém de são critério, quer seja simples particular, quer homem de Estado, cônscio da sua responsabilidade, ninguém absolutamente, repetimos, pode deixar de estremecer de sumo horror, se refletir que tudo quanto hoje está sucedendo na Espanha, pode amanhã repetir-se também em outras nações civilizadas.
Frutos naturais do sistema
21. Nem se pode asseverar que semelhantes atrocidades são conseqüências fatais de todas as grandes revoluções, como excessos esporádicos de exasperação, comuns a qualquer guerra: não, são frutos naturais do sistema, cuja estrutura não obedece a freio algum interno. Um freio é necessário ao homem, tanto individualmente como socialmente considerado; e é por isso que até os povos bárbaros reconheceram o vínculo da lei natural, esculpida por Deus na alma de cada homem. E, quando a observância dessa lei foi tida por todos como um dever sagrado, viram-se nações antigas atingir um tal esplendor de grandeza, que espanta, ainda mais até do que é razão, aqueles que só superficialmente compunham os documentos da história humana. Mas quando se arranca das mentes dos cidadãos a própria idéia de Deus, necessariamente os veremos precipitar-se na crueldade mais selvagem, e na ferocidade dos costumes.
Luta contra tudo o que é divino

22. É este o espetáculo que atualmente com suma dor contemplamos: pela primeira vez na história estamos assistindo a uma insurreição, cuidadosamente preparada e calculadamente dirigida contra “tudo o que se chama Deus” (cfr. 2 Tess 1, 4). Efetivamente, o comunismo por sua natureza opõe-se a qualquer religião, e a razão por que a considera como o “ópio do povo”, é porque os seus dogmas e preceitos, pregando a vida eterna depois desta vida mortal, apartam os homens da realização daquele futuro paraíso, que são obrigados a conseguir na terra.
O TERRORISMO
23. Mas não é impunemente que se despreza a lei natural e o seu autor, Deus; a conseqüência é que os esforços dos comunistas, assim como nem sequer no campo econômico puderam até hoje realizar o seu desígnio, assim também no futuro jamais o poderão conseguir. Não negamos que esses esforços na Rússia contribuíram não pouco para sacudir os homens e as suas instituições, daquela longa e secular inércia em que jaziam, e que puderam, empregando todos os meios e processos; ainda mesmo ilegitimamente, fazer alguma coisa para promover o progresso material; mas sabemos por testemunhos absolutamente insuspeitos, e alguns bem recentes ainda, que de fato nem sequer neste ponto se conseguiu o que tanto se prometera. E não se esqueça, que aquela ditadura, toda terrorismo e crueldade, impôs a inumeráveis cidadãos o jugo da escravidão. Porque é de notar que também no terreno econômico é imprescindível alguma norma de probidade a que se conforme, por dever de consciência, quem exerce algum cargo; ora isso é indiscutível que o não podem dar os princípios comunistas, nascidos dos sofismas do materialismo. Por conseguinte, nada mais resta do que aquele pavoroso terrorismo que se está vendo na Rússia, onde os antigos camaradas de conspiração e de luta se vão dando a morte uns aos outros; mas esse terrorismo criminoso, longe de conseguir pôr um dique à corrupção dos costumes, nem sequer pode evitar a dissolução da estrutura social.
Um pensamento paternal para os povos oprimidos da Rússia
24. Com isto, porém, não é nossa intenção condenar em massa os povos da União Soviética, aos quais, pelo contrário, consagramos o mais vivo afeto paterno. É que, de fato, sabemos que muitos deles gemem sob o jugo da mais iníqua escravidão, que lhes foi imposta por homens, pela maior parte estranhos aos verdadeiros interesses daquele povo; e que muitos outros foram enganados por promessas e esperanças falazes. O que Nós condenamos é o sistema e seus autores e fautores que consideraram aquela nação como o terreno mais apto para lançarem a semente do seu sistema, há muito tempo preparada, e de lá a disseminarem por todas as regiões do globo.
III - LUMINOSA DOUTRINA DA IGREJA, OPOSTA AO COMUNISMO
25. Depois de termos focado os erros e os processos sedutores e violentos do comunismo bolchevista e ateu, é já tempo, Veneráveis Irmãos, de opor-lhe sumariamente a verdadeira noção da “Cidade humana”, que é tal como perfeitamente sabeis, qual no-la ensinam a razão humana e a revelação Divina, por intermédio da Igreja, Mestra dos povos.
Suprema Realidade: Deus!
26. E antes de mais nada importa observar que acima de todas as demais realidades, está o sumo, único e supremo Espírito, Deus, Criador onipotente de todo o universo, Juiz sapientíssimo e justíssimo de todos os homens. Este Ser supremo, que é Deus, é a refutação e condenação mais absoluta das impudentes e mentirosas falsidades do comunismo. E na verdade, não é porque os homens crêem em Deus, que Deus existe; mas porque Deus existe realmente, por isso crêem nele e lhe dirigem as suas súplicas todos quantos não cerram pertinazmente os olhos do espírito à luz da verdade.
Que São o Homem e a Família, Segundo a Razão e a Fé
27. Quanto ao homem, o que a fé católica e a nossa razão ensinam, já Nós, ao explanarmos os pontos fundamentais desta doutrina, o propusemos na Encíclica sobre a educação cristã da juventude (Encíclica Divini illius Magistri, 31 de dezembro de 1929: A.A.S., vol. XXII (1930), págs. 49-86). O homem tem uma alma espiritual e imortal; e, assim como é uma pessoa, dotada pelo supremo Criador de admiráveis dons de corpo e de espírito assim se pode chamar, como diziam os antigos, um verdadeiro “microcosmo”, isto é, um pequeno mundo, por isso que de muito longe transcende e supera a imensidade dos seres do mundo inanimado. Não somente nesta vida mortal, mas também na que há de permanecer eternamente, o seu fim supremo é unicamente Deus; e, tendo sido elevado pela graça santificante à dignidade de filho de Deus, é incorporado no Reino de Deus, no corpo místico de Jesus Cristo. Conseqüentemente, dotou-o Deus de múltiplas e variadas prerrogativas, tais como: direito à vida, à integridade do corpo, aos meios necessários à existência; direito de tender ao seu último fim, pelo caminho traçado por Deus; direito enfim de associação, de propriedade particular, e de usar dessa propriedade.
28. Além disso, assim como o matrimônio e o direito ao seu uso natural são de origem divina, assim também a constituição e as prerrogativas fundamentais da família derivam, não do arbítrio humano, nem de fatores econômicos, senão do próprio Criador supremo de todas as coisas. Este assunto tratamo-lo já com suficiente desenvolvimento na Encíclica sobre a santidade do matrimônio (Encíclica Casti Connubii, 31 de dezembro de 1930: A.A.S., vol. XXII (1930), págs. 539-582), e na Encíclica acima citada sobre a educação.
QUE É A SOCIEDADE
Mútuos direitos e deveres entre o homem e a sociedade
29. Mas Deus destinou igualmente o homem para a sociedade civil, que a sua mesma natureza reclama. É que, no plano do Criador, a sociedade é um meio natural, de que todo o cidadão pode e deve servir-se para a consecução do fim que lhe é proposto, pois a sociedade civil existe para o homem e não o homem para a sociedade. Isto, porém, não se deve entender no sentido do liberalismo individualista, que subordina a sociedade à utilidade egoísta do indivíduo, mas sim no sentido que, mediante a união orgânica com a sociedade, todos possam, pela mútua colaboração, alcançar a verdadeira felicidade terrestre; e que, por meio da sociedade, floresçam e prosperem todas as aptidões individuais e sociais, dadas ao homem pela natureza, aptidões que transcendem o imediato interesse do momento, e refletem na sociedade a perfeição divina: o que no homem isolado de modo nenhum se pode verificar. Mas até este último objetivo da sociedade é, em última análise, ordenado ao homem, para que reconheça este reflexo da perfeição divina, e o desenvolva assim em louvor e adoração ao Criador. É que só o homem, e não qualquer sociedade humana por si, é dotado de razão e de vontade moralmente livre.
30. Portanto, assim como o homem não pode furtar-se aos deveres que por vontade de Deus o ligam à sociedade civil, e é por isso que os representantes da autoridade têm direito de o forçar ao cumprimento do próprio dever, caso ele se recusasse ilegitimamente; assim também não pode a sociedade privar o cidadão dos direitos pessoais que o Criador lhe concedeu (os mais importantes apontamo-los acima sumariamente) nem tornar-lhe impossível o seu uso. É, pois, conforme à razão e às suas exigências naturais, que todas as coisas terrenas sejam para serviço e utilidade do homem, e assim, por meio dele, voltem ao Criador. Aqui se aplica perfeitamente o que o Apóstolo das Gentes escreve aos coríntios sobre a economia da salvação cristã: “Tudo... é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1 Cor 3, 23). E assim, enquanto a doutrina comunista de tal maneira diminui a pessoa humana, que inverte os termos das relações entre o homem e a sociedade, a razão, pelo contrário, e a revelação divina elevam-na a tão sublimes alturas.
A ordem econômico-social
31. Sobre a ordem econômico-social e sobre a questão operária já o Nosso Predecessor, de feliz memória, Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum (15 de maio de 1891: Acta Leonis XIII, vol. XI, págs. 97-144) deu normas eficazes: normas que Nós adotamos às condições e exigências dos tempos presentes pela nossa Encíclica sobre a restauração cristã da ordem social (Encíclica Quadragesimo Anno, 15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228). Nessa Encíclica, insistindo de novo com toda a força na secular doutrina da Igreja acerca da natureza peculiar da propriedade privada no seu aspecto individual e social, assinalamos com toda a clareza e precisão os direitos e a dignidade do trabalho humano, as relações do mútuo apoio e auxílio que devem existir entre o capital e o trabalho, e o salário, indispensável ao operário e a sua família, que por justiça lhe é devido.
32. Nessa mesma Encíclica mostramos também que a sociedade humana só então, poderá ser salva da funestíssima ruína, a que é arrastada pelos princípios do liberalismo, alheios a toda a moralidade, quando os preceitos da justiça social e da caridade cristã impregnarem e penetrarem a ordem econômica e a organização civil; o que indubitavelmente não podem conseguir nem a luta de classes, nem os atentados do terror, nem o abuso ilimitado e tirânico do poder do Estado. Advertimos outrossim, que a verdadeira prosperidade do povo se deve procurar segundo os princípios dum são corporativismo, que reconheça e respeite os vários graus da hierarquia social; e que é igualmente necessário que todas as corporações operárias se organizem em harmônica unidade para poderem tender ao bem comum da sociedade; e que, por conseguinte, a função genuína e peculiar do poder público consiste em promover, quanto lhe seja possível, esta harmonia e coordenação de todas as forças sociais.
Hierarquia social e prerrogativas do Estado
33. Para assegurar esta tranqüila harmonia pela colaboração orgânica de todos, a doutrina católica confere aos governantes tanta dignidade e autoridade, quanta é necessária para que eles com vigilante e previdente solicitude salvaguardem os direitos divinos e humanos, que as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja tanto inculcam. E neste passo é necessário observar que erram vergonhosamente os que sem consideração atribuem a todos os homens direitos iguais na sociedade civil e asseveram que não existe legítima hierarquia. Sobre este ponto baste-Nos recordar as Encíclicas do Nosso Predecessor Leão XIII, acima mencionadas, especialmente a que trata do poder do Estado (Encíclica Diuturnum illud, 29 de junho de 1881: Acta Leonis XIII, vol. II, págs. 269-287) e a outra que versa sobre a constituição cristã do Estado (Encíclica lmmortale Dei, 1 de novembro de 1885: Acta Leonis XIII, vol. V, págs. 118-150). Nelas encontram os católicos luminosamente expostos os princípios da razão e da fé, que os tornarão aptos para as premunirem contra os erros e perigos da concepção comunista acerca do Estado. A espoliação dos direitos e a escravização do homem, a negação da origem primária e transcendente do Estado e do poder do Estado, o abuso horrível do poder público ao serviço do terrorismo coletivista, são precisamente o contrário do que é conforme à ética natural e à vontade do Criador. Tanto o homem como a sociedade civil têm origem no Criador, e foram por Ele mutuamente ordenados um para a outra; por isso nenhum dos dois pode furtar-se a cumprir os deveres correlativos, nem recusar ou reduzir os direitos. O próprio Criador regulou esta mútua relação nas suas linhas fundamentais, e é injusta a usurpação, que o comunismo se arroga, de impor, em lugar da lei divina baseada nos imutáveis princípios da verdade e da caridade, um programa político de partido, que promana do capricho humano e ressuma ódio.
Beleza desta doutrina da igreja
34. A Igreja ao ensinar esta luminosa doutrina, não tem outro fim mais que realizar o venturoso anúncio cantado pelos Anjos sobre a gruta de Belém, no nascimento Redentor: “Glória a Deus e... paz aos homens” (Lc 2, 14): paz verdadeira e verdadeira felicidade, até mesmo na terra, quanto é possível, encaminhada a preparar a felicidade eterna, mas paz reservada aos homens de boa vontade. Esta doutrina é igualmente distante de todos os extremos do erro como de todas as exagerações dos partidos ou sistemas que a eles aderem, conserva sempre o equilíbrio da verdade e da justiça; reivindica-o na teoria, aplica-o e promove-o na prática, conciliando os direitos e os deveres de um com os dos outros, como a autoridade com a liberdade, a dignidade do indivíduo com a do Estado, a personalidade humana no súdito com a representação divina no superior, e, por conseguinte, a sujeição devida e o amor ordenado de si mesmo, da família e da pátria, com o amor das outras famílias e dos outros povos, fundado no amor de Deus, pai de todos, primeiro princípio e último fim. Nem separa a justa preocupação dos bens temporais a palavra de seu divino Fundador: “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo” (Mt 6, 33), está longe de se desinteressar das coisas humanas, de prejudicar os progressos da sociedade e de impedir os adiantamentos materiais, que pelo contrário sustenta e promove da maneira mais razoável e eficaz. E assim, até mesmo no campo econômico-social, a Igreja, muito embora não tenha jamais apresentado como seu um determinado sistema técnico, por não ser essa a sua missão, fixou contudo claramente princípios e diretivas que, prestando-se a diversas aplicações concretas segundo as várias condições dos tempos, dos lugares e dos povos, assinalam o caminho seguro para obter o feliz progresso da sociedade.
35. A sabedoria e suma utilidade desta doutrina é admitida por quantos verdadeiramente a conhecem. Com justificada razão puderam afirmar eminentes Estadistas que, depois de terem estudado os diversos sistemas sociais, nada haviam encontrado mais sábio que os princípios expostos nas Encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno. Até em países não católicos, e nem sequer cristãos, se reconhece quão vantajosas são para a sociedade humana as doutrinas sociais da Igreja; e assim, há apenas um mês, um eminente homem político, não cristão, do Extremo Oriente, não duvidou proclamar que a Igreja com a sua doutrina de paz e fraternidade cristã traz uma altíssima contribuição para o estabelecimento e conservação da paz construtiva entre as nações. Mas ainda: até os próprios comunistas, como sabemos por autênticas relações que afluem de toda a parte a este Centro de Cristandade, se não estão ainda de todo corrompidos, quando se lhes expõe a doutrina social da Igreja, reconhecem a sua superioridade sobre as doutrinas dos seus caudilhos e mestres. Somente os obcecados pela paixão e pelo ódio fecham os olhos à luz da verdade e a combatem obstinadamente.
Será verdade que a Igreja não procedeu segundo a sua doutrina?
36. Mas os inimigos da Igreja, constrangidos embora a reconhecer a sabedoria da sua doutrina, assacam-lhe o não ter sabido conformar os seus atos com aqueles princípios, e afirmam por isso a necessidade de provocar outros caminhos. Quão falsa e injusta seja esta acusação, demonstra-o toda a história do cristianismo. Para não Nos referirmos senão a um ou outro ponto característico, foi o cristianismo o primeiro a propagar, por uma forma e com uma amplitude e convicção desconhecidas nos séculos precedentes, a verdadeira e universal fraternidade de todos os homens de qualquer condição ou raça, contribuindo assim poderosamente para a abolição da escravatura, não com revoltas sangrentas, senão pela força interna da sua doutrina, que à orgulhosa patrícia romana fazia ver na sua escrava uma irmã em Cristo. Foi o cristianismo, que adora o Filho de Deus feito homem por amor dos homens e convertido em “Filho do carpinteiro”, mais ainda, “carpinteiro” ele próprio (cfr. Mt 13, 55; Mc 6, 3), foi o cristianismo que sublimou à sua verdadeira dignidade o trabalho manual: aquele trabalho manual, antes tão desprezado que até o discreto Marco Túlio Cícero, resumindo a opinião geral do seu tempo, não receou escrever estas palavras, de que hoje se envergonharia qualquer sociólogo: “Todos os operários se ocupam em misteres desprezíveis, pois a oficina nada pode ter de nobre” (M.T. Cícero, De officiis, L. I, c. 42).
37. Fiel a estes princípios, a Igreja regenerou a sociedade humana; sob a sua influência surgiram admiráveis obras de caridade, poderosas corporações de artistas e trabalhadores de todas as categorias. O liberalismo do século passado zombou delas, é certo, como de velharias da Idade Média; elas, porém, impõem-se hoje à admiração dos nossos contemporâneos que em muitos países procuram fazer reviver de algum modo a sua idéia fundamental. E quando outras correntes entravavam a obra e punham obstáculos ao influxo salutar da Igreja, esta até nossos dias não cessou nunca de admoestar os extraviados. Basta recordar com que firmeza, energia e constância o Nosso Predecessor Leão XIII reivindicou para o operário o direito de associação, que o liberalismo dominante nos Estados mais poderosos se obstinava em negar-lhe. E esta influência da doutrina da Igreja ainda atualmente é maior do que parece, porque é grande e certo, posto que invisível e difícil de medir, o predomínio das idéias sobre os fatos.
38. Pode bem dizer-se com toda a verdade que a Igreja à semelhança de Cristo, passa através dos séculos, fazendo bem a todos. Não haveria nem socialismo nem comunismo, se os que governam os povos não tivessem desprezado os ensinamentos e as maternais advertências da Igreja; eles, porém, quiseram, sobre as bases do liberalismo e do laicismo, levantar outros edifícios sociais que à primeira vista pareciam poderosas e magníficas construções, mas bem depressa se viu que careciam de sólidos fundamentos, e se vão miseravelmente desmoronando, um após outro, como tem que desmoronar-se tudo quanto não se apoia sobre a única pedra angular, que é Jesus Cristo.

IV - REMÉDIOS E MEIOS
Necessidade de Recorrer a Meios de Defesa
39. Tal é, Veneráveis Irmãos, a doutrina da Igreja, a única que, como em qualquer outro campo, assim também no campo social, pode projetar verdadeira luz, a única doutrina de salvação em face da ideologia comunista. Mas é necessário que esta doutrina se realize cada vez mais na prática da vida, conforme o aviso do Apóstolo São Tiago: “Sede... cumpridores da palavra e não simples ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1, 22), porquanto, o que na hora atual há de mais urgente é aplicar com energia os remédios oportunos, para opor-se eficazmente à revolução ameaçadora que se vai preparando. Alimentamos a firme confiança de que ao menos a paixão com que dia e noite trabalham os filhos das trevas na sua propaganda materialista e atéia, logre estimular santamente os filhos da luz a um zelo igual, se não maior, da honra da Majestade divina.
40. Que é, pois, necessário fazer, que remédios empregar, para defender a Cristo e a civilização cristã contra aquele pernicioso inimigo? Como um pai no seio da família, Nós quiséramos conversar, quase na intimidade, sobre os deveres que a grande luta de nossos dias impõe a todos os filhos da Igreja, dirigindo também a Nossa paternal advertência aos filhos que dela se afastaram.
RENOVAÇÃO DA VIDA CRISTÃ
Remédio Fundamental
41. Como em todos os períodos mais tormentosos da história da Igreja, assim hoje também o remédio fundamental é uma sincera renovação da vida privada e pública, segundo os princípios do Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer ao Rebanho de Cristo, a fim de serem verdadeiramente o sal da terra, que preserve a sociedade humana de tal corrupção.
42. Com sentimentos de profunda gratidão para com o Pai das luzes, de quem desce “toda a dádiva excelente e todo o dom perfeito” (Tg 1, 17), vemos por toda a parte sinais consoladores dessa renovação espiritual, não só em tantas almas singularmente escolhidas, que nestes últimos anos se têm elevado ao cume da mais sublime santidade, e em tantas outras, cada vez mais numerosa, que generosamente caminham para a mesma luminosa meta, mas também no reflorescimento de uma piedade sentida e vivida, em todas as classes da sociedade, até nas mais cultas, como pusemos em relevo no Nosso recente Motu proprio In multis solaciis, de 28 do passado outubro, por ocasião da reorganização da Pontifícia Academia das Ciências (A.A.S., vol. XXVIII (1936), págs. 421-424).
43. Não podemos, contudo, negar que muito resta ainda por fazer neste caminho da renovação espiritual. Até mesmo em países católicos, demasiados são os que são católicos quase só de nome; demasiados, aqueles que, seguindo embora mais ou menos fielmente as práticas mais essenciais da religião que se ufanam de professar, não se preocupam de melhor a conhecer, nem de adquirir convicções, mais íntimas e profundas, e menos ainda de fazer que ao verniz exterior corresponda o interno esplendor de uma consciência reta e pura, que sente e cumpre todos os seus deveres sob o olhar de Deus. Sabemos quanto o Divino Salvador aborrece esta vã e falaz exterioridade, Ele que queria que todos adorassem o Pai “em espírito e verdade” (Jo 4, 23). Quem não vive verdadeira e sinceramente segundo a fé que professa, não poderá hoje, que tão violento sopra o vento da luta e da perseguição, resistir por muito tempo, mas será miseravelmente submergido por este novo dilúvio que ameaça o mundo; e assim, enquanto se prepara por si mesmo a própria ruína, exporá também ao ludibrio o nome cristão.
Desapego dos Bens Terrenos
44. E neste passo queremos, Veneráveis Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito” foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico (cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimos dias...” (Tg 5, 1-3).
45. Mas os pobres, por sua vez, esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes, irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o (fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas; mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade, quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.
Caridade Cristã
46. Muito mais importante ainda, como remédio do mal de que tratamos, ou pelo menos mais diretamente ordenado a curá-lo, é o preceito da caridade. Queremos referir-Nos àquela caridade cristã “paciente e benigna” (1 Cor 13, 4), que evita todos os ares de proteção humilhante e qualquer aparência de ostentação; aquela caridade, que desde os inícios do cristianismo ganhou para Cristo os mais pobres dentre os pobres, os escravos; e testemunhamos o Nosso reconhecimento a todos quantos nas obras de beneficência, desde as conferências de São Vicente de Paulo até às grandes organizações recentes de assistência social, têm exercido e exercem as obras de misericórdia corporal e espiritual. Quanto mais experimentarem em si mesmos os operários e os pobres o que o espírito de amor, animado pela virtude de Cristo, faz por eles, tanto mais se despojarão do preconceito de que o cristianismo perdeu a sua eficácia e a Igreja está da parte daqueles que exploram o seu trabalho.
47. Mas, quando vemos dum lado uma multidão de indigentes que, por várias causas alheias à sua vontade, estão verdadeiramente oprimidos pela miséria, e do outro lado, junto deles, tantos que se divertem inconsideradamente e esbanjam enormes somas em futilidades, não podemos deixar de reconhecer com dor que não é bem observada a justiça, mas que nem sempre se aprofundou suficientemente o preceito da caridade cristã nem se vive conforme a ele na prática cotidiana. Desejamos, portanto, Veneráveis Irmãos, que seja mais e mais explicado por palavra e por escrito este divino preceito, precioso distintivo deixado por Cristo a seus verdadeiros discípulos, este preceito, que nos ensina a ver nos que sofrem a Jesus em pessoa e nos impõe o dever de amar os nossos irmãos, como o divino Salvador nos amou a nós, isto é, até ao sacrifício de nós mesmos e, se necessário for, até da própria vida. Meditem, pois, todos e muitas vezes aquelas palavras consoladoras, por um lado, mas temerosas por outro, da sentença final que pronunciará o Juiz supremo no último dia: “Vinde benditos de meu Pai...; porque tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber... Em verdade vos digo que todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 34-40). E pelo contrário: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno... porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber... Na verdade vos digo: todas as vezes que o não fizestes a um destes mais pequeninos, foi a mim que o não fizestes” (Mt 25, 41-45).
48. Para assegurar, pois, a vida eterna, e poder eficaz mente socorrer os necessitados, é necessário voltar a uma vida mais modesta; renunciar aos prazeres, muitas vezes até pecaminosos, que o mundo hoje em dia oferece em tanta abundância; esquecer-se a si mesmo por amor do próximo. Virtude divina de regeneração se encontra neste “mandamento novo” (como lhe chamava Jesus) da caridade cristã (Jo 13, 34), cuja fiel observância infundirá nos corações uma paz interna desconhecida do mundo, e remediará eficazmente os males que afligem a humanidade.
Deveres de Estrita Justiça
49. Mas a caridade jamais será verdadeira caridade, se não tiver sempre em conta a justiça. O Apóstolo ensina que “quem ama o próximo cumpre a lei”; e dá a razão: “por quanto não cometerás adultério, não matarás, não furtarás... e qualquer outro preceito se resume nesta fórmula: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Rom 13, 8-9). Se, pois, segundo o Apóstolo, todos os deveres se reduzem ao único preceito da verdadeira caridade, ainda aqueles que são de estrita justiça, como não matar, não roubar; uma caridade que prive o operário do salário a que tem estrito direito, não é caridade mas um nome vão e uma vã aparência de caridade. Nem o operário precisa de receber como esmola o que lhe pertence por justiça; nem pode ninguém pretender eximir-se dos grandes deveres impostos pela justiça com pequeninas dádivas de misericórdia. A caridade e a justiça impõem deveres, muitas vezes acerca do mesmo objeto, mas sob aspectos diversos; e os operários, a estes deveres que lhes dizem respeito, são juntamente muito sensíveis, em razão da sua própria dignidade.
50. É por isso que de modo especial Nos dirigimos a vós, patrões e industriais cristãos, cuja missão é muitas vezes tão difícil, por carregardes com a herança dos erros de um regime econômico iníquo que exerceu a sua ruinosa influência durante muitas gerações. Lembrai-vos da vossa responsabilidade. Triste é dizê-lo, mas é muito verdade que o modo de proceder de certos meios católicos contribui para abalar a confiança dos trabalhadores na religião de Jesus Cristo. Não queriam eles compreender que a caridade cristã exige o reconhecimento de certos direitos devidos ao operário, e que Igreja explicitamente lhe reconheceu. Como julgar do proceder de patrões católicos, que em algumas partes conseguiram impedir a leitura da Nossa Encíclica Quadragesimo Anno em suas igrejas patronais? ou daqueles industriais católicos que até hoje se têm mostrado adversários dum movimento que o direito de propriedade, reconhecido pela Igreja, tenha sido por vezes empregado para defraudar o operário do seu justo salário e dos seus direitos sociais?
Justiça Social
51. Efetivamente, além da justiça comutativa, há a justiça social que impõe, também, deveres a que nem patrões nem operários se podem furtar. E é precisamente próprio da justiça social exigir dos indivíduos quanto é necessário ao bem comum. Mas, assim como no organismo vivo não se provê ao todo, se não se dá a cada parte e a cada membro tudo quanto necessitam para exercerem as suas funções; assim também se não pode prover ao organismo social e ao bem de toda a sociedade, se não se dá a cada parte e a cada membro, isto é, aos homens dotados da dignidade de pessoa, tudo quanto necessitam para desempenharem as suas funções sociais. O cumprimento dos deveres da justiça social terá como fruto uma intensa atividade de toda a vida econômica, desenvolvida na tranqüilidade e na ordem, e se mostrará assim a saúde do corpo social, do mesmo modo que a saúde do corpo humano se reconhece pela atividade inalterada, e ao mesmo tempo plena e frutuosa, de todo o organismo.
52. Não se pode, porém, dizer que se satisfez à justiça social, se os operários não têm assegurada a sua própria sustentação e a de suas famílias com um salário proporcionado a este fim; se não se lhes facilita o ensejo de adquirir uma modesta fortuna, prevenindo assim a praga do pauperismo universal; se não se tomam providências a seu favor, com seguros públicos e privados, para o tempo da velhice, da doença ou do desemprego. Numa palavra, para repetirmos o que dissemos na Nossa Encíclica Quadragesimo Anno: “A economia social estará solidamente constituída e obterá seus fins, só quando a todos e a cada um forem subministrados todos os bens que se podem conseguir com as forças e subsídios naturais, com a técnica, com a organização social do fator econômico. Esses bens devem ser em tanta quantidade, quanta é necessária, assim para satisfazer às necessidades e honestas comodidades, como para elevar os homens àquela condição de vida mais feliz, que, obtida e gozada de modo regrado e prudente, não só não é de obstáculo à virtude, mas até a favorece poderosamente” (Encíclica Quadragesimo Anno, 15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), pág. 202).
53. Se, pois, como sucede cada vez mais freqüentemente no salariado, a justiça não pode ser observada pelos particulares, a não ser que todos concordem em praticá-la conjuntamente, mediante instituições que unam entre si os patrões, para evitar entre eles uma concorrência incompatível com a justiça devida aos trabalhadores, o dever dos empresários e patrões é sustentar e promover essas instituições necessárias, que se tornam o meio normal para se poderem cumprir os deveres de justiça. Mas lembrem-se também os trabalhadores dos seus deveres de caridade e justiça para com os patrões e estejam persuadidos que assim salvaguardarão melhor até os próprios interesses.
54. Assim, pois, se se considera o conjunto da vida econômica, - como já notamos na Nossa Encíclica Quadragesimo Anno - não se conseguirá que nas relações econômico-sociais reine a mútua colaboração da justiça e da caridade, senão por meio dum corpo de instituições profissionais e interprofissionais sobre bases solidamente cristãs, coligadas entre si e que constituam, sob formas diversas e adaptadas aos lugares e circunstâncias, o que se chamava a Corporação.
Estudo e Difusão da Doutrina Social
55. Para dar a esta ação social mais eficácia, é muito necessário promover o estudo dos problemas sociais à luz da doutrina da Igreja e difundir os seus ensinamentos sob a égide da autoridade de Deus, constituída na mesma Igreja. Se o modo de proceder de alguns católicos deixou a desejar no campo econômico-social, isso aconteceu muitas vezes por não conhecerem suficientemente nem meditarem o ensino dos Sumos Pontífices sobre o assunto. Por isso, é sumamente necessário que em todas as classes da sociedade se promova mais intensa formação social, correspondente ao diverso grau de cultura intelectual, e se procure com toda a solicitude e empenho a mais ampla difusão dos ensinamentos da Igreja também entre a classe operária. Iluminem-se as mentes com a luz segura da doutrina católica e inclinem-se as vontades a segui-la e a aplicá-la como norma reta de vida, pelo cumprimento consciencioso dos múltiplos deveres sociais. Combata-se desse modo aquela incoerência e descontinuidade na vida cristã, por Nós várias vezes deplorada, pela qual alguns, enquanto aparentemente são fiéis no cumprimento dos seus deveres religiosos, no campo do trabalho ou da indústria ou da profissão, ou no comércio, ou no emprego, por um deplorável desdobramento de consciência, levam uma vida muito em desarmonia com as normas tão claras da justiça e da caridade cristã, dando assim grave escândalo aos fracos e oferecendo aos maus fácil pretexto para desacreditarem a própria Igreja.
56. Grandemente pode contribuir para esta renovação a imprensa católica, que pode e deve, de modo variado e atraente, procurar dar a conhecer cada vez melhor a doutrina social, informar com exatidão, mas também com a devida amplidão, acerca da atividade dos inimigos, referir os meios de combate que se mostraram os mais eficazes em diversas regiões, propor idéias úteis e gritar alerta contra as astúcias e enganos com que os comunistas procuram, e com resultado, atrair a si até homens de boa-fé.
Premunir-se Contra as Ciladas do Comunismo
57. Sobre este ponto insistimos na Nossa Alocução, de 12 de maio do ano passado, mas julgamos necessário, Veneráveis Irmãos, chamar de novo sobre ele, de modo particular, a vossa atenção. Ao princípio, o comunismo mostrou-se tal qual era em toda a sua perversidade; mas bem depressa se capacitou de que desse modo afastava de si os povos; e por isso mudou de tática e procura atrair as multidões com vários enganos, ocultando os seus desígnios sob a máscara de ideais, em si bons e atraentes. Assim, vendo o desejo geral de paz, os chefes do comunismo fingem ser os mais zelosos fautores e propagandistas do movimento a favor da paz mundial; mas ao mesmo tempo excitam a uma luta de classes que faz correr rios de sangue, e, sentindo que não têm garantias internas de paz, recorrem a armamentos ilimitados. Assim, sob vários nomes que nem por sombras aludem ao comunismo, fundam associações e periódicos que servem depois unicamente para fazerem penetrar as suas idéias em meios, que doutra forma lhe não seriam facilmente acessíveis, procuram até com perfídia infiltrar-se em associações católicas e religiosas. Assim, em outras partes, sem renunciarem um ponto a seus perversos princípios, convidam os católicos a colaborar com eles no campo chamado humanitário e caritativo, propondo às vezes, até coisas completamente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras partes levam a hipocrisia até fazer crer que o comunismo, em países de maior fé e de maior cultura, tomará outro aspecto mais brando, não impedirá o culto religioso e respeitará a liberdade das consciências. Há até quem, reportando-se a certas alterações recentemente introduzidas na legislação soviética, deduz que o comunismo está em vésperas de abandonar o seu programa de luta contra Deus.
58. Procurai, Veneráveis Irmãos, que os fiéis não se deixem enganar! O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo nenhum a colaboração com ele, da parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. E, se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo no seu país, seriam os primeiros a cair como vítimas do seu erro; e quanto mais se distinguem pela antiguidade e grandeza da sua civilização cristã as regiões aonde o comunismo consegue penetrar, tanto mais devastador lá se manifesta o ódio dos “sem-Deus”.
Oração e Penitência
59. Mas, “se o Senhor não guarda a caridade, em vão vigiam aqueles que a guardam” (Sl 126, 1). Por isso, como último e poderosíssimo remédio vos recomendamos, Veneráveis Irmãos, que em vossas dioceses promovais e intensifiqueis, do modo mais eficaz, o espírito de oração unido à penitência cristã. Quando os Apóstolos perguntaram ao Salvador por que é que não tinham podido libertar do espírito maligno a um endemoninhado, respondeu o Senhor: “Demônios desta raça não se expulsam senão com a oração e com o jejum” (Mt 17, 20). Também o mal que hoje atormenta a humanidade não poderá ser vencido senão com uma santa cruzada universal de oração e penitência: e recomendamos singularmente às Ordens contemplativas, masculinas e femininas, que redobrem as suas súplicas e sacrifícios, para 8impetrarem do céu para a Igreja um válido socorro nas lutas presentes, com a poderosa intercessão da Virgem Imaculada, a qual, assim como um dia esmagou a cabeça da antiga serpente, assim também é hoje e sempre segura defesa e invencível “Auxílio dos Cristãos”.
V - MINISTROS E AUXILIARES DESTA OBRA SOCIAL DA IGREJA
Os Sacerdotes
60. Para a obra mundial de salvação que temos vindo traçando, e para a aplicação dos remédios que ficam brevemente apontados, ministros e obreiros evangélicos designados pelo divino Rei Jesus Cristo são em primeira linha os sacerdotes. A eles, por vocação especial, sob a guia dos sagrados Pastores e em união de filial obediência com o Vigário de Cristo na terra, foi confiada a missão de conservar aceso no mundo o facho da fé e de infundir nos fiéis aquela sobrenatural confiança com que a Igreja, em nome de Cristo, tem combatido e vencido tantas outras batalhas: “Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé” (1 Jo 5, 4).
61. De modo particular recordamos aos sacerdotes a exortação de Nosso Predecessor, Leão XIII, tantas vezes repetida, de ir ao operário; exortação que Nós fazemos Nossa e completamos: “Ide ao operário, especialmente ao operário pobre, e em geral, ide aos pobres”, seguindo nisto os ensinamentos de Jesus Cristo e da sua Igreja. Os pobres, efetivamente são os que se acham mais expostos às ciladas dos agitadores, que exploram a sua mísera condição, para lhes atear no peito a inveja contra os ricos e excitá-los a tomarem pela força o que lhes parece que a fortuna lhes negou injustamente; e, se o Sacerdote não vai aos operários, aos pobres, para os prevenir ou desenganar dos preconceitos e das falsas teorias, chegarão a ser fácil presa dos apóstolos, do comunismo.
62. Não podemos negar que muito se tem feito já neste sentido, especialmente depois das Encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno; e com paterna complacência saudamos o industrioso zelo pastoral de tantos bispos e sacerdotes, que vão excogitando e ensaiando, embora com a devida prudência e cautela, novos métodos de apostolado que melhor correspondam às exigências modernas. Mas tudo isto é ainda muito pouco para as presentes necessidades. Assim como, quando a pátria está em perigo, tudo quanto não é estritamente necessário ou não é diretamente ordenado à urgente necessidade da defesa comum, passa a segunda linha; assim também em nosso caso, qualquer outra obra, por mais bela e boa que seja, deve ceder o passo à vital necessidade de salvar as próprias bases da fé e da civilização cristã. E assim, nas paróquias os sacerdotes, dando embora materialmente o que é necessário à cura ordinária dos fiéis, reservem o mais e o melhor das suas forças e da sua atividade à reconquista das massas trabalhadoras para Cristo e para a Igreja e a fazer penetrar o espírito cristão nos meios que lhe são mais refratários. Nas massas populares, encontrarão uma correspondência e uma abundância de frutos inesperada, que os compensará do duro trabalho do primeiro arroteamento; como temos visto e vemos em Roma e em muitas outras metrópoles, onde, à sombra das novas igrejas, que vão surgindo nos bairros periféricos, se vão organizando fervorosas comunidades paroquiais e se operam verdadeiros milagres de conversão entre populações que eram hostis à religião, só porque a não conheciam.
63. Mas o meio mais eficaz de apostolado entre as multidões dos pobres e dos humildes é o exemplo do sacerdote, o exemplo de todas as virtudes sacerdotais quais as descrevemos em Nossa Encíclica Ad Catholici Sacerdotii (20 de dezembro de 1935: A.A.S., vol. XXVIII (1936), págs. 5-53); no presente caso, porém, de modo especial, é necessário um luminoso exemplo de vida humilde, pobre, desinteressada, cópia fiel do Divino Mestre que podia proclamar com divina franqueza: “As raposas têm os seus covis e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8, 20). Um sacerdote verdadeira e evangelicamente pobre e desinteressado faz milagres de bem no meio do povo, como um São Vicente de Paulo, um Cura d’Ars, um Cottolengo, um Dom Bosco e tantos outros; ao passo que um sacerdote avaro e interesseiro, como recordamos na citada Encíclica, ainda quando se não precipite, como judas, no abismo da traição, será pelo menos um oco “bronze a ressoar” e um inútil “címbalo a retinir” (1 Cor 13, 1), e muitas vezes antes obstáculo que instrumento de graça no meio do povo. E, se o sacerdote secular ou regular, por dever de ofício, tem que administrar bens temporais, lembre-se que não somente terá obrigação de observar escrupulosamente tudo quanto prescrevem a caridade e a justiça, senão que de modo particularmente deve mostrar-se verdadeiro pai dos pobres.
A Ação Católica
64. Depois do clero dirigimos o Nosso paternal convite aos nossos queridíssimos filhos leigos, que militam nas fileiras da Ação Católica, que nos é tão cara e que, como já declaramos em outra ocasião (13 de maio de 1936, A.A.S., vol. XXIX (1937), págs. 139-144), é um “auxílio particularmente providencial”, para a obra da Igreja nestas circunstâncias tão difíceis. De fato, a Ação Católica é também apostolado social, enquanto tende a difundir o Reinado de Jesus Cristo não só nos indivíduos mas também na família e na sociedade. Por isso deve, antes de tudo, atender a formar com especial cuidado os seus membros e a prepará-los, para as santas batalhas do Senhor. A este trabalho formativo, mais que nunca urgente e necessário, que deve preceder a ação direta e efetiva, servirão certamente os círculos de estudos, as semanas sociais, os cursos orgânicos de conferências e todas as demais iniciativas aptas para dar a conhecer a solução dos problemas sociais em sentido cristão.
65. Soldados da Ação Católica tão bem preparados e adestrados serão os primeiros e imediatos apóstolos dos seus companheiros de trabalho e tornar-se-ão os preciosos auxiliares do Sacerdote, para levarem a luz da verdade e aliviarem as graves misérias materiais e espirituais, em inumeráveis zonas refratárias à ação do ministro de Deus, ou por inveterados preconceitos contra o clero ou por deplorável apatia religiosa. Cooperar-se-á desse modo, sob a direção de Sacerdotes particularmente experimentados, naquela assistência religiosa às classes trabalhadoras, que temos tanto a peito, por ser o meio mais apto para preservar aqueles Nossos amados filhos da cilada comunista.
66. Além deste apostolado individual, muitas vezes oculto, mas sobremaneira útil e eficaz, é função da Ação Católica disseminar amplamente, por meio da propaganda oral e escrita, os princípios fundamentais que hão de servir para a construção de uma ordem social cristã, como se depreendem dos documentos pontifícios.
Organizações Auxiliares
67. Em torno da Ação Católica cerram fileiras as organizações que Nós saudamos já como auxiliares da mesma. Com paternal afeto exortamos também estas organizações tão prestimosas a consagrarem-se à grande missão de que tratamos, que atualmente supera a todas as outras pela sua vital importância.
Organizações de Classe
68. Pensamos também nas organizações de classe: de operários, de agricultores, de engenheiros, de médicos, de patrões, de homens de estudo e outras semelhantes; homens e mulheres, que vivem nas mesmas condições culturais e quase naturalmente se reuniram em agrupamentos homogêneos. São precisamente estes grupos e estas organizações que estão destinadas a introduzir na sociedade aquela ordem, que tínhamos na mente na Nossa Encíclica Quadragesimo Anno, e a difundir assim o reconhecimento da realeza de Cristo nos diversos campos da cultura e do trabalho.
69. E se, pela transformação das condições da vida econômica e social, o Estado julgou dever intervir até o ponto de assistir e regular diretamente tais instituições com particulares disposições legislativas, salvo o respeito devido à liberdade e às iniciativas particulares; também não pode nessas circunstâncias a Ação Católica manter-se estranha à realidade, antes deve com prudência prestar a sua contribuição de pensamento, com o estudo dos novos problemas à luz da doutrina católica, e da atividade, com a participação leal e voluntária dos seus membros nas novas formas e instituições, levando-lhes o espírito cristão, que é sempre princípio de ordem e de mútua e fraterna colaboração.
Apelo aos Operários Católicos
70. Uma palavra particularmente paterna quiséramos dirigir aos Nossos queridos operários católicos, jovens e adultos, os quais, talvez em prêmio da sua fidelidade por vezes heróica nestes tempos tão difíceis, receberam missão muito nobre e árdua. Sob a direção dos seus Bispos e Sacerdotes, é a eles que cumpre reconduzir à Igreja e a Deus aquelas imensas multidões de irmãos seus de trabalho, os quais, exacerbados por não haverem sido compreendidos nem tratados com a dignidade a que tinham direito, se afastaram de Deus. Demonstrem os operários católicos com seu exemplo, com suas palavras, a esses seus irmãos transviados que a Igreja é Mãe cheia de ternura para todos os que trabalham e sofrem, e que jamais faltou nem faltará a seu sagrado dever materno de defender seus filhos. Se esta missão, que eles devem cumprir nas minas, nas fábricas, nos estaleiros, onde quer que se trabalha, reclama por vezes grandes sacrifícios, lembrem-se que o Salvador do mundo deu não só exemplo do trabalho, senão também o do sacrifício.
Necessidade da Concórdia Entre os Católicos
71. Assim pois, a todos os Nossos filhos, de todas as classes sociais, de todas as nações, de todos os grupos religiosos e leigos da Igreja, quiséramos dirigir um novo e mais urgente apelo à concórdia. Muitas vezes Nosso coração paterno se tem afligido com as divisões, fúteis muitas vezes em suas causas, mas sempre trágicas em suas conseqüências, que põem em luta os filhos duma mesma Mãe, a Igreja. Assim se vê que os agentes da desordem, que não são tão numerosos, aproveitando-se destas discórdias, lhes exasperam o azedume, e acabam por lançar os mesmos católicos uns contra os outros. Depois dos acontecimentos destes últimos meses, deveria parecer supérfluo o Nosso aviso. Repetimo-lo, porém, uma vez mais para aqueles que o não compreenderam, ou talvez não o querem compreender. Os que trabalham por aumentar as distensões entre católicos, tomam sobre si uma tremenda responsabilidade diante de Deus e da Igreja.
Apelo a Todos os Que Crêem em Deus
72. Mas a esta luta, empenhada pelo poder das trevas contra própria idéia da Divindade, é-Nos grato esperar que, além de todos aqueles que se gloriam do nome de Cristo, se oponham também denodadamente todos quantos crêem em Deus e o adoram, que são ainda a imensa maioria da humanidade. Renovamos, por isso, o apelo que já, há cinco anos, lançamos em Nossa Encíclica Caritate Christi, para que também eles leal e cordialmente concorram de sua parte “para afastar da humanidade o grande perigo que a todos ameaça”. Porquanto, - como então dizíamos -, se “a crença em Deus é o fundamento inabalável de toda a ordem social e de toda a responsabilidade na terra, todos os que não querem a anarquia e o terror devem trabalhar energicamente para que os inimigos da religião não alcancem o fim que tão abertamente proclamam” (Encíclica Caritate Christi, 3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIX (1932), pág. 184).
DEVERES DO ESTADO CRISTÃO
Ajudar a Igreja
73. Temos exposto, Veneráveis Irmãos, a função positiva, de ordem, a um tempo, doutrinal e prática, que a Igreja assume em virtude da mesma missão, que Jesus Cristo lhe confiou, de edificar a sociedade cristã e, em nossos tempos, de combater e desbaratar os esforços do comunismo; e fizemos apelo a todas e a cada uma das classes da sociedade. Para esta mesma empresa espiritual da Igreja deve também concorrer positivamente o Estado cristão, ajudando em seu empenho a Igreja com os meios que lhes são próprios, os quais, embora externos, dizem também respeito, em primeiro lugar, ao bem das almas.
74. Por isso os Estados porão todo o cuidado em impedir que a propaganda atéia, que destrói todos os fundamentos da ordem, faça estragos em seus territórios, porque não poderá haver autoridade na terra, se não se reconhece a autoridade da Majestade divina, nem será firme o juramento, que não se faça em nome do Deus vivo. Repetimos o que tantas vezes e com tanta insistência temos dito, nomeadamente na Nossa Encíclica Caritate Christi: “Como pode sustentar-se um contrato qualquer, e que valor pode ter um tratado, onde falte toda a garantia de consciência? E como pode falar-se de garantia de consciência, onde falte toda a fé em Deus, todo o temor de Deus? Destruída esta base, desmorona-se com ela toda a lei moral, e não haverá já remédio nenhum que possa impedir a gradual, mas inevitável ruína dos povos, da família, do Estado, da própria civilização humana” (Encíclica Caritate Christi, 3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), pág. 190).
Providências do Bem Comum
75. Além disso, deve o Estado pôr todo o cuidado em criar aquelas condições materiais de vida, sem as quais não pode subsistir uma sociedade ordenada, e em procurar trabalho especialmente aos pais de família e à juventude. Para esse fim induzam-se as classes ricas a que, pela urgente necessidade do bem comum, tomem sobre si aqueles encargos, sem os quais a sociedade humana não pode salvar-se, nem elas próprias poderiam encontrar salvação. Mas as providências, que o Estado toma para esse fim, devem ser tais que atinjam efetivamente os que de fato têm nas mãos os maiores capitais e continuamente os vão aumentando com grave prejuízo dos outros.
Prudente e Sóbria Administração
76. O próprio Estado, lembrando-se de suas responsabilidades diante de Deus e da sociedade, sirva de exemplo a todos os demais com uma prudente e sóbria administração. Hoje mais que nunca a gravíssima crise mundial exige que aqueles que dispõem de fundos enormes, fruto do trabalho e do suor de milhões de cidadãos, tenham sempre diante dos olhos unicamente o bem comum e procurem promovê-lo o mais possível. Os funcionários do Estado e todos os empregados cumpram também, por dever de consciência os seus deveres com fidelidade e desinteresse, seguindo os luminosos exemplos antigos e recentes de homens insignes, que num trabalho sem descanso sacrificaram toda a sua vida pelo bem da pátria. E no comércio dos povos entre si, procure-se solicitamente remover aqueles obstáculos artificiais da vida econômica, que brotam do sentimento da desconfiança e do ódio, recordando que todos os povos da terra formam uma única família de Deus.
Deixar Liberdade à Igreja
77. Mas, ao mesmo tempo, deve o Estado deixar à Igreja plena liberdade de cumprir a sua missão divina e espiritual, para contribuir assim poderosamente para salvar os povos da terrível tormenta da hora presente. Por toda a parte se faz hoje um angustioso apelo às forças morais e espirituais; e com toda a razão, porque o mal que se deve combater é antes de tudo, considerado em sua primeira origem, um mal de natureza espiritual, e desta fonte é que brotam, por uma lógica diabólica, todas as monstruosidades do comunismo. Ora, entre as forças morais e religiosas, sobressai incontestavelmente a Igreja Católica; e por isso o mesmo bem da humanidade exige que não se ponham obstáculos à sua atividade.
78. Proceder de outro modo e pretender ao mesmo tempo alcançar o fim com meios puramente econômicos e políticos, é ficar à mercê de um erro perigoso. E quando se exclui a religião da escola, da educação, da vida pública, e se expõem ao ludíbrio os representantes do Cristianismo e seus sagrados ritos, não se promove porventura aquele materialismo, donde germina o comunismo? Nem a força, ainda a mais bem organizada, nem os ideais terrenos, por mais grandiosos e nobres que sejam, podem dominar um movimento, que tem suas raízes precisamente na demasiada estima dos bens da terra.
79. Confiamos que aqueles que dirigem os destinos das nações, por pouco que sintam o perigo extremo que ameaça hoje os povos, compreenderão cada vez melhor o supremo dever de não impedir à Igreja o cumprimento da sua missão; tanto mais que, ao cumpri-la, enquanto procura a felicidade eterna do homem trabalha também inseparavelmente pela verdadeira felicidade temporal.
Apelo Paterno aos Transviados
80. Mas não podemos pôr termo a esta Carta Encíclica, sem dirigir uma palavra àqueles mesmos filhos Nossos que estão já contagiados ou tocados do mal comunista. Exortamo-los vivamente a que ouçam a voz do Pai que os ama; e rogamos ao Senhor que os ilumine, para que deixem o caminho que os despenha a todos numa imensa e catastrófica ruína, e reconheçam também eles que o único Salvador é Jesus Cristo Senhor Nosso: “porque não há sob o céu nenhum outro nome dado aos homens, pelo qual possamos esperar ser salvos” (At 4, 12).
CONCLUSÃO
São José, Modelo e Patrono
81. E, para apressar a “Paz de Cristo no Reino de Cristo” (Encíclica Ubi Arcano, 23 de dezembro de 1922: A.A.S., vol. XIV (1922), pág. 619), por todos tão desejada, pomos a grande ação da Igreja Católica contra o comunismo ateu mundial sob a égide do poderoso Protetor da Igreja, São José. Ele pertence à classe operária e experimentou o peso da pobreza, em si e na Sagrada Família, de que era chefe vigilante e afetuoso; a ele foi confiado o Deus Menino, quando Herodes mandou contra ele os seus sicários. Com uma vida de fidelíssimo cumprimento do dever cotidiano, deixou um exemplo de vida a todos os que têm de ganhar o pão com o trabalho de suas mãos e mereceu ser chamado o Justo, exemplo vivo daquela justiça cristã, que deve reinar na vida social.
82. Com os olhos no alto, a nossa fé vê os novos céus e a nova terra; de que fala o Nosso primeiro Antecessor, São Pedro (2 Pdr 3, 13; cf. Is 66, 22; Apc 21, 1). Enquanto as promessas dos falsos profetas da terra se desvanecem em sangue e lágrimas, brilha com celeste beleza a grande profecia apocalíptica do Redentor do mundo: “Eis que Eu renovo todas as coisas” (Apc 21, 5). Não Nos resta, Veneráveis Irmãos, senão elevar as mãos paternas e fazer descer sobre Vós, sobre o vosso Clero e povo, sobre toda a grande Família Católica, a Bênção Apostólica.Dada em Roma, junto de São Pedro, na festa de São José, Padroeiro da Igreja Universal, no dia 19 de março de 1937, ano XVI do Nosso Pontificado.
PIO XI PP.
Para citar este texto:
Papa Pio XI - "Divini Redemptoris" MONTFORT Associação Culturalhttp://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=enciclicas&artigo=divini_redemptoris&lang=bra Online, 31/07/2009 às 19:42h
Catecismo da Igreja Católica.
III. A doutrina social da Igreja

2419. «A Revelação cristã conduz [...] a uma inteligência mais penetrante das leis da vida social» (160). A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade acerca do homem. Quando cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho, a Igreja atesta ao homem, em nome de Cristo, a sua dignidade própria e a sua vocação para a comunhão das pessoas, e ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, conformes à sabedoria divina.

2420. A Igreja emite um juízo moral em matéria económica e social, «quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigem» (161). Na ordem da moralidade, ela exerce uma missão diferente da que concerne às autoridades políticas: a Igreja preocupa-se com os aspectos temporais do bem comum em razão da sua ordenação ao Bem soberano, nosso fim último. E esforça-se por inspirar as atitudes justas, no que respeita aos bens terrenos e às relações sócio-económicas.

2421. A doutrina social da Igreja desenvolveu-se no século XIX aquando do confronto do Evangelho com a sociedade industrial moderna, as suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, o seu novo conceito de sociedade, de Estado e de autoridade, as suas novas formas de trabalho e de propriedade. O desenvolvimento da doutrina da Igreja em matéria económica e social comprova o valor permanente da doutrina da mesma Igreja, ao mesmo tempo que o verdadeiro sentido da sua Tradição, sempre viva e activa (162).

2422. O ensino social da Igreja inclui um corpo de doutrina que se vai articulando à medida que a mesma Igreja interpreta os acontecimentos no decurso da história à luz do conjunto da Palavra revelada por Cristo Jesus, com a assistência do Espírito Santo (163). Este ensino torna-se tanto mais aceitável para os homens de boa vontade, quanto mais inspira o procedimento dos fiéis.

2423. A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão, salienta critérios de julgamento e fornece orientações para a acção:
Todo o sistema, segundo o qual as relações sociais forem inteiramente determinadas pelos factores económicos, é contrário à natureza da pessoa humana e dos seus actos (164).

2424. Uma teoria que faça do lucro a regra exclusiva e o fim último da actividade económica, é moralmente inaceitável. O apetite desordenado do dinheiro não deixa de produzir os seus efeitos perversos e é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social (165).
Um sistema que «sacrifique os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização colectiva da produção», é contrário à dignidade humana (166). Toda a prática que reduza as pessoas a não serem mais que simples meios com vista ao lucro, escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro e contribui para propagar o ateísmo. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24; Lc 16, 13).

2425. A Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao «comunismo» ou ao «socialismo». Por outro lado, recusou, na prática do «capitalismo», o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano (167). Regular a economia só pela planificação centralizada perverte a base dos laços sociais: regulá-la só pela lei do mercado é faltar à justiça social, «porque há numerosas necessidades humanas que não podem ser satisfeitas pelo mercado» (168). É necessário preconizar uma regulação racional do mercado e das iniciativas económicas, segundo uma justa hierarquia dos valores e tendo em vista o bem comum.

IV. A actividade económica e a justiça social

2426. O desenvolvimento das actividades económicas e o crescimento da produção destinam-se a ocorrer às necessidades dos seres humanos. A vida económica não visa somente multiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; ordena-se, antes de mais, para o serviço das pessoas, do homem integral e de toda a comunidade humana. Conduzida segundo métodos próprios, a actividade económica deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral e segundo as normas da justiça social, a fim de corresponder ao desígnio de Deus sobre o homem (169).

2427. O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar, umas com as outras, a obra da criação, dominando a terra (170). Portanto, o trabalho é um dever: «Se algum de vós não quer trabalhar, também não coma» (2 Ts 3, 10) (171). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor: suportando o que o trabalho tem de penoso (172) em união com Jesus, o artesão de Nazaré e crucificado do Calvário, o homem colabora, de certo modo, com o Filho de Deus na sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo, levando a cruz de cada dia na actividade que foi chamado a exercer (173). O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrenas no Espírito de Cristo.

2428. No trabalho, a pessoa exerce e cumpre uma parte das capacidades inscritas na sua natureza. O valor primordial do trabalho pertence ao próprio homem, seu autor e destinatário. O trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho (174).
Cada um deve poder tirar do trabalho os meios de subsistência, para si e para os seus, e a possibilidade de servir a comunidade humana.

2429. Cada um tem o direito de iniciativa económica e usará legitimamente os seus talentos, a fim de contribuir para uma abundância proveitosa a todos e recolher os justos frutos dos seus esforços. Mas terá o cuidado de se conformar com as regulamentações impostas pelas legítimas autoridades em vista do bem comum (175).

2430. A vida económica põe em causa interesses diversos , muitas vezes opostos entre si. Assim se explica a emergência dos conflitos que a caracterizam (176). Todos devem esforçar-se por reduzir estes últimos através de uma negociação que respeite os direitos e deveres de todos os parceiros sociais: os responsáveis das empresas, os representantes dos assalariados (por exemplo, organizações sindicais) e, eventualmente, os poderes públicos.

2431. A responsabilidade do Estado. «A actividade económica, particularmente a da economia de mercado, não pode desenrolar-se num vazio institucional, jurídico e político. Pressupõe asseguradas as garantias das liberdades individuais e da propriedade, sem falar duma moeda estável e de serviços públicos eficientes. Mas o dever essencial do Estado é assegurar estas garantias, de modo que, quem trabalha, possa usufruir do fruto do seu trabalho e, portanto, se sinta estimulado a realizá-lo com eficiência e honestidade [...]. O Estado tem o dever de zelar e orientar a aplicação dos direitos humanos no sector económico. Todavia, neste domínio, a primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas sim às instituições e diferentes grupos e associações que compõem a sociedade» (177).

2432. Os responsáveis de empresas têm, perante a sociedade, a responsabilidade económica e ecológica das suas operações (178). Estão obrigados a ter em consideração o bem das pessoas, e não somente o aumento dos lucros. Estes são necessários, pois permitem realizar investimentos que assegurem o futuro das empresas e garantam o emprego.

2433. O acesso ao trabalho e ao exercício da profissão deve ser aberto a todos sem descriminação injusta: homens e mulheres, sãos e deficientes, naturais e imigrados (179). Por sua vez, a sociedade deve, nas diversas circunstâncias, ajudar os cidadãos a conseguir um trabalho e um emprego (180).

2434. O salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo, pode constituir grave injustiça (181). Para calcular a remuneração equitativa, há que ter em conta, ao mesmo tempo, as necessidades de cada um e o contributo que presta. «Tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira a assegurar ao homem e aos seus os recursos necessários para uma vida digna no plano material, social, cultural e espiritual» (182). O acordo das partes não basta para justificar moralmente o montante do salário.

2435. A greve é moralmente legítima, quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo necessário, em vista dum benefício proporcionado. Mas torna-se moralmente inaceitável quando acompanhada de violências, ou ainda quando por feita com objectivos não directamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.

2436. É injusto não pagar aos organismos de segurança social as quotas estabelecidas pelas autoridades legítimas.
O desemprego devido à falta de trabalho é, quase sempre, para quem dele é vítima, um atentado à sua dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Para além do prejuízo pessoalmente sofrido, derivam dele numerosos riscos para a respectiva família (183).
(...)

2441. Aumentar o sentido de Deus e o conhecimento de si mesmo está na base de todo o desenvolvimento completo da sociedade humana. Este multiplica os bens materiais e põe-nos ao serviço da pessoa e da sua liberdade. Diminui a miséria e a exploração económicas. Faz crescer o respeito pelas identidades culturais e a abertura à transcendência (191).

2442. Não compete aos pastores da Igreja intervir directamente na construção política e na organização da vida social. Este papel faz parte da vocação dos fiéis leigos, agindo por sua própria iniciativa juntamente com os seus concidadãos. A acção social pode implicar uma pluralidade de caminhos concretos; mas deverá ter sempre em vista o bem comum e conformar-se a mensagem evangélica e o ensinamento da Igreja. Compete aos fiéis leigos «animar as realidades temporais com o seu compromisso cristão, comportando-se nelas como artífices da paz e da justiça» (192).

Syllabus: a lista das heresias modernas.



Papa Pio IX


Contendo os Principais Erros da Nossa Época, Notados nas Alocuções Consistoriais, Encíclicas e Outras Letras Apostólicas do Nosso Santíssimo Padre, o Papa Pio IX.



§ I. Panteísmo, Naturalismo e Racionalismo Absoluto.


1º Não existe Divindade alguma suprema e sapientíssima e providentíssima, distinta desta universalidade das coisas, e Deus é o mesmo que a natureza das coisas, sujeito, portanto, a mudanças, e Deus, na realidade, se forma no homem e no mundo, e todas as coisas são Deus e tem a mesma substância de Deus; Deus é uma e a mesma coisa que o mundo, e, portanto, o espirito é o mesmo que a matéria, a necessidade que a liberdade, a verdade que a falsidade o bem que o mal, e a justiça que a injustiça.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


2º Deve negar-se toda a ação de Deus sobre os homens e sobre o mundo.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


3º A razão humana, considerada sem relação alguma a Deus, é o único árbitro do verdadeiro e do falso, do bem e do mal, é a sua própria lei e suficiente, nelas suas forças naturais, para alcançar o bem dos homens e dos povos.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


4º Todas as verdades da religião derivam da força natural da razão humana, e por isso a mesma razão é a principal norma pela qual o homem pode e deve chegar ao conhecimento de todas as verdades de qualquer gênero que sejam.
Enc. "Qui pluribus", de 9 de Novembro de 1846.Enc. "Singulari quidem" de 17 de Março de 1856.Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


5º A revelação divina é imperfeita e. portanto, sujeita ao progresso contínuo e indefinido que corresponde ao progresso da razão humana.
Enc. "Qui pluribus", de 9 de Novembro de 1846.Aloc. "Maxima quidem", de 9 de Junho de 1862.


6º A Fé de Cristo repugna a razão humana, e a revelação divina não só não é útil, mas é contrária à perfeição do homem.
Enc. "Qui pluribus", de 9 de Novembro de 1846.Aloc. "Maxima quidem", de 9 de Junho de 1862.


7º As profecias e milagres expostos e narrados nas Sagradas Letras são comentários de poetas; os mistérios da Fé Cristã, uma recompilação de investigações filosóficas; tanto o Velho como o Novo Testamento contêm invenções fabulosas, e o mesmo Jesus Cristo é uma ficção mítica.
Enc. "Qui pluribus", de 9 de Novembro de 1846.Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.

§ II. Racionalismo Moderado


8º Corno a razão humana se equiparar à mesma religião, por isso as disciplinas teológicas se devem tratar do mesmo modo que as filosóficas.
Aloc. "Singulari quadam perfusi", de 9 de dezembro de 1854.


9º Todos os dogmas da religião cristã, indiscriminadamente, são objeto da ciência natural ou filosófica; e a razão humana, com o estudo, unicamente, da história, pode, pelos seus princípios e forças naturais, chegar ao verdadeiro conhecimento de todos os dogmas, mesmo os mais recônditos, com tanto que estes dogmas sejam propostos como objeto à mesma razão.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Gravissimas", de 11 de Dez. de 1862.Epist. Ao mesmo "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863.


10º Como o filósofo é diverso da filosofia, aquele tem direito de se submeter à autoridade que ele mesmo prova que é a verdadeira; mas a filosofia não pode nem deve sujeita-se a autoridade alguma.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Gravissimas", de 11 de Dez. de 1862.Epist. Ao mesmo "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863.


11º A Igreja não só não deve repreender em coisa alguma a filosofia, mas tolerar os erros da mesma e deixar que ela se corrija dos mesmos.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Gravissimas", de 11 de Dez. de 1862.


12º Os decretos da Sé Apostólica e das Congregações Romanas impedem o progresso livre da ciência.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863.


13º O método e os princípios por que os antigos Doutores escolásticos ensinaram a Teologia não convêm às necessidades da nossa época e ao progresso das ciências.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863.


14º A Filosofia deve ser tratada sem nenhuma a relação com a revelação sobrenatural.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863.
N. B. Ao sistema nacionalista se referem a maior parte dos erros de Antônio Günther, condenados na Epístola ao Cardeal Arcebispo de Colônia "Eximiam Tuam", de 15 de Junho de 1847, e na Epístolas ao Bispo de Breslau "Dolore haud mediocri", de 30 de Abril de 1860.

§ III. Indiferentismo, Latitudinarismo


15º É livre a qualquer um abraçar e professar aquela religião que ele, guiado pela luz da razão, julgar verdadeira.
Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 de Junho de 1851.Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


16º No culto de qualquer religião podem os homens achar o caminho da salvação eterna e alcançar a mesma eterna salvação.
Enc. "Qui pluribus", de 9 de Novembro de 1846.Aloc. "Ubi primum", de 17 de Dezembro de 1847.Enc. "Singulari quidem" de 17 de Março de 1856.


17º Pela menos deve-se esperar bem da salvação eterna daqueles todos que não vivem na verdadeira Igreja de Cristo.
Aloc. "Singulari quadam", de 19 de Dezembro de 1854.Enc. "Quanto conficiamur", de 17 de Agosto de 1863.



18º O protestantismo não é senão outra forma da verdadeira religião cristã, na qual se pode agradar a Deus do mesmo modo que na Igreja Católica.
Enc. "Noscitis et Nobiscum", de 8 de Dezembro de 1849.

§ IV. Socialismo, Comunismo, Sociedades Secretas, Sociedades Bíblicas, Sociedades Clérico-Liberais
Estas pestes, muitas vezes, e com palavras gravíssimas, foram reprovadas na encíclica "Qui Pluribus", de 9 de Novembro de 1846; na alocução "Quibus quantisque", de 20 de Abril de 1849; na encíclica "Noscitis et Nobiscum", de 8 de Dezembro de 1849; na alocução "Singulari quadam", de 9 de Dezembro de 1854; na encíclica "Quanto conficiamur moerore", de 10 de Agosto de 1863.

§ V. Erros Sobre a Igreja e os Seus Direitos


19º A igreja não é uma sociedade verdadeira e perfeita, inteiramente livre, nem goza de direitos próprios e constantes, dados a ela pelo seu divino Fundador, mas pertence ao poder civil definir quais sejam os direitos da Igreja e os limites dentro dos quais pode exercer os mesmos.
Aloc. "Singulari quadam", de 19 de Dezembro de 1854.Aloc. "Multis gravibusque", de 17 de Dezembro de 1860.Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


20º O poder eclesiástico não deve exercer a sua autoridade sem licença e consentimento do governo civil.
Aloc. "Meminit unusquisque", de 30 de Setembro de 1861.



21º A Igreja não tem o poder de definir dogmaticamente que a religião da Igreja Católica é a única verdadeira.
Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 de Junho de 1851.



22º A obrigação a que estão sujeitos os mestres e escritores católicos refere-se tão somente àquelas coisas que o juízo infalível da Igreja propõe como dogmas de fé para todos crerem.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863.


23º Os Pontífices Romanos e os Concílios ecumênicos ultrapassaram os limites do seu poder, usurparam os direitos dos Príncipes, e erraram, mesmo nas definições de fé e de moral.
Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 de Junho de 1851.



24º A Igreja não tem poder de empregar a força nem poder algum temporal, direto ou indireto.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


25º Além do poder inerente ao Episcopado, é-lhe atribuído outro poder temporal, concedido expressa ou tacitamente pelo império civil, que o mesmo império civil pode revogar quando lhe aprouver.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


26º A Igreja não tem poder natural e legítimo de adquirir nem de possuir.
Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.Enc. "Incredibili", de 17 de Setembro de 1863.


27º Os ministros sagrados da Igreja e o Pontífice Romano devem ser completamente excluídos de todo o cuidado e domínio das coisas temporais.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


28º Não é lícito aos Bispos, sem licença do governo, publicar nem as próprias letras apostólicas.
Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.


29º As graças concedidas pelo Pontífice Romano devem-se julgar de nenhum efeito, não sendo imploradas pelo governo.
Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.


30º A imunidade da Igreja e das pessoas eclesiásticas nasce do direito civil.
Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 de Junho de 1851.


31º O foro eclesiástico para as coisas temporais dos clérigos, quer civis quer criminais, deve ser de todo suprimido, mesmo sem consultar-se a Sé Apostólica, e não obstante as suas reclamações.
Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.


32º Pode-se derrogar, sem violação alguma de equidade e de direito natural, a imunidade pessoal, pela qual os clérigos são isentos do serviço militar, e esta derrogação é reclamada pelo progresso civil, especialmente na sociedade constituída debaixo da forma de regime mais livre.
Epist. Ao Bispo de Montreal "Singularis Nobisque", de 29 de Set. de 1864.


33º Não pertence unicamente ao poder da jurisdição dirigir, pelo seu direito próprio e natural, a doutrina das matérias teológicas.
Epist. Ao Arceb. De Frising "Tuas libenter", de 21 de Dez. de 1863.


34º A doutrina dos que compararam o Pontífice Romano a um Príncipe livre, e que exerce o seu poder sobre toda a Igreja, é doutrina que prevaleceu na Idade Média.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


35º Não impede que, por sentença de um Concílio Geral ou por decisão de todos os povos, seja Sumo Pontificado transferido do Bispo Romano e de Roma para outro Bispo e para outra cidade.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


36º A definição de um Concílio nacional não admite discussões subsequentes, e o poder civil pôde exigir que as questões não progridam.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


37º Podem ser instituídas Igreja nacionais isentas da autoridade do Pontífice Romano, e separadas dele.
Aloc. "Multis gravibusque", de 17 de Dezembro de 1860.Aloc. "Jamdudum", de 18 de Março de 1861.


38º Os atos em demasia arbitrários dos Pontífices Romanos produziram a separação da Igreja em Oriental e Ocidental.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.

§VI. Erros de Sociedade Civil, tanto Considerada em Si, Como nas Suas Relações com a Igreja


39º O Estado, sendo a origem e fonte de todos os direitos, goza de um direito que não é circunscrito por limite algum.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


40º. A doutrina da igreja Católica é oposta ao bem e aos interesses da sociedade humana.
Enc. "Qui pluribus", de 9 de Novembro de 1846.Aloc. "Quibus quantisque", de 20 de Abril de 1849.


41º Ao poder civil, mesmo exercido por um príncipe infiel, pertence um poder indireto e negativo sobre as coisas sagradas; pertence-lhe não só o direito que se chama "exsequatur", mas ainda o da apelação que se chama "ab abusu".
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


42º Em conflito entre os dois poderes, deve prevalecer o poder civil.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


43º O poder secular tem autoridade de rescindir, de declarar e tornar nulos os convênios solenes, ou Concordatas celebradas com a Sé Apostólica, relativos ao uso dos direitos pertencentes à imunidade eclesiástica sem consentimento da mesma Sé Apostólica, e mesmo se ela reclamar.
Aloc. "In consistoriali", de 1º de Novembro de 1850.Aloc. "Multis gravibusque", de 17 de dezembro de 1860.


44º A autoridade civil pode envolver-se nas coisas relativas à religião, aos costumes e ao governo espiritual; donde se segue que tem competência sobre as instruções que os pastores da Igreja publicam em harmonia com a sua missão, para a direção das consciências. Ainda mais, tem poder para decretar a respeito da administração dos divinos Sacramentos e das disposições necessárias para os receber.
Aloc. "In consistoriali", de 1º de Novembro de 1850.Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


45º A completa direção das escolas públicas, nas quais se educa a mocidade de algum Estado cristão, excetuando, por alguma razão, os Seminários Episcopais tão somente, pode e deve ser atribuída à autoridade civil, e atribuída de tal modo, que a nenhuma autoridade seja reconhecido o direito de intrometer-se na disciplina das escolas, no regime dos estudos, na escolha e aprovação dos professores.
Aloc. "In consistoriali", de 1º de Novembro de 1850.Aloc. "Quibus luctuosissimis", de 5 de Setembro de 1851.


46º Ainda mais, nos próprios Seminários dos clérigos o método dos estudos se deve sujeitar à autoridade civil.
Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.


47º A melhor condição da sociedade civil exige que as escolas populares, abertas sem distinção aos meninos de todas as classes do povo, e os estabelecimentos públicos, destinados a educar e a ensinar aos jovens as letras e os estudos superiores estejam fora da ação de qualquer autoridade eclesiástica, e de qualquer influxo moderador e de qualquer ingerência dessa autoridade, e estejam completamente sujeitos ao poder civil e político, conforme o beneplácito dos imperantes e as opiniões comuns da época.
Carta ao Arceb. De Frib. "Quum non sine", de 14 de Julho de 1864.


48º Aquele modo de instruir a mocidade que se separa da Fé Católica e do poder da Igreja e atende somente aos conhecimentos dos objetos naturais e aos fins da vida social terrena, única ou ao menos principalmente, pode ser aprovado pelos católicos.
Carta ao Arceb. De Frib. "Quum non sine", de 14 de Julho de 1864.


49º A autoridade civil pode impedir que os prelados e os fiéis comuniquem livremente entre si e com o Pontífice Romano.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


50º Autoridade secular tem por sua natureza o direito de apresentar os Bispos, e pode exigir deles que tomem posse de suas dioceses, antes de terem recebido as Santa Sé a instituição canônica e as Letras Apostólicas.
Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.


51º Ainda mais a autoridade secular tem direito de demitir os Bispos das suas funções pastorais, e não é obrigada a obedecer ao Pontífice Romano naquelas coisas que dizem respeito ao Episcopado e à instituição dos Bispos.
Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 de Junho de 1851.Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.


52º O governo tem direito de mudar a idade prescrita pela lgreja para a profissão religiosa, tanto dos homens como das mulheres, e de proibir a todas as Ordens religiosas que admitam alguém à profissão solene sem licença do mesmo governo.
Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.


53º Devem-se revogar as leis que dizem respeito à proteção das Ordens religiosas, aos seus direitos e obrigações; além disso o poder civil pode prestar o seu apoio a todos os que quiserem deixar a vida religiosa e quebrar os votos solenes; pode igualmente suprimir as Ordens religiosas, as colegiadas e os benefícios simples, ainda que sejam de padroado, e submeter os seus bens à alçada e administração da autoridade civil.
Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.Aloc. "Probe memineritis", de 22 de Janeiro de 1855.Aloc. "Cum saepe", de 26 de Julho de 1855.


54º Os Reis e os Príncipes não só estão isentos ela jurisdição da Igreja, mas também em resolver as questões de jurisdição são superiores à Igreja.
Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 de Junho de 1851.


55º A Igreja deve estar separada do Estado e o Estado da Igreja.
Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.

§VII. Erros acerca da Moral Natural e a Moral Cristã


56º As leis morais não carecem da sanção divina, e não é necessário que as leis humanas sejam conformes ao direito natural ou recebam de Deus o poder obrigatório.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


57º A ciência das coisas filosóficas e morais e as leis civis podem e devem ser livres da autoridade divina e eclesiástica.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


58º Não é preciso reconhecer outras forças senão as que residem na matéria, e o sistema moral e a honestidade dos costumes devem consistir em acumular ou aumentar riquezas por qualquer meio e na satisfação de todos os gozos.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.Enc. "Quanto conficiamur", de 10 de Agosto de 1863.


59º O direito firma-se no fato material; todos os deveres do homem são palavras vãs, e todas as ações humanas têm força de direito.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


60º A autoridade não é mais do que a soma do número e das forças materiais.
Aloc. "Maxima quidem, de 9 de Junho de 1862.


61º Uma injustiça de fato, coroada de bom êxito, em nada prejudica a santidade do direito.
Aloc. "Jamdudum", de 18 de Março de 1861.


62º É preciso proclamar e observar o princípio da não intervenção.
Aloc. "Novus et ante", de 27 de Setembro de 1860.


63º É lícito negar a obediência aos Príncipes legítimos e mesmo revoltar-se contra eles.
Enc. "Qui pluribus", de 9 de Novembro de 1846.Aloc. "Quisque vestrum", de 4 de Outubro de 1847Enc. "Noscitis et Nobiscum", de 8 de Dezembro de 1849.Letras Apostólicas "Cum Catholica", de 26 de Março de 1860.


64º Tanto a violação de qualquer juramento santíssimo, como qualquer ação infame e perversa contrária à Lei sempiterna, não só não é censurável, mas também até completamente lícita e digna de grandes elogios, quando for feita por amor da Pátria.
Aloc. "Quibus quantisque", de 20 de Abril de 1849.

§ VIII. Erros Acerca do Matrimônio Cristão


65º Não há razão alguma para julgar que Cristo elevasse o matrimonio à dignidade de Sacramento.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


66º O Sacramento do matrimônio é apenas um acessório do contrato de que se pode separar, e o mesmo Sacramento consiste tão somente na Bênção nupcial.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


67º Pelo direito natural o vínculo matrimonial não é indissolúvel, e em muitos casos pode a autoridade sancionar o divórcio propriamente dito
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.


68º A Igreja não tem poder de estabelecer impedimentos dirimentes ao casamento; pertence isso à autoridade civil, pela quaI os impedimentos existentes têm de ser tirados.
Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 de Junho de 1851.


69º A Igreja, no decurso dos séculos, começou a introduzir os impedimentos dirimentes, usando, não de um direito seu próprio, mas de um direito concedido pelo poder civil.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


70º Os Cânones do Concilio de Trento, que pronunciam anátema contra os que negam à Igreja a faculdade de estabelecer os impedimentos dirimentes, ou não são dogmáticos, ou devem ser considerados em relação ao poder concedido pela autoridade civil.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


71º A forma prescrita pelo mesmo Concílio não obriga debaixo de pena de nulidade, quando a lei civil estabelecer outra forma e quiser que, em virtude disto, seja válido o matrimônio.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


72º Foi Bonifácio VIII o primeiro que declarou que o voto de castidade, pronunciado no ato da ordenação, tornava nulo o matrimônio.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


73º Um contrato meramente civil pode, entre os cristãos, tornar-se um verdadeiro matrimônio; e é falso ou que o contrato matrimonial entre os cristãos sempre seja Sacramento, ou que esse contrato seja nulo, se não houver Sacramento.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.Carta ao Rei da Sardenha, de 9 de Setembro de 1852Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.Aloc. "Multis gravibusque", de 17 de Dezembro de 1860.


74º As causas matrimoniais e esponsalícias pertencem, por sua natureza, à jurisdição civil.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.
N. B. : Há ainda dois erros a respeito da abolição do celibato dos Clérigos e acerca da preferência do estado do matrimônio sobre o da virgindade. Estão reprovados, o primeiro na encíclica "Qui Pluribus", de 9 de Novembro de 1846, e o segundo nas Letras Apostólicas "Multiplices inter", de 10 Junho de 1851.

§ IX. Erros acerca do Principado Civil do Pontífice Romano


75º Os filhos da Igreja cristã e católica discutem entre si acerca da compatibilidade da realeza temporal com o poder espiritual.
Letras Apostólicas "Ad Apostolicae", de 22 de Agosto de 1851.


76º A ab-rogação do poder temporal que possui a Sé Apostólica contribuiria muito para a felicidade e liberdade da Igreja.
Aloc. "Quibus quantisque", de 20 de Abril de 1849.
N. B. : Além desses erros, explicitamente apontados, há muitos outros que implicitamente são reprovados pela doutrina já proposta e estabelecida a respeito do Principado do Pontífice Romano; a qual todos os católicos firmissimamente devem professar. Esta doutrina se acha exposta com clareza nas Alocuções "Quibus quantisque", de 20 de Abril de 1849; "Si semper antea", de 20 de maio de 1850 nas Letras Apostólicas "Cum Catholica Ecclesia", de 26 de Março de 1860; nas Alocuções "Novas", de 28 de Setembro de 1860, "Jamdudum" de 18 de Março de 1861, e "Maxima quidem", de 9 de Junho de 1862.


77º Na nossa época já não é útil que a Religião Católica seja tida como a única Religião do Estado, com exclusão de quaisquer outros cultos.
Aloc. "Nemo Vestrum", de 26 de Julho de 1855.


78º Por isso louvavelmente determinaram as leis, em alguns países católicos, que aos que para aí emigram seja lícito o exercício público de qualquer culto próprio.
Aloc. "Acerbissimum", de 27 de Setembro de 1852.


79º É falso que a liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manisfestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produza corrupção dos costumes e dos espíritos dos povos, como contribua para a propagação da peste do Indiferentismo.
Aloc. "Nunquam fore", de 15 de Dezembro de 1856.


80º O Pontífice Romano pode e deve conciliar-se e transigir com o progresso, com o Liberalismo e com a Civilização moderna.
Aloc. "Jamdudum cernimus", de 18 de Março de 1861.
* * *
Tomamos esta tradução do Sílabo de Antônio Secioso Moreira de Sá: "O Zuavo da Liberdade", pp. 224-238 – Rio de Janeiro, Tipografia do "Apóstolo". 1872 – Diz o autor que a tradução, por ordem do Ex.mo Sr. D. Pedro Maria de Lacerda, então Bispo do Rio de Janeiro, foi corrigida em vários pontos à vista do texto latino.


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Para citar este texto: Papa Pio IX - "Syllabus" MONTFORT Associação Cultural http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=enciclicas&artigo=silabo&lang=bra Online, 31/07/2009 às 19:11h .

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